Exclusivo: ex-BC Gustavo Loyola analisa o caso SVB: ‘Entre o risco moral e uma crise sistêmica, fico com o primeiro’

Loyola fala ainda sobre a possibilidade de queda de juros nos EUA

Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e presidente da Tendências Consultoria. Foto: Divulgação
Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e presidente da Tendências Consultoria. Foto: Divulgação

A decisão de resgate dos credores no caso de insolvência do Banco do Vale do Silício (SVB, na sigla em inglês) foi correta e mostra que vale mais a pena remediar o ‘risco moral’ do mercado do que entrar em uma crise sistêmica. Essa é a avaliação do ex-presidente do Banco Central e presidente-diretor da Tendências Consultoria, Gustavo Loyola.

O risco moral, ou moral hazard, é o aumento da probabilidade de má-gestão dos investimentos ou práticas ilegais no mercado financeiro, e ocorre quando reguladores e autoridades monetárias salvam um banco em situação de falência.

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À Inteligência Financeira, Loyola diz que o risco de respingo da falência do SVB no Brasil não é grande, e de que a expectativa ligada à oscilação da taxa Selic, o índice de juros básicos, continua atrelada ao fator doméstico de política econômica do governo Lula.

Ex-presidente do BC aprova medida do Fed

A decisão do Fed e do FDIC, o fundo garantidor de crédito dos EUA, de realizar um bailout, ou seja, abrir uma linha de crédito especial para liquidar os investimentos dos credores do SVB, foi um acerto por parte das autoridades americanas. Isso porque, avalia Loyola, apesar de ser um banco regional, a empresa tem importância dentro do polo tecnológico do Vale do Silício. Para as fintechs, é o banco de referência.

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A possível contaminação do caso SVB em outros bancos médios dos EUA fez com que o Fed repensasse sobre o risco, diz o ex-presidente do BC.

“Os grandes bancos americanos estão bem capitalizados e têm uma supervisão mais próxima. Mas a quebra do SVB poderia gerar um problema para os bancos médios. Então, acredito que o Fed e o FDIC, (fundo garantidor de crédito americano) adotaram a medida de abrir uma linha de crédito com base em títulos públicos, mas valorizados ao par, e também esse resgate dos depósitos acima de US$ 250 mil”, afirma Loyola. “É uma decisão polêmica, né? Mas eu acho correta”, completa ao ressaltar que a linha de crédito será financiada pelo próprio sistema bancário, e não pelo contribuinte.

Juros nos EUA

Mesmo com a expectativa do mercado de que o episódio envolvendo o banco da startups provoque o Fed a reduzir os juros antes do esperado, Loyola frisa que ‘não vê a possibilidade’ de o banco central americano reduzir a taxa anual, momentaneamente a 4,50% a 4,75%.

“Essa decisão cabe ao Fed. Mas vai depender muito dos efeitos que ainda podem se propagar — não em relação ao SVB porque a situação do banco está resolvida — no sistema bancário americano e, em particular, o dos bancos médios”, diz o economista.

Loyola e o Proer

Quanto ao risco moral oriundo do bailout, o ex-presidente do BC afirma ser preferível o impacto de negligência dos gestores do que a crise sistêmica.

“O risco moral você consegue administrar melhor do que uma crise sistêmica. Se tiver que escolher entre os dois, correria o risco de aumentar o risco moral. Porque aí você tem como ter medidas compensatórias no futuro”, diz Loyola. Ele lembrou que “é um dilema difícil” e que “já esteve nessa situação”.

Como presidente do BC, seu mandato focou no aumento da credibilidade do sistema bancário por meio do Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional). A medida, tomada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, estimulava fusões e aquisições entre bancos e financeiras, com o objetivo de proteger depositantes da falência de bancos regionais.

Caso SVB afeta a economia no Brasil?

Sobre os efeitos da quebra do SVB na economia brasileira, o ex-presidente do BC dispensou o rumor de que a atual crise bancária nos EUA seja parecida com a insolvência do banco Lehman Brothers, em 2008. O episódio “não exige algum tipo de política monetária contra cíclica no Brasil”, diferentemente de 15 anos atrás.

Para Loyola, a quebra do SVB também não deve contribuir para a queda dos juros no Brasil. “A trajetória da Selic continua sendo muito mais relacionada ao cenário doméstico seja ligado à política ou economia, do que ao cenário externo”, explica.

