- Home
- Mercado financeiro
- Economia
- Entenda como alterar o regime de metas da inflação pode impactar a renda fixa e variável
Entenda como alterar o regime de metas da inflação pode impactar a renda fixa e variável
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já expressou seu descontentamento com o atual regime de metas de inflação usado pelo Banco Central. O titular da pasta defende a migração da meta calendário, usada pelo BC para definir o IPCA dos próximos três anos, para uma meta contínua de 18 meses. A mudança poderia ter impacto no aperto monetário dos juros, diminuindo, por exemplo, o prêmio pago por títulos da renda fixa, favorecendo uma migração para a renda variável.
A alteração de regime de metas defendida por Haddad pode garantir mais estabilidade para a economia brasileira desde que ela ocorra de forma transparente e bem feita. Esta é a avaliação de economistas ouvidos pela Inteligência Financeira.
Mas o que é a meta de inflação e por que ela existe?
O Brasil é um país que teve dificuldades para controlar a inflação. Por isso, a partir de 1999, o presidente Fernando Henrique Cardoso criou um regime de metas seguindo um calendário para os três anos seguintes.
Isso significa que, quando define as metas de inflação de 2022, o BC adianta expectativas do IPCA até 2025. Essa prática, diz a instituição, serve para estabilizar a economia brasileira, além de definir a políticas monetária da autoridade para controlar a alta de demanda perante a oferta.
Quem define qual será a meta de inflação a ser perseguida pelo BC é o Conselho Monetário Nacional (CMN). O mercado está de olho na próxima reunião do órgão, composto por Haddad, da Fazenda, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e Roberto Campos Neto, presidente do BC. O receio da Faria Lima é de que o governo tente mudar a meta da inflação, o que levaria a uma piora nas expectativas do IPCA.
O que significa mudar o regime de metas da inflação?
Mesmo com o regime de inflação atual, o BC descumpre o objetivo de manter o IPCA dentro da meta de 3,25% para 2023, dentro de uma banda de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
Quando a meta não é atingida dentro deste limite, o presidente do Banco Central precisa enviar uma carta aberta ao ministro da Fazenda. Tanto em 2022 quanto em 2021, Campos Neto enviou o documento com explicações sobre o fracasso ao atingir a meta de inflação, sugerindo medidas para trazê-la para dentro desta banda.
Na análise de economistas entrevistados pela Inteligência Financeira, uma mudança no regime de metas pode ajudar o BC a cumprir seu objetivo principal. A ideia de Haddad, contudo, deve vir embasada por estudos que comprovem que o país poderia se beneficiar de uma meta contínua.
Para mudar o regime de metas, o BC abandonaria as bandas de inflação, diz Matheus Pizzani, economista da CM Capital.
No regime contínuo, defendido por Haddad e usado por países desenvolvidos – como os Estados Unidos e economias da União Europeia – a meta de inflação vale para um período de 18 meses. Nesses locais, sequer há uma banda para a meta devido à baixa inflação.
Mas, para a alterar o regime de metas de inflação, a Fazenda deve traçar objetivos que refletem a realidade brasileira, e não a de economias com “históricos de inflação anual de 2% ou 3%” afirma Pizzani.
Novo regime pode desestabilizar o mercado financeiro?
A depender de como a mudança desejada por Haddad for realizada, o mercado pode questionar se o novo modelo ameaça a independência do BC. A autonomia do órgão é cara à Faria Lima, enquanto o atual governo é conhecido por fazer investidas contra a instituição. O importante para o mercado é que o BC se mantenha independente e com um regime de metas de inflação para 2024, 2025 e 2026 transparente, afirma Leonardo Costa, economista da ASA Investments.
O atual objetivo do BC é manter a inflação na média de 3% para 2024 e 2025. “Qualquer resultado diferente disto pode piorar as expectativas futuras do Focus”, afirma Costa.
“O importante é ter um regime de metas que seja crível e que o Banco Central seja independente para adotar a política monetária que seja eficaz para seu cumprimento.”
Leonardo Costa, da ASA Investments
Por outro lado, o mercado pode receber positivamente uma mudança bem elaborada pelo governo na estrutura de metas. Afinal, alguns agentes econômicos vêm pressionando o BC para baixar os juros, avalia Piter Carvalho, economista e head de mesa da Valor Investimentos.
“Vemos grandes empresas entrando em recuperação judicial, sofrendo para se refinanciarem. Ao mesmo tempo, concessões de crédito se tornaram mais escassas para a pessoa jurídica”, diz Carvalho. “O novo modelo daria mais previsibilidade para a economia, e não mais incerteza sobre a meta”, completa.
Ele afirma que, sobretudo, o novo modelo combina mais ainda com um BC independente.
Mudança no regime de inflação pode afetar renda fixa; entenda
A mudança pode diminuir a volatilidade na taxa de juros, afirmam economistas à IF. Isso porque uma meta de longo prazo, como propõe Haddad, poderia diminuir os ciclos de juros altos, com ‘guinadas’ menos bruscas na Selic.
“Uma mudança do regime de metas com certeza vai afetar a renda fixa”, afirma Carvalho, da Valor. “Hoje temos juros altos, inflação alta, e estamos de olho no que poderia ser um ponto de inflexão na curva de juros futura com a possibilidade de que o BC corte a Selic”, diz ele ao afirmar que os títulos do Tesouro e atrelados ao CDI já refletem essa esperança de corte.
Os prêmios da renda fixa seriam menores, porque o BC teria mais tempo para suavizar uma possível alta ou baixa da Selic na meta defendida por Haddad.
A janela da autoridade para tentar controlar a inflação poderia aumentar em um semestre, o que traz mais estabilidade econômica. “Fazendo uma analogia: ao invés de dar freadas bruscas na estrada, seria como ter uma constância maior. A velocidade na condução da política monetária seria mais controlada e e fluida”, ressalta Carvalho.
Em retrospectiva, afirma Pizzani, da CM Capital, o BC “não conseguiu entregar inflação na meta ou dentro das bandas” nos últimos dois anos. Provavelmente, esse cenário deve se repetir neste ano, já que a expectativa do mercado é de um IPCA de 5,71% até dezembro de 2023.
“O BC não está conseguindo cumprir a meta. Com isso, choques de juros acabam ganhando mais força dentro da economia, porque serão mais intensos para entregar a inflação dentro do regime de metas.”
Matheus Pizzani, da CM Capital
Aliados ligados ao núcleo duro do PT queriam a revisão da meta anual estabelecida pelo CMN no início do ano. Haddad, no entanto, não tem feito sinalizações de que aprova uma alteração.
Leia a seguir