Emissão de títulos verdes aumenta 700% em dois anos

Apesar do crescimento, mercado de papéis ESG ainda é pequeno no Brasil

Investidores preocupados com o planeta vêm dando o tom da crescente emissão de títulos verdes no Brasil, apesar de o país caminhar atrás dos desenvolvidos. Puxados pela pressão internacional, os gestores de recursos disputam esses papéis e carregam compromissos socioambientais e climáticos para dentro de suas carteiras.

Os fundos ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês) representam 41,6% no total da indústria de fundos da Europa e 33% nos EUA, mas no Brasil não atingem 5%, segundo dados da Global Sustainable Investment Alliance (GSIA) e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Reprodução Valor Econômico

Apesar da baixa representatividade, esse volume vem crescendo de forma mais acelerada nos últimos três anos e, em 2021, bateu recorde de captação, saindo de R$ 9,7 bilhões, em 2019, para R$ 78,1 bilhões de janeiro a 4 de novembro deste ano, alta de 700%, levando a indústria dos ‘títulos verdes’ a um estoque de R$ 131,46 bilhões, conforme levantamento das emissões domésticas e internacionais feitas pela Sitawi Finanças do Bem. “Esta agenda está sendo endereçada talvez não na velocidade que gostaríamos, mas estamos tendo uma evolução. A própria Anbima está reclassificando esses fundos dentro dos temas ESG. Essa será uma evolução inclusive para visualizar os fundos e conseguir compará-los entre eles. É uma tendência global”, observa Tatiana Assali, líder da área de programas em finanças sustentáveis da Sitawi.

Hoje são US$ 35,3 trilhões administrados por fundos com estratégias sustentáveis no mundo que colocam o ESG como foco central, conforme o GSIA.

Para os especialistas, a tendência no Brasil é que hoje mais gestoras e fundos usem os critérios ESG no processo de decisão. Mesmo assim, para a Fama Investimentos, que possui o fundo ESG mais antigo do país, de 1993, ainda existe muito greenwashing no mercado, com empresas estabelecendo metas que dificilmente irão cumprir.

“Poucas empresas e investidores estão de fato engajados nesse tema no Brasil. Sou muito crítico também do mercado financeiro e do governo, que fazem pouco. Essa foi a minha fala na COP. É uma vergonha o que acontece aqui. Todo mundo fala em ESG e mudanças climáticas, mas poucos assumem compromissos”, afirma Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama, que participou do painel “The Investor Agenda” na COP26. Tanto que na iniciativa Net-Zero Asset Management (NZAM), que reuniu 220 assets signatárias, com US$ 57 trilhões sob gestão, apenas duas são brasileiras: a Fama e a JGP.

Para a XP, apesar de o Brasil ter demorado para entrar e se aprofundar nesse tema, há duas razões para que avance e dê certo. Primeiro, a pressão dos investidores que buscam ativos alinhados aos seus valores. Hoje existe fluxo de capital direcionado a empresas ESG. Depois, existem estudos que mostram a correlação de ESG e melhores retornos. “Nós fizemos um levantamento que compara índices ESG na Europa e nos EUA em diferentes intervalos de tempo e fica claro que os indicadores ESG tendem a performar melhor que os seus benchmarks”, observa Marcella Ungaretti, head de research ESG na XP.

Ela também fez o cálculo no Brasil ao comparar a performance do Ibovespa (principal índice da B3) com a do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). “Desde 2006, o Ibovespa teve performance de mais de 215% e o ISE atingiu 260% de valorização até 9 de novembro deste ano”, diz Marcella. A XP tem 44 fundos ESG distribuídos em sua plataforma, que somam R$ 3,1 bilhões e sua asset se tornou signatária do Principles for Responsible Investment (PRI) em dezembro do ano passado, que indica metodologia para critérios ESG na alocação de recursos.

Já a Quasar estabeleceu metas para até 2023 estar com todo o seu portfólio de fundos enquadrados com ativos ESG, o que significa hoje R$ 3,5 bilhões sob gestão. A gestora vê isso como um caminho inevitável para as empresas brasileiras que recebem capital estrangeiro ou que transacionam no mercado internacional, pois têm que seguir as regras globais.

“É nesse contexto que o ESG passou a ser exigido. Muito de fora para dentro. Estamos criando maturidade aos poucos. A Fama faz isso há bastante tempo, mas eles eram sozinhos. Hoje, o mercado de capitais brasileiro consegue enxergar os efeitos positivos do ESG”, afirma Bruno Bacchin, advogado e responsável por coordenar a estratégia ESG da Quasar.

Para avaliar as empresas, a gestora criou uma politica de análise que gera matrizes de risco para companhias aberta e fechadas e tem filtro negativo para determinados setores, como tabaco e termoelétrica a carvão. “Desde a criação da nova política, em julho de 2020, não entramos em nenhuma operação polêmica e estamos analisando as operações antigas caso a caso; 50% de nossa carteira já está adequada à nova política ESG”, diz Bacchin.

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