EUA: Mercado de trabalho aquecido, juros elevados e o movimento para a renda fixa
Com os juros atingindo níveis mais altos das últimas décadas, o fluxo de recursos para investimentos em renda fixa continua sendo forte em 2023
Na quinta-feira (6), ocorreu a divulgação da geração de empregos no setor privado americano, a qual surpreendeu significativamente o mercado. Esperava-se a criação de 250 mil postos de trabalho, porém foram criados 497 mil. A análise dos dados revela que o desempenho excepcionalmente forte do setor de serviços impulsionou o crescimento em junho, após o registro de 278 mil em maio. Os setores de comércio, transportes, educação e saúde também apresentaram ganhos expressivos. Por outro lado, houve queda na indústria, informação e finanças. As empresas com menos de 50 empregados foram as que mais contribuíram para a criação de empregos, com um aumento de 299 mil.
Por que isso é importante?
Um mercado de trabalho aquecido tende a manter a pressão por aumentos salariais. Portanto, um mercado de trabalho aquecido colabora para a manutenção de pressões inflacionárias na economia.
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Em resposta a essa situação, observamos uma forte inclinação na curva de juros nas diferentes vértices, refletindo a interpretação de que possa ser necessário implementar mais aumentos nas taxas de juros para controlar a inflação.
Os juros de dois anos atingiram 5,12% durante a quinta-feira (6), ultrapassando a máxima registrada em março (antes do período de volatilidade severa do mercado financeiro). Além disso, a taxa de juros de 10 anos ultrapassou a marca de 4%. Isso torna quase unânime as expectativas de aumento de juros na próxima reunião, que ocorrerá no dia 26 de julho.
Fluxo para Renda Fixa
Com os juros atingindo níveis mais altos das últimas décadas, o fluxo de recursos para investimentos em renda fixa continua sendo forte em 2023. No primeiro semestre de 2023, registrou-se um influxo de US$ 121 bilhões em fundos de renda fixa – a maior entrada desde o segundo semestre de 2021 e uma reversão significativa em relação à saída de US$ 85 bilhões em 2022.
A renda é fixa, o preço não
A lógica do investimento em renda fixa atualmente pode ir além dos rendimentos elevados. Sim, você pode carregar o título até o seu vencimento e usufruir dos juros contratados quando da compra do título (bond). Ou seja, a renda é de fato fixa.
Mas há outra forma, que é através da variação dos preços desses títulos decorrentes das oscilações nas taxas de juros, conhecida como marcação a mercado. Isso significa que o preço não é fixo, mas varia de acordo com as expectativas e nuances das taxas de juros.
O gráfico abaixo, fornecido pelo JP Morgan Asset, mostra o efeito esperado no preço decorrente de uma queda ou elevação na curva de juros de 100 bps (1 ponto percentual) para diferentes tipos de títulos de renda fixa.
Sendo assim, parte dos fundos ou do fluxo para renda fixa também se deve à crença ou expectativa de que as taxas de juros venham a ceder no futuro (embora não saibamos quando), o que pode ter um efeito positivo nos preços dos ativos.
E será que faz preço na bolsa?
Também, como reflexo das elevações na curva de juros, observamos o índice de volatilidade (VIX) apresentar um aumento repentino (um “spike”) e a bolsa de valores cair no dia 6 de julho. Seria razoável supor ou esperar que os títulos com maior duração (duration) sofressem quando as taxas de juros aumentam. Ações, por sua vez, funcionam como títulos com duração infinita, uma vez que não possuem vencimento, então é normal que elas caiam quando as taxas sobem.
No entanto, mais recentemente, temos visto uma realidade diferente, especialmente para as 100 maiores empresas de tecnologia dos EUA, medida pelo índice Nasdaq 100 Composite (linha branca). Houve um descolamento dessa relação tradicional: o índice Nasdaq e os rendimentos (yields)dos títulos de 10 anos do governo americano (linha vermelha e base invertida).
Ou seja, tradicionalmente, quando os yields de juros sobem, é esperado que as ações sofram. No entanto, no momento atual, isso não está ocorrendo. Existem diversos motivos para essa divergência. Entre eles, destaca-se a capacidade das grandes empresas de tecnologia (big techs) de se mostrarem resilientes em meio a crises, a maior diversificação geográfica de suas receitas e os avanços em tecnologias como a inteligência artificial.
Na prática, isso se reflete em um fluxo contínuo de recursos para o setor de tecnologia, o que tem sustentado as altas nesse segmento. De fato, é natural que à medida que as ações de tecnologia sobem, elas ficam relativamente mais “caras”.
Essa é uma comparação simples e criticável, pois desconsidera as vantagens competitivas das empresas, os níveis de rentabilidade, endividamento, caixa, entre outros fatores. Em outras palavras, não é necessariamente esperado que essas big techs negociem no mesmo múltiplo que outras empresas ou setores. No entanto, é importante ressaltar a magnitude do descolamento e a diferença expressiva de precificação existente.
Vem aí a temporada de balanços nos EUA
O mercado americano é muito amplo e diversificado, com diversas empresas divulgando seus resultados regularmente. No entanto, oficialmente a temporada de balanços do 2º trimestre de 2023 começa esta semana, com os bancos americanos divulgando seus números na sexta-feira, juntamente com empresas como Pepsico, Delta Airlines e UnitedHealth Group.
Por enquanto, de forma agregada, as expectativas apontam para uma queda de 6,4% nos lucros das empresas do S&P500 em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior. É interessante notar que houve uma expectativa semelhante no início da divulgação de resultados do trimestre anterior, mas essa queda não se confirmou, com os lucros caindo apenas 2%.
No entanto, tão importante quanto os números deste trimestre, serão as expectativas para o futuro. Vale observar se faz sentido esperar ou apostar na recuperação dos lucros no 3º e 4º trimestres, como é a expectativa atualmente.