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‘Economia melhorou, mas pode ser mais um voo de galinha’, diz Mendonça de Barros
Os fundamentos da economia estão “surpreendentemente melhores” no Brasil de janeiro para cá, mas isso não oferece um horizonte de longo prazo. A afirmação é do economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre os anos de 1995 e 1998, o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
“Não sou conselheiro de aplicação, mas acho que o investidor teria que pensar com um olho no gato e outro no peixe”, afirma. Para ele, atualmente, no curto prazo, “tem uma coisa muito firme na direção positiva” da economia. “Mas à medida que vai andando o ano, eu acho que (o clima) muda.”
Em entrevista exclusiva à Inteligência Financeira, Mendonça de Barros falou também do texto do arcabouço fiscal, que ele reputa alguns problemas, e a recente polêmica envolvendo o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, sobre a sinalização ou não de um corte, em agosto, na taxa de juros Selic.
Na semana passada, o presidente do Banco Central causou um debate entre economistas, ao dizer que o comunicado do Copom e a ata da reunião foram claros ao sinalizar a queda da taxa Selic em agosto. Qual a sua opinião?
Eu não vi a sinalização de queda de Selic no comunicado. Talvez tenha sido uma exegese muito sofisticada e eu não tenha conseguido entender isso. Acho que o que teve foi um tropeço da comunicação. Sim, ele não mencionou no comunicado a hipótese de voltar a subir o juro. Mas essa ausência, por si só, não nos leva a dizer que em agosto poderia ter um corte. Eu acho que não estava lá (a sinalização do corte), assim como só apareceu depois, na ata, o fato sobre a divergência tão grande (entre os técnicos do BC), sobre apontar ou não um corte na próxima reunião, que ninguém imaginou. Não é a primeira vez que a ata tem um tom diferente do comunicado.
Essas ações do Copom e em especial as declarações do Roberto Campos Neto afetam a credibilidade do BC?
Uma arranhadinha, sim, sem dúvida. Esse é o risco da profissão. O (Jerome) Powell (presidente do Fed, banco central americano) teve mais de uma vez esse problema.
Estava se consolidando (no Brasil) um cenário francamente positivo para a sinalização de queda dos juros. O melhor exemplo disso foi o sinal dado pela agência de classificação de riscos Standard & Poors, dias antes.
Veja, é isso o que eu acho que foi muito chocante. Aquele grau de dureza do comunicado do BC, num cenário em que os próprios mercados começaram a aceitar que se estava caminhando para uma coisa mais positiva em termos de inflação, crescimento, perspectivas fiscais. E assim sucessivamente.
Após a ata e as declarações de Campos Neto, parece haver consenso que o corte na Selic virá em agosto. Alguma chance dessa redução não acontecer?
Eu acho que não. Não está no horizonte de ninguém alguma coisa potente o suficiente para dizer que o corte de juros vai ter de ficar um pouquinho mais para frente.
Nesse sentido, como viu a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) da semana passada, que manteve a taxa de inflação em 3% para os próximos dois anos e estendeu a meta para 2026?
Eu fiquei surpreso como, aparentemente, muitos analistas, muitas pessoas ficaram agradavelmente surpresas pela confirmação da meta de 3%. Sem querer ser engenheiro de obra feita, não é isso, já passei da idade dessas coisas, mas eu acho que essa decisão já estava dada.
E qual a origem dessa incerteza?
Olha, a origem (dessa incerteza) é o presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) ter tantas vezes falado da necessidade de uma meta de inflação maior. Mas isso foi ficando para trás. Na medida que o cenário para a economia foi sendo mais construtivo, mais positivo, acabou aumentando um pouco a autonomia da equipe econômica. E eles tinham se manifestado, dizendo que não havia interesse de discutir isso agora. Foi totalmente correta a decisão da manutenção da taxa de juros e a extensão para de 3% para 2026.
O CMN também mudou no regime de metas de inflação, que deixará de ser de ‘ano calendário’ para meta contínua a partir de 2025. Isso, na prática, muda alguma coisa para a economia?
Olha, essa mudança, em especial, agrada muito. Já existia há uns dois anos uma avaliação entre os economistas que realmente amarrar a meta de inflação com o ano civil é uma limitação esdrúxula, que praticamente ninguém mais faz no mundo. O próprio diretor do Banco Central, o Diogo (Guillen) escreveu um texto, acho que também há dois anos, em que discute isso. A inflação é um fluxo, é um contínuo, todo dia tem inflação.
