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Fed muda o jogo para o investidor; o que esperar?
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Entre os ativos pegos no contrapé diante da sinalização de aperto monetário mais forte nos EUA estão as ações da Netflix, o iene e o yuan; outros se seguirão.
Já chegamos lá? Essa é uma pergunta razoável para os investidores em bônus, depois de uma histórica virada para baixo nos preços dos títulos do governo para refletir a inclinação cada vez mais linha-dura do Federal Reserve, o banco central dos EUA. Infelizmente para aqueles que ficaram a lamber feridas, a resposta resumida é: “provavelmente não”. A julgar pelas oscilações da semana passada, a comoção nos mercados está só começando.
Os dirigentes de bancos centrais não são sádicos. Aqueles que desejam elevar as taxas para combater a inflação querem tentar fazê-lo sem provocar instabilidade excessiva no mercado financeiro ou, pior, recessão. Mas o caminho de volta aos juros mais altos é inevitavelmente confuso. Ou, como diz Joseph Amato, diretor de investimentos de ações do Neuberger Berman: “Quando o Fed pisa no freio, alguém atravessa o para-brisa.” Entre os ativos pegos sem cinto de segurança na semana passada estão as ações da Netflix, o iene e o yuan. Outros se seguirão.
A escala da mudança nos mercados de títulos públicos é impressionante. Charles-Henry Monchau, diretor de investimentos do Bank Syz, disse que os três primeiros meses do ano foram “emocionais e difíceis para os investidores”. Os bônus de longo prazo do governo dos EUA já estavam no rumo de sua maior queda anual desde que isso é acompanhado, em 1973, mesmo antes que o presidente do Fed, Jerome Powell, aumentasse as expectativas na semana passada a respeito de um aumento robusto de meio ponto porcentual na taxa de juros em maio.
Os preços caíram tão rápido que as taxas de retorno das notas de referência do Tesouro, de 10 anos, estão perto de 3%. Em 2,9%, já estão no ponto mais alto desde 2018. Estamos até, após oito anos, testemunhando o fim da era desordenada das taxas de retorno negativas. O investidor se acostumou, com relutância, a comprar bônus a preço cheio e com plena compreensão de que perderá dinheiro se os mantiver até o vencimento, graças aos preços altos e às taxas de juro baixas.
Agora, um total de US$ 11 trilhões (sim, trilhões) em dívida global emergiu do congelamento profundo dos rendimentos negativos. Resta só o relativamente modesto valor de US$ 2,7 trilhões. As taxas de retorno dos Bunds de 10 anos da Alemanha, eternamente baixas ou até negativas, hoje rendem 0,95%, maior porcentual desde 2015.
Em 7 de abril, o Barclays concluiu que era hora de dar um basta e recomendou a compra de notas de 10 anos do Tesouro dos EUA. Menos de duas semanas depois, abandonou a recomendação com prejuízo. É um momento difícil para ser caçador de pechinchas.
Faz sentido que os mercados de bônus – a classe de ativos mais sensível às taxas de juro – reajam com tanta força à mudança de direção dos bancos centrais. Mas os efeitos em cascata sobre outros mercados agora começam a ficar mais claros. “Somos todos negociantes de bônus agora”, escreveu na semana passada o analista de câmbio Kamal Sharma, do Bank of America. Segundo ele, as principais moedas estão “dominadas” pelos movimentos do mercado de bônus, com “um tema para todas governar”.
O iene mostra isso de maneira nítida. Ele despencou para a maior baixa em duas décadas ante o dólar por causa da diferença de atitude entre o Fed, que não escondeu seu plano de elevar juros, e o Banco do Japão, determinado a manter as taxas de retorno de seus bônus baixas. As autoridades japonesas normalmente gostam de manter o iene bom e fraco para ajudar a estimular as exportações. Neste caso, porém, a moeda caiu tanto e tão rápido (11% desde o início de março!) que os operadores estão em alerta, à espera da intervenção para sustentá-la.
E não é só o iene; o yuan também caiu drasticamente, em parte porque as taxas de retorno dos bônus dos EUA chegaram ao nível dos da China pela primeira vez em 12 anos. Participantes do mercado se perguntam se o franco suíço também pode se contagiar.
Mas talvez o exemplo mais gritante de como o Fed mudou o jogo para o investidor tenha vindo na semana passada da Netflix, o serviço de streaming que se tornou item de primeira necessidade no momento em que estávamos todos trancados em casa, mas agora é artigo de luxo legal de ter enquanto as famílias tentam reduzir custos. O preço de suas ações caiu quase 40% depois que a empresa informou que perdera clientes e a expectativa era perder mais.
As ações da Netflix estavam entre as de alta tecnologia que já vinham afundando desde que o Fed deixou mais claras suas intenções de aperto monetário. Mas o último crash foi espetacular sob qualquer aspecto.
“Não sei se isso é sinal do que está por vir”, diz Amato, da Neuberger Berman. “Acho que isso já chegou.” De qualquer forma, a diferença no ambiente atual do mercado, mais nervoso, é clara. “Se você não atingir um número, uma expectativa de vendas, é uma reavaliação brutal”, diz. Este ambiente de mercado, com inflação nas alturas e risco real de recessões, aponta para períodos de volatilidade e exige cautela, segundo Amato.
Os investidores, é claro, estão atentos à história aqui. O chamado chilique de 2013, quando a mera insinuação de que o Fed retiraria o apoio às compras de bônus pôs ativos de mercados emergentes no lixo, é só o maior e mais recente exemplo; as rápidas altas de taxas em 1994 levaram à falência o condado de Orange, na Califórnia, e lançaram as bases da crise do peso no México.
Ainda não estamos perto desse ponto. Mas a tarefa dos formuladores de políticas monetárias de construir um pouso suave, sem danos colaterais graves, é difícil. Os últimos deslizes são um lembrete de que acidentes podem ocorrer.
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