O que preocupa o mercado, segundo o presidente do Morgan Stanley no Brasil

Para presidente do Morgan Stanley no Brasil, questão fiscal foi pouco discutida em eleição polarizada

Zema, do Morgan Stanley: Governo Bolsonaro perdeu a narrativa nas questões ambientais, educação e na saúde — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Zema, do Morgan Stanley: Governo Bolsonaro perdeu a narrativa nas questões ambientais, educação e na saúde — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

As incertezas sobre como será a ancoragem fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continuam como forte ponto de tensão entre agentes financeiros. “O que preocupa o mercado é a sustentabilidade da dívida pública. Não há incompatibilidade entre responsabilidade fiscal e cuidar de demandas sociais legítimas, mas o governo e o Legislativo vão precisar fazer escolhas”, diz o presidente do banco Morgan Stanley no Brasil, Alessandro Zema.

Para o executivo, a questão fiscal tem sido pouco discutida até o momento. “Tivemos uma campanha eleitoral muito polarizada, em que pouco se falou sobre propostas. Já completamos um mês da eleição e, até agora, não sabemos qual a âncora fiscal e nem quem será a equipe econômica [do futuro governo].”

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O mercado financeiro, segundo o executivo, tem cobrado prêmio de risco por conta dessas indefinições. “O Brasil foi na contramão do que está acontecendo em termos de expectativas no mundo nas últimas três semanas. Com a queda nos preços de commodities e os consequentes efeitos benéficos que isso gera para controlar a inflação, já se começa a a especular dos bancos centrais ao redor do mundo se eles passarão a reduzir juros mais rápido do que se antecipava inicialmente”, afirma. “Enquanto, no Brasil, o mercado precifica um prêmio de risco na taxa de juros que implica aumentar a Selic ainda mais e só começaria a inverter a curva [os diversos vencimentos dos contratos de juros futuros] depois do Fed [Federal Reserve, o banco central americano]. Isso era impensável três semanas atrás.”

Zema vê como pontos positivos do governo eleito a mudança de narrativa na questão ambiental e o retorno do multilateralismo nas relações diplomáticas. “O novo governo também sinaliza um distensionamento na relação entre poderes e dá indicações de que a reforma tributária será uma prioridade”, diz o executivo, que também é corresponsável pela área de banco de investimento do Morgan Stanley na América Latina.

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O executivo prefere não se posicionar sobre nomes que deverão compor a equipe econômica de Lula. Mas é afiado quando o assunto é futebol. Mineiro de Araxá e torcedor do Atlético, Zema diz que a seleção escalada por Tite tem tudo para conquistar o hexa. Para o próximo jogo do Brasil, que será realizado hoje, também dá os seus palpites: “Repetiria a mesma escalação do jogo contra a Sérvia, mas não a do jogo contra a Suíça. Rodrygo deveria ter substituído o Neymar desde o início”. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor.

Como o mercado financeiro avalia a PEC da Transição protocolada na segunda-feira, dia 28?

Antes de mais nada, é importante dizer que há um consenso grande na sociedade de que o auxílio de R$ 600 é necessário. O presidente Jair Bolsonaro [PL], se tivesse sido reeleito, também teria de passar por um processo parecido. Dito isso, o que preocupa o mercado é a sustentabilidade da dívida pública. Não há incompatibilidade entre responsabilidade fiscal e cuidar de demandas sociais legítimas, mas o governo e o Legislativo vão precisar fazer escolhas. Até agora não foi discutida qual será a âncora fiscal proposta pelo novo governo para permitir visibilidade em relação à trajetória da dívida pública. Como todo assalariado sabe, o dinheiro não é infinito e é preciso fazer escolhas definindo prioridades, porque aumentar gastos, sem contrapartida, irá gerar mais inflação e juros mais altos por mais tempo. Com relação à PEC protocolada na segunda-feira [28 de novembro], o foco [do mercado financeiro] será entender, pós-negociação com o Congresso, qual será o prazo – se quatro anos ou menoos – e o valor final [de R$ 198 bilhões ou menos] que serão aprovados, assim como qual será o arcabouço fiscal proposto pelo novo governo.

