O que explica a desaceleração do PIB no terceiro trimestre de 2022?
Economia brasileira cresceu 0,4% no período, enquanto mercado esperava uma alta de 0,7%
A desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre de 2022 foi influenciada pela perda de força dos estímulos fiscais lançados pelo governo federal e pelos efeitos da política monetária mais apertada, que devem pesar ainda mais no quarto trimestre, afirma Carlos Pedroso, economista-chefe do banco MUFG Brasil.
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A perspectiva do MUFG Brasil para o quarto trimestre, afirma Pedroso, é de contração de 0,3%.
“Isso [deve ocorrer] muito em função da redução dos estímulos fiscais. Todos esses ganhos fiscais ao longo do ano vão perdendo forca ao longo do tempo, a predominância de política monetária no Brasil também pesa”, diz. “E há também o cenário externo mais desafiador, com medo de recessão no mundo, por conta tanto pelo aumento dos juros em países ricos quanto pela política de covid zero na China, que afeta a atividade na China e as exportações de commodities brasileiras.”
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Pedroso acrescenta que a revisão da série histórica do PIB pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira fez com que o banco revisasse projeções para 2022. Para 2023 a revisão ocorreu por conta da base de comparação maior de 2022.
Antes da revisão feita pelo IBGE, o MUFG Brasil esperava crescimento de 2,7% do PIB em 2022. Agora prevê 3%. Para o ano que vem, a projeção passou de 0,9% para 0,8%.
“O cenário para 2023 será mais difícil em termos de política monetária. Lá fora, a desaceleração global impactará o setor externo e, com isso, estamos trabalhando 0,8% com viés de baixa por conta do risco fiscal”, diz. “Dependendo do que acontecer em termos de PEC da Transição e outras questões que o governo eleito anunciará nas próximas semanas para a economia, podemos revisar para baixo esse PIB.”
Destaque para serviços
Apesar do aperto significativo das condições financeiras e da volta da aceleração da inflação, a economia teve um desempenho surpreendentemente bom de janeiro a setembro, afirma Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do banco Goldman Sachs.
“A atividade de serviços foi particularmente robusta principalmente entre os segmentos mais afetados pela pandemia. A resiliência do crescimento do terceiro trimestre deveu-se em grande parte ao estímulo da política fiscal, um mercado de trabalho mais forte do que o esperado, preços de commodities firmes, fluxos de crédito resilientes, redução da poupança acumulada do setor privado e a crise de curta duração da variante ômicron”, afirmou, em relatório enviado a clientes.
Nos próximo meses, a expectativa de Ramos é que alguns setores de serviços ainda afetados pela covid, em particular os prestados às famílias, se recuperem ainda mais.
“Apoiados por estímulos fiscais significativos renovados, como cortes de impostos e transferências de renda adicionais para famílias de baixa renda que aumentam a propensão a consumir, mercado de trabalho firme e inflação em retração”, afirmou.
Ramos acrescentou que a sólida expansão dos setores de serviços intensivos em mão de obra contribuiu para um aumento do emprego mais rápido do que o esperado e para o aperto do mercado de trabalho.
Mas alertou que a perda de força da reabertura econômica, condições monetárias e financeiras domésticas apertadas, altos níveis de endividamento das famílias e a incipiente reviravolta no ciclo de crédito devem gerar ventos contrários à atividade de serviços no fim de 2022 e no primeiro semestre de 2023.
“Com as revisões de impressão e dados do terceiro trimestre, a herança estatística para o crescimento real do PIB em 2022 melhorou para 3,16 pontos percentuais. Ou seja, se a economia permanecesse estável no nível do terceiro trimestre durante o quarto trimestre, o PIB cresceria aumentaria 3,16% em 2022”, concluiu.
Preocupação fiscal
Apesar de a alta de 0,4% do PIB no terceiro trimestre de 2022, em relação ao segundo, ter vindo um pouco abaixo da expectativa mediana do mercado e indicar uma desaceleração ante os trimestres anteriores, o resultado não muda o diagnóstico de que a economia brasileira vive um bom momento e de que, nesse contexto, políticas fiscais não devem ser procíclicas. Essa é a avaliação de Carlos Kawall, sócio e fundador da Oriz Partners.
“Veio um pouco abaixo, mas acho que o número continuou sendo bom, já dentro, claro, de uma lógica de desaceleração do crescimento”, diz Kawall.
