Entenda os impactos e os entraves da MP que limita a desoneração da folha

Texto reonera gradualmente a folha de pagamentos de 17 setores econômicos e altera os benefícios do Perse

Plenário do Senado durante sessão deliberativa. Foto: Jonas Pereira/Agência Senado
Plenário do Senado durante sessão deliberativa. Foto: Jonas Pereira/Agência Senado

Os últimos dias de 2023 foram marcados por uma disputa entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Congresso acerca da possibilidade de reintroduzir os impostos sobre a folha de pagamentos das empresas – e que poderá refletir na relação entre os poderes no ano que se inicia.

No início de dezembro, o Congresso rejeitou o veto do presidente Lula ao projeto de lei que prorrogava a desoneração da folha de pagamento para 17 setores distintos da economia, como os de confecção, transporte de cargas, comunicação e construção civil.

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O benefício acabaria em 31 de dezembro de 2023 e seria prorrogado até 31 de dezembro de 2027, como previa o Projeto de Lei 334/23. A renúncia com a desoneração no setor privado é estimada pelo Ministério da Fazenda em cerca de R$ 9,4 bilhões e, por isso, o governo decidiu vetá-lo, o que não foi aceito por deputados e senadores.

Em 29 de dezembro do ano passado, no entanto, o governo federal publicou a Medida Provisória 1.202/23, com o objetivo de angariar uma arrecadação maior para a União. A proposta limita a compensação de valores reconhecidos em decisões judiciais, reonera gradualmente a folha de pagamentos dos 17 setores e altera os benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), a partir de 1º de abril.

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Limitação de benefícios

Por meio dessa desoneração, as empresas poderiam substituir a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamentos por alíquota que varia de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.

Agora, a MP 1.202/23 propõe um novo modelo de desoneração sobre a folha de pagamentos a partir de 1º de abril de 2024.

O texto divide em dois grupos as atividades com direito ao benefício. O primeiro inclui 17 atividades, entre elas a de transporte e atividades de rádio e televisão aberta. O segundo abrange 25 atividades, por exemplo, a fabricação de artefatos de couro, construção de rodovias e ferrovias e edição de livros, jornais e revistas.

No primeiro, em vez de pagar a alíquota cheia de 20% de contribuição previdenciária, as empresas começam pagando uma alíquota de 10% em 2024 e que vai até 17,5% em 2027 para, então, voltar ao patamar de 20% em 2028.

No segundo grupo, a alíquota começa em 15% em 2024 e chega até 18,75% em 2027, também retornando ao patamar de 20% em 2028.

Além disso, o texto define que essas alíquotas reduzidas serão aplicadas somente sobre o salário de contribuição do segurado até o valor de um salário mínimo. Dessa forma, no que passar de um salário mínimo, vale a alíquota cheia de 20% de contribuição previdenciária.

Limitação a créditos judiciais e revogação do Perse

A medida cria ainda um teto para que as empresas que ganharam ações contra o Fisco possam descontar de seus impostos.

Essa limitação não afeta compensações de créditos inferiores a R$ 10 milhões, mas a partir desse valor há um piso mensal para a compensação de 1/60 avos, ou seja, de 20% ao ano.

O limite anual ainda será regulamentado pela Receita Federal. De acordo com a MP, o limite será graduado em função do valor total do crédito. Ou seja, quanto maior o crédito, maior o limite.

Além disso, também revoga o Perse, que concedia benefício fiscal ao setor de eventos, zerando as alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins.

Com a revogação, as alíquotas desses tributos voltam a ser aplicadas normalmente. Para as contribuições a partir de abril deste ano e para o IRPJ a partir de janeiro de 2025.

“Essas alterações têm impacto significativo nas obrigações fiscais e previdenciárias das empresas, especialmente aquelas que estavam se beneficiando da desoneração da folha de pagamento e do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos. Entendo, porém, ser questionável essas reduções e exclusões de incentivos veiculados por MP”, diz Andréa Mascitto, professora da pós-graduação da FGV Direito SP (GVLaw) e sócia do Pinheiro Neto Advogados.

Não à toa, a medida impopular de acabar com benefícios fiscais criou rusgas com os congressistas. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou que irá analisar de forma apurada o teor da MP.

“Para além da estranheza sobre a desconstituição da decisão recente do Congresso Nacional sobre o tema, há a necessidade da análise técnica sobre os aspectos de constitucionalidade da MP”, afirmou Pacheco, em nota, na qual fala sobre a possibilidade de devolver a MP, ou seja, sequer analisar o mérito dela.

Deputados e senadores avaliam que, se a MP não for devolvida, há uma chance alta de o Congresso rejeitar o texto que retoma a tributação gradual da folha de pagamento das empresas.

Risco político e insegurança jurídica

De acordo com especialistas consultados pela reportagem, a MP apresentada pelo governo pode causar insegurança jurídica nos setores econômicos anteriormente beneficiados, dado que as empresas que deverão voltar a recolher os tributos poderão acionar a Justiça para manter os benefícios que foram aprovados pelo Congresso.

“A insegurança jurídica nesse assunto vem sendo sentida pelas empresas há alguns meses, ainda mais considerando que, após longa discussão, o veto do presidente Lula foi derrubado com a prorrogação do prazo da desoneração por meio de lei publicada em 27 de dezembro, e, que, um dia depois, foi promulgada a MP que a revogou”, diz Maira Madeira, advogada especializada em direito tributário e em gestão tributária.

Para o advogado tributarista Renato Veiga, do escritório Danilov e Veiga Advogados Associados, não está claro o que as empresas poderão fazer caso a MP perca a validade.

“Embora o início da vigência dos efeitos da MP seja no dia 1º de abril de 2024, as empresas devem optar, logo no início do ano se irão recolher as contribuições previdenciárias sobre o modelo convencional, com a desoneração em folha, ou sobre as novas condições impostas pelo governo via MP”, afirma Veiga.

“Se a MP caducar, não está claro se haverá possibilidade de nova adesão à regra da desoneração, com base na lei que foi revogada. Se houver essa possibilidade, também não há definição sobre como isso se dará, se por meio de nova MP, por exemplo. Isso traz insegurança jurídica para as empresas.”

Outro ponto de dúvidas acerca da possibilidade de uma judicialização em massa por parte das empresas é sobre a compensação de créditos tributários.

Segundo Adriano Moura, sócio da área de tributário do Mattos Filho, no passado, em situação semelhante em que a legislação passou a vedar a compensação de créditos tributários antes do trânsito em julgado das ações judiciais, o STJ entendeu que a proibição só atingiria ações ajuizadas após a entrada em vigor da restrição.

“Portanto, na prática, se o STJ mantiver seu entendimento, a aplicação imediata da restrição veiculada pela MP 1.202/2023 seria ilegal”, disse.

“Além disso, o STJ possui entendimento pacífico no sentido de que para fins de compensação tributária a regra é a aplicação da lei que disciplina a compensação no momento do ajuizamento da ação, sendo direito do contribuinte, mas não obrigação, a aplicação da regra vigente quando do encontro de contas, como no Tema 265 dos Recursos Repetitivos”, concluiu.

Vinícius Pereira, repórter freelancer do JOTA

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