Quebra das cadeias de produção e insegurança energética, alimentar e de matérias primas são legados do primeiro ano de Guerra na Ucrânia, diz cientista político
Confira a entrevista com Alexandre Uehara, coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Negócios Internacionais da ESPM de São Paulo
Para Alexandre Uehara, coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Negócios Internacionais (CBENI) da ESPM de São Paulo, depois de um ano de conflito na Ucrânia há um cenário de maior fragmentação das relações internacionais.
“No campo geopolítico, isso se dá por causa do aumento de incertezas e desconfianças com relação à Rússia. E, ainda que com dimensões bastante diferentes, também há uma grande desconfiança em relação à China, cuja política expansionista ganhou novo fôlego”, diz.
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Por outro lado, diz Uehara, após um ano de conflito, a principal aliança militar do Ocidente, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), voltou a ter importância para a contenção da Rússia em suas manobras militares e desenvolvimento de novas armas. Os EUA, afirma o coordenador do CBENI, passaram a ter interesses convergentes com os dos países europeus, que agora atuam conjuntamente.
No campo econômico, diz Uehara, é percebido um retrocesso no processo de interdependência entre as cadeias produtivas. Com a guerra, se quebrou a integração das cadeias internacionais de produção, que vinha sendo uma tendência desde o final da Guerra Fria. Com isso, criou-se uma insegurança alimentar, energética e de matérias primas.
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Uehara avalia que, dados os movimentos até aqui, a guerra não tem data para acabar. “O compromisso dos países ocidentais de enviarem tanques para a Ucrânia, um procedimento que pode levar meses, sinaliza que o conflito deverá se estender”, diz.
Abaixo, trechos editados da entrevista com o cientista político Alexandre Uehara.
Qual o balanço geopolítico e econômico que você faz após um ano de guerra?
Após um ano de conflitos na Ucrânia percebe-se que houve uma estimativa equivocada por parte da Rússia sobre quais seriam as resistências que enfrentariam para conquistar o território que desejavam ocupar. Por consequência, houve engano sobre quais seriam o tempo e os custos do que o presidente russo Vladimir Putin chamou de ‘operações militares especiais’. Com certeza os russos subestimaram os três fatores: resistência, tempo e custos.
Do lado da resistência, a surpresa começa pelo próprio presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Ele, que era um comediante profissional, virou presidente. Com a guerra, de chefe do executivo, se tornou um líder nacional. Mas ele não está sozinho. Desde o início, os países ocidentais não só condenaram [a invasão da Ucrânia] como têm apoiado e abastecido as forças militares ucranianas, fortalecendo sua capacidade de resistência.
Diante desse quadro, o conflito que provavelmente estava planejado para ser rápido por parte da Rússia, como tinha sido a incorporação da Criméia em 2014, virou uma batalha sangrenta. A própria ocorrência de 2014 foi um fator que contribuiu para que houvesse a mobilização internacional para impedir um novo sucesso sobre a Ucrânia, pois entende-se que uma vitória russa sobre a Ucrânia seria um sinal muito negativo para a estabilidade das relações internacionais.
Com isso, as potências ocidentais lideradas pelos EUA além de condenar a ação russa, adotaram várias sanções econômicas que elevaram o custo do conflito para Moscou, pois houve uma forte redução das relações econômicas entre a Rússia com o resto do mundo, além dos gastos militares.
Essas sanções buscaram isolar a Rússia, mas tiveram um efeito colateral que impactou a economia mundial como um todo. As sanções contribuíram para a elevação dos preços de vários produtos, alguns diretamente ligados às exportações russas de petróleo e gás, mas também indiretamente como o preço dos alimentos, por causa da alta dos insumos agrícolas provenientes da Rússia.
Portanto, o que se tem depois de um ano é um cenário de maior fragmentação das relações internacionais. No campo geopolítico por causa do aumento de incertezas e desconfianças com relação à Rússia. E, ainda que com dimensões bastante diferentes, também uma desconfiança em relação à China.
No campo econômico, é percebido um retrocesso no processo da interdependência entre as cadeias produtivas que vinha sendo uma tendência desde o final da Guerra Fria.
No xadrez geopolítico é possível dizer que nações ganharam projeção política ou econômica com a guerra? E quais perderam?
Comparando o momento pré e pós invasão da Ucrânia, pode-se afirmar que os EUA se fortaleceram. No período anterior ao conflito, vinha-se questionando o papel americano nas relações internacionais, e a política externa do governo Trump, que gerou tensões com aliados e organismos internacionais. A política externa de Trump conduzia a um isolamento internacional norte-americano, apesar de se manter como grande super potência global. Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, o presidente Biden encontrou um fator para justificar a cooperação de outros países com os EUA.
E um exemplo importante é a revitalização do Organização do Atlântico Norte (OTAN), que sofria um enfraquecimento por desentendimentos entre os países membros, incluindo os EUA de Trump, que criticou os países europeus pela falta de contribuição. De outro lado, o presidente da França chegou a criticar a OTAN de estar sofrendo de morte cerebral pela falta de coordenação entre europeus e americanos. Com a Guerra, a OTAN voltou a ter importância para contenção da Rússia e os EUA passaram a ter interesses convergentes com os dos países europeus, que agora atuam conjuntamente.
A Guerra do Vietnã passou a ser conhecida na década de 1960 como a guerra da televisão. Ela era exibida no noticiário da TV todas as noites. Com a Guerra da Ucrânia nas redes sociais, temos inquietantes e incessantes horas de filmagens diárias. Há uma sensação de que esta ‘hiper transmissão’ corroí o apoio público à guerra. Você concorda?
Entendo que as imagens são um instrumento político também para que os governos possam justificar os gastos que estão fazendo de bilhões de dólares e de euros para apoiarem a Ucrânia.
Aliás, as imagens são muito importantes também para o presidente Zelensky para que o mundo não se acostume ou esqueça da guerra, pois isso poderia levar a uma diminuição do apoio internacional, colocando-o em situação mais difícil de resistir às ações russas.
Outro aspecto da guerra travada nas redes sociais é a guerra de narrativas. Putin deseja restabelecer a zona de influência da União Soviética. Internamente, ele seria o guardião da ideia da Rússia Grande novamente. Isso faz sentido? Este tempo não ficou para trás?
É muito difícil que o presidente Putin consiga avançar na ideia de que a Rússia irá ser a grande Rússia, pois os países que foram parte da ex-URSS estão se posicionando contra a guerra, colocam-se ao lado da Ucrânia e da OTAN e temem ambições expansionistas de Moscou.
Há condições para um fim do conflito, no sentido de estarem sendo definidos novos arranjos para o cessar fogo?
Não se percebe neste momento caminhos para um final do conflito no curto prazo. O compromisso dos países ocidentais de enviarem tanques para a Ucrânia, um procedimento que pode demorar meses, sinaliza que o conflito deverá se estender.