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Espaço para cortes de juros é bastante residual, diz Honorato, do Bradesco
Com projeções de inflação que se afastam ainda mais do centro da meta e uma linguagem bem mais dura, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central indica que “o espaço para cortes de juros é bastante residual”. É o que afirma, em entrevista concedida ao Valor, o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato.
Ao olhar apenas para a decisão de ontem, ele aponta que a trajetória de taxas esperada pelo banco – com Selic a 12,25% no fim do ano – “fica um pouco sob risco”, diante de um viés de juro médio mais alto à frente. A probabilidade de uma retomada das altas de juros, porém, é “mínima” neste momento, aponta Honorato. “Não temos indícios de que o Copom queira subir juros agora, mas as condições importam”, diz. Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual sua avaliação sobre a comunicação empregada pelo Copom nesta decisão?
Fernando Honorato: O comunicado foi bastante duro. As projeções de inflação do Copom se distanciaram do centro da meta; e o Copom indicou que, com a Selic estável, a inflação ficaria em 2,8% em 2024, ou seja, o espaço para corte de juros é bastante residual. Além disso, ele coloca a discussão de como deve atuar no ambiente atual de incerteza fiscal e de expectativas se distanciando da meta, ao dizer que o custo de desinflação aumenta e que, nessa conjuntura, o Copom irá conduzir a política monetária necessária para cumprir as metas. Um último ponto é quando o colegiado diz que segue vigilante e avaliando se a estratégia de manter os juros parados por um período mais prolongado que o do cenário de referência irá assegurar a convergência da inflação.
Valor: A comunicação do Copom aponta, então, para um viés de alta nas expectativas para a Selic?
Honorato: Há um recado claro do Copom de que há uma certa inconsistência no Focus ao se observar a alta das expectativas de inflação e, ainda, a trajetória esperada para os juros, que inclui cortes na Selic. É como se o BC dissesse que, com a expectativa desviando da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional, o juro não é compatível. É uma provocação do BC dizendo que irá cumprir a meta e lembrando que o instrumento para isso é a Selic.
Valor: Como vocês viram a recente desancoragem das expectativas de médio e de longo prazo?
Honorato: Duas discussões estão por trás desse descolamento das expectativas. A primeira inclui a expectativa sobre o arcabouço fiscal, que é um debate que produz dúvidas sobre o nível de despesa no país e sobre o nível de câmbio e, portanto, sobre onde irá estabilizar a inflação. Do outro lado, a discussão sobre a possibilidade de alteração das metas de inflação também leva as expectativas para cima. Esses dois debates acabaram influenciando esse descolamento e o BC flertou um pouco com esses dois temas no comunicado.
Valor: A decisão do Copom altera o cenário do Bradesco para a trajetória da Selic à frente?
Honorato: No nosso cenário, esperamos uma Selic de 12,25% no fim do ano. Ainda é plausível pensar nesse cenário, muito porque estou olhando para um ambiente em que o câmbio pode apreciar mais. Inclusive, em função do que aconteceu na decisão do Fed, o comunicado do Copom é um convite para uma apreciação maior da moeda e isso pode fazer com que, pelo canal do câmbio, tenhamos espaço para um corte de 1,5 ponto do juro neste ano. Mas, lendo exclusivamente o comunicado do Banco Central, o cenário de cortes de juros que eu tenho hoje fica um pouco mais sob risco, porque existe um viés de juro médio mais alto.
Valor: As projeções de inflação do Copom vieram acima das expectativas do mercado…
Honorato: As projeções, de fato, vieram mais altas do que nós estávamos esperando. Em outras palavras, o modelo do BC está incorporando um peso maior para as expectativas de inflação do que os nossos. A influência das expectativas neste momento pareceu maior, e é daí que vemos um recado bastante duro. O modelo já refletiu essa deterioração e, além disso, a própria comunicação do Copom foi mais dura. Ele pede que os investidores reavaliem a trajetória esperada para a Selic, já que as expectativas estão descolando da meta de 3% que ele precisa cumprir.
Valor: Qual a possível reação do mercado de juros a esse tom mais duro utilizado pelo Copom?
Honorato: Há um certo descompasso entre a meta, a expectativa de inflação e a precificação de cortes de juros. É mais razoável supor que não teremos cortes de juros ao longo do ano, o que pode provocar um ajuste na ponta curta da curva de juros. No entanto, há uma ambiguidade no cenário. Se o câmbio tiver uma apreciação significativa nas próximas duas, três semanas, o movimento da moeda pode compensar a piora das expectativas de inflação. Para o mercado hoje, espero que as taxas de curto prazo subam um pouco ou fiquem onde estão. Já nos juros de longo prazo, a parcela de prêmio de risco acaba sendo bem importante.
Valor: Há possibilidade de o BC voltar a aumentar a Selic?
Honorato: Olhando os modelos e o que ele descreveu, não vejo indícios de alta de juros. Apesar de o espaço ter diminuído, o cenário base continua a ser de cortes residuais nos juros, já que, quando o Copom deixa o juro parado, a inflação em 2024 fica em 2,8%. As condições de hoje até meados do ano vão dizer se temos espaço para subir os juros. Se, por hipótese, as expectativas continuarem a se deteriorar e o câmbio não se apreciar, o Copom pode fazer um alerta mais duro, e aí tem alguma chance de aumento de juros em algum ponto. A probabilidade, no entanto, é mínima. A chance não é zero, mas acredito que não é nem de 5% hoje. Não temos indícios de que o Copom queira subir juros agora, mas as condições importam. Se houver piora das expectativas e o câmbio não compensar, é possível que tenhamos não só o BC como também o mercado discutindo um aumento na probabilidade de alta de juros.
Por Victor Rezende
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