Você vem dizendo que os fundamentos da economia estão surpreendentemente positivos. O que aconteceu que os números estão melhores do que o esperado?
Aconteceu que o Brasil não é para principiantes. Se nos transportarmos para 15 de janeiro, depois dos eventos do dia 8 de janeiro, depois do suporte que o Executivo recebeu naquele momento, (veremos que) a avaliação dos mercados era que teríamos um governo politicamente forte. Porém, a imensa maioria dos analistas esperava uma política econômica ruim, (fiscalmente) irresponsável e, portanto, com uma projeção econômica bastante ruim.
Passados seis meses e, agora, no começo de julho, a gente vê que o governo forte, na verdade é fraco à beça, não consegue ir adiante de 130, 140 votos no Congresso. E, de repente, acabamos tendo uma equipe econômica, especialmente pela presença da Simone Tebet como ministra do Planejamento. Eu acho que ela é uma pessoa que realmente acredita na ideia de que o bom comportamento fiscal se traduz em resultados econômicos positivos, com crescimento. O vice-presidente (Geraldo Alckmin), que também é ministro da indústria e Comércio, que faz a trinca, embora ele se coloque muito de público, mas nós sabemos que ele também vai por essa direção. E isso tudo deu uma força que ninguém imaginava para a posição do próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Mas como isso impacta na economia?
Na forma como as coisas foram acontecendo. E o primeiro embate disso foi a volta dos tributos na gasolina. A imensa maioria das pessoas achava que, porque o Partido dos Trabalhadores (PT) raiz não queria aumentar o preço dos combustíveis, começaria a desandar tudo. Não foi o que aconteceu. O fato é o seguinte: se criou ou se desenvolveu uma regra fiscal, com um nome esquisito, arcabouço fiscal. O fato que demorou muito para ser percebido pelo mercado financeiro foi que parte do PT, pela primeira vez na história, estava aceitando uma regra fiscal e não simplesmente pedindo liberdade total de gastos.
A segunda surpresa, nós vamos ver como vai terminar, mas acho que dá para dizer que, com o suporte dos líderes do Congresso, a reforma tributária começou a ser estudada para valer. Essas duas coisas, muito positivas do ponto de vista fiscal, que contrariam completamente a ideia de que ia ser um ‘liberou geral’, foi uma primeira construção positiva.
E a terceira coisa foi a supersafra neste ano. Com isso, o mercado inteiro refez suas estimativas de 1% de crescimento do PIB em 2023 para pelo menos 2%.
Muitos no mercado reclamam do arcabouço fiscal, que pode ser votado nesta semana pelo Congresso. Dizem que o texto acalma os críticos no curtíssimo prazo, mas contrata um problema fiscal para o ano que vem. Concorda com isso?
Sim, eu acho seguro dizer que o que está implícito no arcabouço fiscal é a necessidade de um aumento de arrecadação, e isso não vai acontecer. A gente não sabe exatamente o que vai acontecer com as contas do governo. Não tenho dúvida que o Ministério da Fazenda, especialmente, vai seguir correndo atrás. Mas eu não vejo como ele possa ter um ganho de receita muito superior a R$ 100 bilhões, que é mais ou menos o que está implícito para funcionar aquilo.
Com isso, acho que vai ter que ter um aperfeiçoamento desse texto. É inevitável. O governo vai ter que colocar na mesa alguma coisa a mais, não neste ano, mas no ano que vem. Nesse sentido, eu acho que quem faz posições no mercado financeiro, eu não sou conselheiro de aplicação, mas acho que o investidor teria que pensar com um olho no gato e outro no peixe. Hoje, no curto prazo, tem uma coisa muito firme na direção positiva (da economia). Mas à medida que vai andando o ano, eu acho que muda.
Ou seja, esse crescimento de 2023 pode ser mais um voo de galinha?
Pode. Não podemos ficar olhando só no curto prazo. Esse cenário que melhorou extraordinariamente é otimista, é positivo, mas ele nos dá um horizonte de até o ano que vem. Nós não tiramos, mesmo nesse melhor cenário, qualquer coisa que diga que há sustentabilidade do crescimento. Pode, sim, ser mais um voo de galinha.
O Brasil vai precisar resolver neste ano a reforma tributária, que pode ser votado agora. E precisa começar a discutir a questão da sustentabilidade. Como é que se vai enfrentar a questão ambiental? O que nós vamos fazer? Tentar fazer valer a Amazônia com a floresta em pé, com tudo que tem de ganho nisso, ou vai querer tardiamente tentar achar um outro pré-sal na costa do Amapá?
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