- Home
- Mercado financeiro
- Economia
- Economia brasileira está numa encruzilhada, segundo professor da UFRJ
Economia brasileira está numa encruzilhada, segundo professor da UFRJ
O economista Luiz Fernando de Paula, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), escolheu um termo de grande peso simbólico para o título de seu último livro: “Economia brasileira na encruzilhada: ensaios sobre macroeconomia, desenvolvimento econômico e economia bancária”.
Ao falar em encruzilhada, o autor não só evoca o ponto em que uma decisão deve ser tomada e uma rota escolhida, como menciona um elemento importante da cultura popular brasileira. Ao forçar um juízo, a encruzilhada é o ponto do espaço em que algo se revela ou vem à tona.
Propor-se a interpretar a economia do Brasil a partir da premissa de que ela se encontra em uma encruzilhada envolve confrontar-se com as escolhas tomadas pelas lideranças do país, mas também com aquilo que as motiva. Embora nem sempre de modo explícito, é possível reconstituir a forma da encruzilhada brasileira no rosário de conceitos econômicos e sociais tratados: a taxa de juros, o câmbio, a organização do setor bancário refletem decisões sobre distribuição de renda, estrutura produtiva e justiça social.
O livro é uma coletânea de 12 artigos acadêmicos publicados entre 2010 e 2021, precedidos de uma breve introdução. A maior parte foi redigida em coautoria com economistas heterodoxos e cientistas políticos. Por um lado, o caráter técnico da escrita, formal e por vezes árida, pode afastar o público leigo, já que não houve uma adaptação da linguagem. Por outro, a série de parcerias proporciona um panorama das interpretações não neoclássicas da economia brasileira e de alguns debates internos a essa vertente de estudos.
Na introdução, o autor explica seu ponto de vista como um amálgama da escola pós-keynesiana, enfatizando a incerteza radical e o papel da moeda nas decisões econômicas, com o estruturalismo cepalino, que ressalta a relação desigual entre os países do centro da economia mundial e os da periferia; uma terceira influência relatada é o novo-desenvolvimentismo desenvolvido nas últimas décadas por Luiz Carlos Bresser Pereira e seu grupo.
Por esse prisma, o primeiro conjunto de artigos (“Desenvolvimentismo”) constitui uma espécie de debate interno da heterodoxia, mesclando questões metodológicas com análises empíricas. O autor confronta duas vertentes desenvolvimentistas, a “social-desenvolvimentista”, associada aos governos petistas, e o “novo-desenvolvimentismo” de Bresser Pereira – uma das fontes de inspiração do programa econômico de Ciro Gomes.
Nessa seção, duas conclusões merecem destaque. Uma é a de que o desenvolvimentismo, mesmo o de prefixo “social”, não foi tão preponderante nos anos petistas quanto se pensa, já que vastas porções desse período se caracterizam por medidas ortodoxas, em linha com aquilo que o autor denomina “novo consenso macroeconômico”.
A outra é que uma política de desenvolvimento para o Brasil não terá sucesso se focalizar apenas o mercado interno (wage-led) ou a exportação (export-led); o economista sugere que só uma coordenação política com visão de longo prazo poderia conciliar as duas tendências opostas.
No segundo (“Macroeconomia”) e no terceiro (“Setor bancário”) conjuntos, os artigos têm intenções diagnósticas. Buscam explicitar as insuficiências do período de crescimento ao longo da primeira década do século e as causas da catástrofe nos anos seguintes, além de uma análise das respostas do governo brasileiro ao choque do coronavírus.
Uma vez que a perspectiva do autor é heterodoxa e, em linhas gerais, favorável a uma política pública ativamente voltada para o desenvolvimento, seu modo de abordar o período desenvolvimentista tende a enfatizar por que aquilo que deveria funcionar, no fim das contas, falhou; na mesma proporção, para os anos mais liberais, o que se ressalta são as falhas intrínsecas.
Vale destaque para o capítulo dedicado à pandemia, que se contrapõe a avaliações, igualmente heterodoxas, segundo as quais medidas como o auxílio emergencial, o estímulo ao crédito e a redução de horas trabalhadas tiveram um efeito fraco sobre a atividade econômica e o bem-estar da população.
Ao contrário, para o economista essas medidas promoveram um efeito contracíclico significativo, evitando uma recessão ainda mais profunda, e proporcionaram melhorias em indicadores sociais que vinham piorando desde 2015.
Entretanto, na visão do autor, sua adoção sem planejamento (foram sobretudo iniciativa da oposição parlamentar) e o rápido “retorno ao normal” impedem que esses efeitos sejam duradouros.
O que mais falta ao livro é uma articulação entre os diferentes temas e problemas tratados. Ou seja, um retrato consolidado da encruzilhada que o título anuncia. Ao final de 12 textos essencialmente independentes entre si, segue a cargo do leitor especular sobre como as questões se conectam e articulam.
Diagnósticos, propostas e outras contribuições estão espalhados pelos textos, isoladamente. Um retorno aos problemas, à luz das reflexões expressas nos artigos, provavelmente na forma de uma conclusão ao conjunto, constituiria o livro como uma obra no sentido pleno do termo, para além de uma coletânea.
Economia brasileira na encruzilhada Luiz Fernando de Paula Appris Editora 379 págs., R$ 68,00
Leia a seguir