Por que há tanta ansiedade do mercado em relação à questão fiscal?

Porque, essencialmente, muito pouco foi dito até agora sobre o tema. Tivemos uma campanha eleitoral muito polarizada, em que pouco se falou sobre propostas. Um mês após os resultados das eleições, ainda não sabemos qual a âncora fiscal nem quem é a equipe econômica. Nesse ínterim, tivemos declarações contraditórias do presidente eleito e do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin [PSB], sobre política fiscal. Lula parece indicar uma política fiscal mais parecida com a da chamada nova matriz econômica, enquanto Alckmin faz o discurso mais ortodoxo de responsabilidade fiscal, em linha com a bem sucedida experiência do próprio presidente Lula em seu primeiro mandato.

No primeiro mandato, Lula aperfeiçoou o arcabouço fiscal. Agora, esperamos que siga pelo mesmo caminho.”

É por essa razão que o mercado tem precificado prêmio de risco na taxa de juros?

Por conta dessa incerteza, o Brasil foi na contramão do que está acontecendo em termos de expectativas no mundo nas últimas três semanas. Com a queda nos preços de commodities e os consequentes efeitos benéficos que isso gera para controlar a inflação, já se começa a especular dos bancos centrais ao redor do mundo se eles começarão a reduzir juros mais rápido do que se antecipava inicialmente. Enquanto no Brasil, por conta das declarações recentes, o mercado precifica um prêmio de risco na taxa de juros que implica aumentar a Selic ainda mais e só começaria a reduzir a curva depois do Fed. Esse cenário era impensável três semanas atrás. Com a nomeação de uma equipe econômica respeitada e clareza maior em relação à âncora fiscal, é possível reverter essas expectativas.

O mercado teria a mesma preocupação se Bolsonaro tivesse sido reeleito?

A preocupação com a trajetória da dívida pública continua a mesma, independentemente de governo A ou B, porque um país que tem uma relação dívida/PIB próxima a 80% não pode se dar ao luxo de ter novos experimentos e repetir fórmulas mágicas que nunca deram resultado em lugar nenhum. O exemplo mais recente é o da Inglaterra. No caso do governo Bolsonaro, a diretriz da equipe econômica era conhecida e o Tesouro chegou a propor uma nova âncora fiscal. O presidente Lula, quando assumiu no primeiro mandato, deu continuidade a políticas macroeconômicas anteriores e aperfeiçoou o arcabouço fiscal, que resultou em uma redução da relação dívida/PIB que gerou enormes benefícios para o país. Esperamos que ele siga pelo mesmo caminho.

Queria voltar ao seu comentário sobre as declarações contraditórias sobre responsabilidade fiscal. O senhor avalia que as gestões de governos do PT tiveram políticas econômicas tão distintas?

Sim, a ortodoxia econômica que prevaleceu no governo do presidente Lula foi completamente distinta da heterodoxia praticada pelo governo da presidente Dilma Rousseff. Pensar em retomar essa fórmula do governo Dilma gera muita apreensão, porque todos nós sabemos como começa: aumento de gastos, renúncia fiscal, muito subsídio, e também como termina: mais inflação, maior desemprego, taxas de juros mais altas e aumento da pobreza.

Qual a expectativa para a nova gestão de Lula?

Acredito que o presidente Lula seguirá pelo caminho da prudência e bom senso, estimulando o setor privado a investir e gerar empregos. O presidente Lula já fez sinalizações muito positivas com a mudança de narrativa na questão ambiental, no retorno do multilateralismo nas relações diplomáticas, além de um distensionamento na relação entre poderes, e que a reforma tributária será prioridade em seu governo. Tudo isso é muito positivo. Onde falta clareza, como já falamos, diz respeito à política fiscal. Para além disso, o Brasil avançou na modernização da sua economia nos últimos 30 anos. Debelamos a hiperinflação, criamos um arcabouço fiscal, fizemos inclusão social, reforma trabalhista, reforma da previdência, independência do Banco Central e novos marcos regulatórios. Espero que não haja retrocesso nesses ganhos obtidos e que o Brasil continue avançando nas agendas estruturais, como as reformas tributária e administrativa.