Gustavo Loyola na IF

Confira abaixo trechos da entrevista feita pela IF com Gustavo Loyola:

A decisão do Fed de resgatar o SVB foi correta?

É uma decisão polêmica, né? Mas eu acho correta. Porque, embora o SVB não seja um banco entre os maiores, entre os que são considerados sistemicamente importantes, ele tem um uma importância específica em relação à Califórnia e ao Vale Silício, né? Para as fintechs, principalmente.

O Fed não quis correr o risco de fragilizar os bancos médios nos Estados Unidos. Os grandes bancos americanos estão bem capitalizados, com uma supervisão mais próxima deles. Mas a quebra do SVB poderia gerar um problema para os bancos médios.

Por isso, acredito que eles adotaram essa medida de abrir uma linha de crédito do Fed, com base em títulos públicos, mas valorizados ao par, e também esse resgate dos depósitos acima de US$ 250 mil. Que, aliás, vai ser financiado pelo próprio sistema bancário, não será o contribuinte que vai pagar. Eu acho que é correto para tentar, com isso, isolar esse episódio e talvez evitar também que isso contamine a política monetária.

Fed deve aumentar os juros pós-SVB?

Antes do colapso do SVB, havia uma percepção de contexto otimista e aberta à possibilidade de queda de juros nos Estados Unidos.

Mais recentemente, Jerome Powell [presidente-diretor do Fed] e algumas outras autoridades do Fed começaram a a sinalizar o contrário. O mercado estava muito otimista ao dar como quase encerrado o processo de alta de juros nos Estados Unidos.

Aí as apostas começaram a se dividir um pouco mais. Com esse episódio do SVB, a tese da queda de juros ganhou força.

Do ponto de vista do regime de metas de inflação, que lá não é formal, mas existe, não tem a possibilidade de o Fed baixar o juros. Ao contrário, eu acho que é ele ainda deve subir os juros. Claro que ele pode moderar essa alta e pode adiá-la.

Enfim, essa é uma decisão que cabe ao Fed. Mas isso vai depender muito dos efeitos que ainda podem se propagar — não em relação ao SVB porque a situação do banco está resolvida — mas sim em relação ao sistema bancário americano e, em particular, o dos bancos médios.

O risco moral aumenta com a entrada do Fed no SVB. Mas essa estratégia é boa?

Tem duas maneiras de você conter o risco moral. A primeira é com uma supervisão forte do sistema bancário, para evitar comportamentos temerários. E o segundo é não resgatando acionistas.

Mas você não consegue eliminar totalmente o problema. É um dilema, uma situação difícil.

Eu, que já estive essa situação, acho que você consegue administrar melhor o risco moral do que uma crise sistêmica. Se tiver que escolher entre os dois, correria o risco de aumentar o risco moral. Porque é possível empregar medidas compensatórias no futuro.

Claro que tudo isso tem que ser muito bem pensado, em toda a situação que se pode aplicar um bailout. E esse bailou não está sendo financiado pelo contribuinte.

Porque depois da crise de 2008, 2009, com todas as suas repercussões, o sistema político americano, além da própria sociedade, ficou muito mais menos disposta a aceitar que o contribuinte socorra os credores de bancos.

Isso ficou claro e a ideia era que, depois da crise, até teriam garantia, até porque são depositantes relativamente menores, mas os demais correriam por sua conta e risco.

Como um caso de insolvência de um banco regional americano influencia a economia brasileira?

Vamos dizer que esse episódio não configura uma crise externa financeira parecida com a de 2008/2009, que exige algum tipo de política monetária contra cíclica no Brasil.

A trajetória dos juros aqui no Brasil continua sendo muito mais relacionada ao cenário doméstico, seja ligado à política ou à economia, do que ao cenário externo.

Mas, claro, que tudo isso tem uma influência. Uma queda de juros nos Estados Unidos tende a enfraquecer o dólar, e isso pode ajudar a moeda dos emergentes e o canal de taxa de câmbio, importante na transmissão de política monetária. Se o câmbio cai e o real se valoriza, certamente isso ajuda no combate à inflação daqui, e isso pode sim facilitar a queda dos juros.

Se o Fed considerar uma política que sinaliza a queda de juros, seja porque a inflação permita ou por outra razão, em tese, pode haver um cenário de afrouxamento monetário por aqui. Mas eu não acredito que o BC possa antecipar isso não, inclusive porque os últimos dados do IPCA vieram ruins.

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