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O enigma da inflação
Eu me lembro de uma época não muito distante, em que todo dia o preço do meu hot dog e meu refrigerante subiam. Para os leitores mais jovens, é muito difícil compreender o drama de um país vivenciando um ambiente de inflação altíssima, ou melhor, hiperinflacionário. A sensação é a de que não há uma luz no fim do túnel.
A hiperinflação que assolou o Brasil no final dos anos 80, até o lançamento do Plano Real em 1994, é um fenômeno atípico. Felizmente, viramos essa página. No entanto, existe uma lógica da espiral inflacionária que ajuda a entender, mesmo que intuitivamente, os principais componentes desse fenômeno.
A dinâmica da inflação de demanda
No fim do dia, se existe demanda, o empresário está disposto a pagar mais pelos seus custos de produção (insumos e salários). Afinal de contas, ele consegue repassar esse custo no preço de venda de seus produtos e serviços. Os preços sobem, o trabalhador vê seu poder de compra sendo corroído e pressiona por aumentos salariais. Os salários são reajustados, e esse consumidor consegue seguir consumindo, impulsionando a espiral inflacionária.
Resumidamente, mais dinheiro na mão da população, seja por aumentos de salários ou por transferências de renda, são o combustível para inflação de demanda.
O que se infere dessa narrativa é que o mercado de trabalho é o principal termômetro para a sustentabilidade da demanda agregada. Quanto mais apertado o mercado de trabalho, maior a pressão sobre preços, tudo mais constante.
Entendendo esse ciclo global da inflação
Como sabemos, o mundo passou por um grande choque inflacionário entre 2021 e 2022. O impulso inicial da inflação global se deu com choques de oferta: primeiro com o lockdown da pandemia, depois com a guerra na Ucrânia.
Na época, a atuação dos governos foi essencial. Rapidamente derrubaram as taxas de juros e inovaram ao distribuir cheques para a população. Um programa de transferência de renda nunca visto anteriormente.
Mas com a volta à normalidade após o fim do lockdown e com o reequilíbrio das cadeias de suprimentos, o processo desinflacionário seria natural. E com esse excesso de liquidez, quando a economia reabriu, a demanda explodiu. Só que dessa vez os governos não foram rápidos em perceber essa mudança.
O ponto é que esse ciclo inflacionário nasceu como um choque de oferta e se transformou em um choque de demanda.
Não há como negar que vimos grandes avanços, com um processo desinflacionário trazendo o CPI (o IPCA dos EUA) das máximas, em meados de 2022, da casa de 9% a.a. para perto de 3% a.a. nos níveis atuais. Mas isso reflete, em grande parte, a normalização dos choques de oferta.
Esse vento favorável já passou, e não devemos contar com ele daqui para frente. Já o choque de demanda se mostra persistente, e a economia não dá sinais de sentir o aperto monetário.
Por que os banqueiros centrais seguem cautelosos?
A pergunta que queremos responder é se os bancos centrais de mercados desenvolvidos estariam, finalmente, em condições de cortar as taxas de juros. O Banco Central Europeu já fez o primeiro corte. Embora tenha sinalizado que deve fazer uma pausa. Enquanto nos EUA o Fed segue em compasso de espera.
Afinal, a inflação está controlada ou não? De acordo com os dados mais recentes da economia americana, há motivos para acreditar que sim. Os números de maio foram mais animadores nesse sentido.
Mas conforme discutimos no início desta coluna, um mercado de trabalho apertado combinado com excesso de liquidez no sistema é o combustível da inflação de demanda. E sob essa ótica, a situação está longe de estar resolvida.
Não é por acaso que os banqueiros centrais de todo o planeta seguem vigilantes em relação à inflação global.
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