Qual cenário Lula vai encontrar em sua nova gestão?

Em 2003, Lula deu continuidade às políticas herdadas do governo anterior, com um superávit primário de 3%, e fomos beneficiados por um “boom” no preço de commodities alimentado pelo forte crescimento da economia chinesa, que resultou em mais renda, investimentos e consumo. Além disso, a arrecadação aumentou e teve maior entrada de dólares no país, o que valorizou o câmbio e ajudou a conter pressões inflacionárias. A situação atual não poderia ser mais distinta sob o ponto de vista fiscal e cenário macro global. Apesar de termos um pequeno superávit primário, temos muito pouco espaço fiscal. Enfrentamos uma desaceleração importante global, taxas de juros altas ao redor do mundo e um endividamento das famílias brasileiras bastante alto – o maior da série histórica, mostrando que a relação entre o saldo das dívidas das famílias e a renda disponível ficou em 53%, de acordo com os últimos dados.

Há muita especulação sobre a indicação do futuro ministro da Economia. Como avalia o tema?

Não quero especular sobre nome A ou B, mas há uma expectativa de que o presidente Lula adote políticas econômicas mais ortodoxas, que foram muito bem-sucedidas na sua gestão anterior. Lula fez um movimento durante a campanha em direção ao centro e a expectativa da sociedade, de modo geral, é que o presidente faça uma gestão de posições moderadas e siga o que ele disse durante a campanha: de governar para além do PT, focar na geração de renda e empregos. Nesse sentido, não há política melhor do que escolher uma equipe econômica que crie as condições necessárias para permitir ao Banco Central reduzir a taxa de juros de forma mais rápida, já que inflação e juros altos vão na direção contrária do objetivo anunciado.

Não há política melhor do que escolher equipe econômica que crie condições para permitir ao BC reduzir juros de forma rápida.”

Como o sr. avalia o nome de Fernando Haddad para compor a equipe de Lula?

Foi um ótimo ministro da Educação, mas não conheço ainda o que ele irá propor para a economia, nem quem seria o time que eventualmente poderia trabalhar com ele. Então, ainda não consigo comentar.

Como será a gestão do PT nas empresas públicas com a Lei das Estatais?

Nas últimas semanas, o mercado refletiu no preço das ações um maior intervencionismo por parte do futuro governo. A Lei das Estatais foi criada no governo de Michel Temer [MDB] e, de forma geral, tem funcionado muito bem para blindar as empresas de ingerência estatal. O presidente Bolsonaro conseguiu trocar algumas vezes os presidentes da Petrobras, mas não conseguiu alterar a política de preços, apesar de ter sido extremamente vocal com relação a isso. Essa blindagem contribuiu para que as empresas conseguissem focar nos seus negócios principais, desalavancar e recuperar a capacidade de investimento. Será a primeira vez que a lei estará sob vigência em um governo do PT. Ainda é muito cedo para fazer qualquer projeção.

Qual o balanço que o sr. faz do governo Bolsonaro?

O governo Bolsonaro avançou em algumas frentes: reformas microeconômicas e macroeconômicas que aumentaram a capacidade de investimentos do setor privado e a produtividade. Em sua gestão, remodelou os leilões e concessões nas áreas de infraestrutura, que já estão gerando investimentos importantes, recuperou e saneou empresas estatais, assim como promoveu reformas importantes como a reforma da Previdência, independência do Banco Central e os novos marcos regulatórios.

Quais foram os pontos críticos?

O governo perdeu a narrativa na questão do meio ambiente, teve quatro ministros da Educação e uma visão ideológica que também não foi construtiva na saúde.

O novo governo já deixou claro que a educação está entre suas prioridades, assim como os programas sociais.

Nenhum país deixa de ser subdesenvolvido sem políticas educacionais consistentes. Não é sobre gastar mais dinheiro, até porque já gastamos muito, mas ter maior eficiência nesse gasto e ter políticas consistentes, que podem nos fazer dar um salto. Além disso, e como já falamos, o Brasil é uma potência verde e a mudança de postura e narrativa pode trazer muito capital para o Brasil.

O Brasil poderá atrair mais investidores estrangeiros com o novo governo?