Sob a ótica da oferta, ele destaca a resiliência do setor de serviços, apesar da virtual estagnação do comércio. Do lado da demanda, Kawall ressalta o crescimento do consumo das famílias, ainda que menos intenso do que no trimestre anterior, e o comportamento positivo da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), medida para os investimentos no PIB.
Para o quarto trimestre, a perspectiva é de um arrefecimento maior da atividade, e a aposta é de um PIB mais próximo de zero, segundo Kawall. “Imaginamos que essa parte de consumo de bens, a construção, que são setores muito sensíveis à alta de juros, vão perder dinamismo. A indústria da construção já aparece, na margem, desacelerando, e o comércio estagnou.”
Kawall observa que o PIB brasileiro já está 0,6 ponto percentual acima do que seria a tendência estimada a partir do que prevalecia antes da pandemia, enquanto a Europa ainda está 3,2 pontos abaixo, e os EUA, 2,6 pontos aquém.
Essa avaliação já inclui a revisão divulgada hoje pelo IBGE para o PIB de 2021 (de 4,6% para 5%), além do ajuste que já havia sido anunciado para 2020 (de -3,9% para -3,3%). Isso, segundo Kawall, joga o nível do PIB, hoje, para cima, porque o ponto de partida dos anos anteriores cresceu, e também gera uma “herança estatística” maior para 2022.
Mesmo que a economia “ande de lado” no quarto trimestre, a expectativa, agora, é que o PIB possa fechar 2022 ligeiramente acima de 3% – a Oriz projeta 3,1%, vindo de 2,8% antes das divulgações de hoje pelo IBGE.
Para 2023, esse número poderia ser mais perto de 1%, diz Kawall, mas, com uma perspectiva pior para o cenário fiscal, o que poderia levar o Banco Central a não promover cortes de juros já no ano que vem, o viés é de um PIB mais ao redor de 0,5%, aponta.
“Dado que a economia, do ponto de vista cíclico, está muito bem, com queda da ociosidade e do desemprego, a política fiscal teria motivos para, exatamente, reduzir despesas”, diz. Assim, para ele, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição como foi apresentada – com gastos extrateto que podem se aproximar de R$ 200 bilhões – é “extemporânea”.
“Sabemos que temos problemas na área social, que políticas públicas que mitiguem a pobreza e auxiliem as camadas mais desfavorecidas são necessárias no Brasil. Acho que ter um gasto extrateto no ano que vem focado no Auxílio Brasil/Bolsa Família, dar aumento real de salário mínimo, aquilo que vinha sendo esperado e discutido antes da eleição e aguardado pelos mercados, não é o problema”, afirma Kawall. “Mas o que acabou sendo a proposta após a eleição, se aprovada, pode gerar um desequilíbrio do ponto de vista macroeconômico, porque você vai fazer uma expansão fiscal muito maior.”
Consumo deve cair
O setor de serviços puxou o crescimento do PIB no terceiro trimestre, mas a perspectiva adiante é de perda de fôlego, afirma Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria.
O setor de serviços cresceu 1,1% no terceiro trimestre, na comparação com o segundo trimestre. Serviços representam cerca de 70% do PIB. Tiveram melhor desempenho informação e comunicação (3,6%), atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (1,5%) e atividades imobiliárias (1,4%). O segmento outras atividades de serviços, que inclui alojamento e alimentação, cresceu 1,4%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ele observa que o subsetor “outros serviços”, saúde e educação pública, que somam 50% dos serviços, tiveram comportamento dentro do esperado, beneficiados pela “recuperação tardia com normalização quadro sanitário”.
Ele alerta, contudo, que um dos fatores que permitiram isso é o mercado de trabalho, que está começando a desacelerar. “Os benefícios desse agrupamento de serviços como restaurantes, hotéis está acabando. O mercado de trabalho ajudou, mas já dá sinais de desaquecimento”, afirma.
Xavier afirma que a tendência é o consumo ir perdendo força porque os serviços presenciais vão crescer menos, os benefícios da reabertura pós-pandemia estão acabando, e a demanda por bens de consumo já estão mais fracas.
“Além disso, fatores de sazonalidade positiva como liberação do 13o, aposentadoria, pensões e do FGTS já ocorreram, e o endividamento das famílias e o encarecimento do crédito para compras parcelas sugerem que o consumo perderá força”, diz.
Ele argumenta, contudo, que famílias de maior renda com mais poupança podem evitar queda maior de serviços, assim como os R$ 150 extras do Auxílio Brasil por criança, propostos pelo governo eleito. “Se uns estímulos não estão mais presentes, outros ainda ficam”, diz.
Na leitura do PIB como um todo, Xavier afirma que surpreendeu o dado de formação bruta de capital fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas e equipamentos, na construção civil e em pesquisa). A FBCF cresceu 2,8% na comparação trimestre contra trimestre e 5%, em relação ao terceiro trimestre do ano passado. A Tendências esperava variação trimestral de 1,5% para FBCF e de 3,7% na comparação com o mesmo trimestre de 2021.
As revisões da série feitas pelo IBGE nesta quinta-feira levaram a Tendências a revisar o PIB de 2022 de 2,8% para 3%.
Olho no endividamento das famílias
O setor de serviços liderou o crescimento do PIB do terceiro trimestre, avançando 1,1% na comparação com o segundo trimestre. Mas a perspectiva de menor renda das famílias e maior endividamento ameaçam a manutenção desse cenário, afirma Rodolfo Margato, economista da XP.
“O resultado para serviços veio ligeiramente acima do esperado, de 0,9%. O setor vem mostrando resultado bastante sólido, sendo protagonista do crescimento no período recente”, afirma Margato, ao lembrar que seis dos sete subsetores de serviços tiveram alta no terceiro trimestre, e apenas comércio apresentou leve contração de 0,1%.
Ele lembra que serviços apresentou expansão de cerca de 1% nos últimos cinco trimestres, uma taxa que anualizada indica crescimento de cerca de 4%.
“Isso reflete benefícios da reabertura econômica, desempenho de comunicação, informação, transporte, armazenagem, e outros serviços que incluem os prestados às famílias, como alimentação fora do domicílio. Sabemos que são sensíveis à reabertura e à disponibilidade de renda das famílias. E isso melhorou desde o ano passado”, diz.
A expectativa é de manutenção desse cenário, mas com perda de força. “Esperamos um arrefecimento para o setor de serviços. Estimamos alta de 0,3% para o PIB de serviços no quarto trimestre em relação ao terceiro”, afirma. “Para o PIB total, a projeção preliminar é de 0,1% em relação ao terceiro trimestre.”
O economista afirma que um das razões por trás disso é a perda de força da reabertura da economia e também do mercado de trabalho.
“Em um primeiro momento [da reabertura], há um rebote natural. Além disso, o que tem impactado o comércio varejista e tende a influenciar o segmento de serviços é o desempenho do mercado de trabalho. Dados do Caged e da Pnad mostram avanços adicionais, mas a um ritmo menor”, argumenta. “O emprego ainda cresce e o salário médio também, mas deve haver ritmo mais suave de elevação nos próximos trimestres. Um crescimento de renda das famílias mais morno deve levar a um desempenho mais fraco do comércio de bens e serviços.”
Soma-se a isso a disponibilidade da renda das famílias menor frente ao maior endividamento. “Dados do Banco Central, do Serasa e da CNC mostram endividamento em patamar alto. Ou seja, uma parcela maior da renda precisa ser direcionada para pagamento do serviço da dívida – principal e juros”, afirma. “Como estamos em um cenário de juros mais elevados, uma parcela menor acaba direcionada para consumo de bens e serviços. E isso é cada vez mais visível.”
O maior endividamento das famílias também pesará contra a atividade econômica em 2023, assim como a política monetária apertada e o cenário global desafiador, prevê.
A XP espera crescimento de 0,1% do PIB no quarto trimestre, em relação ao terceiro e de 2,8% em 2022, podendo chegar a 3%, diz o economista.
“Mas sabemos que há ventos contrários. O primeiro é o aperto da politica monetária. O nosso cenário atual contempla um primeiro corte de juros em em junho 2023, com potencial de chegar a 10% no fim de 2023. Mas diante de todas incertezas fiscais, pressão por mais despesas, cresceu a probabilidade de um cenário alternativo de o Banco Central não ter espaço para cortar juros na metade de 2023”, diz.
“Então o principal vetor para explicar o PIB de 2023 crescendo menos do que o de 2022 é o impacto da política monetária contracionista. Além disso, temos uma economia global mais fraca, com muitos países subindo juros para combater inflação”, diz. “Um terceiro seria o balanço financeiro aperado das famílias. Esses elementos principais explicam o cenário prospectivo de um PIB crescendo 1% depois de uma expansão surpreende de 3% em 2022.”