Se continuar avançando na agenda de reformas, o Brasil pode, em uma base relativa, atrair mais capital do que outros países emergentes. Somos uma democracia, temos um mercado consumidor vibrante de mais de 200 milhões de pessoas, existe segurança jurídica com os marcos regulatórios, somos uma potência verde, temos empresas super inovadoras em diversos setores da economia, podemos nos beneficiar do redesenho das cadeias de suprimento globais e, dependendo da orientação da nova equipe econômica, iremos sair do ciclo de aperto monetário antes dos outros. Em outras palavras, temos tudo para atrair proporcionalmente mais capital.

O mercado de capitais voltará a ficar mais aquecido em 2023 no Brasil?

Do lado de renda variável, tivemos US$ 11 bilhões de volume de emissão neste ano, incluindo a operação da Eletrobras, contra US$ 28 bilhões no ano passado. Com maior visibilidade do mercado em relação à política econômica e o fim do ciclo de alta da taxas de juros lá fora e aqui, é possível que tenhamos o segundo semestre de 2023 mais ativo em relação aos seis primeiros meses do ano. Há várias empresas que se prepararam para fazer ofertas iniciais de ações [IPO, na sigla em inglês] no ciclo anterior e outras que estão mais maduras agora. Então, há um bom ‘pipeline’ quando as condições de mercado se mostrarem mais favoráveis.

E quais as perspectivas para o mercado de dívidas?

As empresas acessaram muito o mercado local, que continuou muito líquido, em detrimento do mercado internacional. E esse grande desenvolvimento do mercado de capitais local foi fomentado pela redução da participação do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] em financiar grande projetos e grandes empresas, o que foi extremamente positivo. As empresas brasileiras hoje não requerem mais crédito subsidiado para desenvolver seus projetos, porque há mercado de capitais com apetite de risco e profundidade para atendê-las.

O mercado de fusões e aquisições também deverá continuar ativo no Brasil?

Com os valuations [avaliações de preço] pressionados por juros e volatilidade, isso gera maiores movimentos de consolidação setorial em que empresas com balanços mais fortes buscam ganhar escala, fundos de private equity capitalizados aproveitam para investir mais e até, inclusive, multinacionais globais voltaram a olhar o Brasil com maior interesse.

Qual a estratégia do Morgan Stanley em momentos de volatilidade como o que estamos passando agora?

O Morgan Stanley mantém a estratégia de estar próximo aos clientes e ajudá-los nas suas necessidades de capital, de proteção [“hedge”] e no aconselhamento estratégico. Nos pautamos pelo lema de que temos de sempre fazer a coisa certa e sempre colocar os clientes em primeiro lugar.

Desde o ano passado, o Morgan Stanley adotou no Brasil um programa de maior diversidade e inclusão para a contratação de estagiários. O mercado financeiro não é exatamente diverso em termos raciais. Como essa questão está sendo conduzida?

O mercado financeiro pode e deve fazer mais na questão de diversidade, mas acho que estamos avançando. Vários bancos, inclusive o Morgan Stanley, fizeram programas voltados para estudantes negros. Nós passamos a oferecer bolsas para o estudo de inglês quando a pessoa começa a fazer o estágio e também mudamos a forma como recrutamos e incluímos universidades com as quais não tínhamos tido experiência anterior. E temos também programas dedicados a mulheres e à comunidade LGBTQ+. Estamos evoluindo a passos rápidos, mas ainda há muito o que fazer.

Na Catar, sede da Copa do Mundo, movimentos a favor da comunidade LGBTQ+ têm sido reprimidos…

Pois é. Muito triste e incrível que nos dias de hoje, e ainda mais em um evento dessa magnitude, o preconceito ainda se faça presente.

Falando em Copa do Mundo, o sr. acredita que o Brasil possa levar o hexa?

Apesar de não ter nenhum jogador do Galo na seleção, acho que o Brasil vai levar o hexa!

Sua escalação seria diferente da feita por Tite?

Repetiria a mesma escalação do jogo contra a Sérvia, mas não a do jogo contra a Suíça. Rodrygo deveria ter substituído o Neymar desde o inicio. A seleção tem de jogar mais alegre e para a frente.

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