Felipe Salto: ‘Haddad tem desafio de conter despesas nos próximos anos’

Economista é menos pessimista com mudança em regra e vê impacto de R$ 30 bi em 2024

Ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Felipe Salto. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Felipe Salto. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Nos cálculos de Felipe Salto, sócio e economista-chefe da Warren Rena, o substitutivo do deputado Cláudio Cajado (PP-BA) deve ter impacto máximo de R$ 30,4 bilhões na ampliação do limite de despesa primária para 2024 e de R$ 8,4 bilhões na média anual de 2024 a 2032, considerando como base o arcabouço fiscal originalmente proposto pelo governo. Ele diverge de cálculos que apontam impacto de R$ 80 bilhões em 2024.

O substitutivo, diz, foi positivo, de forma líquida, ao trazer maiores gatilhos, embora também tenha propiciado aumento no teto de gastos. Ele destaca, porém, que a regra é diferente da execução. Um limite mais alargado não necessariamente traz mais gastos e há espaço para controle nas despesas discricionárias, defende.

Receba no seu e-mail a Calculadora de Aposentadoria 1-3-6-9® e descubra quanto você precisa juntar para se aposentar sem depender do INSS

Com a inscrição você concorda com os Termos de Uso e Política de Privacidade e passa a receber nossas newsletters gratuitamente

O ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) também não considera que o governo vai manter os mesmos níveis de reajuste a servidores e outras medidas expansionistas já tomadas. Por questões políticas, o atual governo, diz, inverteu a lógica fiscal de ajuste no primeiro ano de gestão, mas terá que fazer escolhas difíceis.

Mesmo mais otimista que a média em relação à regra, o ex-secretário de Fazenda de São Paulo diz que o “pecado original” do aumento de gastos propiciado pela PEC da Transição foi mantido e o cumprimento das metas de resultado primário demanda muitas receitas. Cabe ao governo fazer com que elas fiquem críveis para os analistas. “O grande projeto deste primeiro período do governo Lula não é a reforma tributária, mas o arcabouço fiscal.”

Últimas em Economia

O saldo líquido do substitutivo é positivo. O relator trouxe novos gatilhos, mas também propôs mecanismos que permitem aumentar o limite. Estou um pouco mais otimista que a média. A nova regra não trará quadro fiscal maravilhoso, mas de saída estou certo de que não haverá cenário de risco elevado e de dívida descontrolada.

Cálculos do impacto

Para 2024, o efeito total do substitutivo no aumento do limite de gastos primários pode chegar a R$ 30,4 bilhões, considerando o pior cenário. Num período de nove anos, de 2024 a 2031, o impacto seria de R$ 8,4 bilhões na média anual. O cálculo considera regra completa trazida pelo substitutivo, com o governo usando a possibilidade de ampliar o limite de gastos se houver inflação maior ao fim do ano na comparação com a inflação fechada em 12 meses em junho, que é um cenário mais provável. A estimativa considera inflação entre 5,3% e 5,5% ao fim do ano e de 4,2% em 12 meses até junho. Os cálculos que mostram efeitos do substitutivo chegando em R$ 80 bilhões em 2024 consideram apenas o lado ruim do substitutivo (ver quadro acima).

Parte ruim 1

O relator colocou 2,5% de crescimento real para o limite de despesas para 2024, especificamente. Critico isso porque a regra já deveria valer no primeiro ano. Pelas nossas projeções, a receita líquida em 12 meses até junho deve crescer 1,6% em termos reais. Considerando 70% disso, teríamos alta de 1,1% na despesa para 2024, sem considerar a suplementação em razão da inflação maior estimada ao fim deste ano. Esses 2,5% já de saída devem elevar o limite de gasto primário em R$ 29,3 bilhões em 2024. Na média de 2024 a 2032, o efeito seria de R$ 36,4 bilhões anuais. Pelo que temos acompanhado, é possível que o Senado aperte mais a regra e esse é um dos tópicos para ser acompanhado.

Parte ruim 2

O substitutivo também criou exceções para 2025. Se for usada a possibilidade de aumentar a despesa com diferença entre a inflação ao fim do ano e observada em 12 meses até junho, isso alarga o cálculo do limite de despesa para 2024 e 2025. Somente em 2026 é que a suplementação não será mais considerada no cálculo do limite. Isso é desnecessário. Se o objetivo é contemplar o efeito do salário mínimo nos gastos, que isso seja feito apenas para 2024. Para os períodos seguintes não é preciso a exceção, sob risco de se desmontar a regra já de início. Isso poderia ser modificado no Senado também.

Parte ruim 3

Outra mudança importante é que na proposta do governo há o gatilho de reduzir o limite de gastos de 70% para 50% da variação real de receitas quando a meta de primário não for cumprida. Pelo substitutivo, o acionamento do gatilho se dará quando se verificar, na elaboração do orçamento, se a meta de primário do ano anterior foi cumprida ou não. Isso postergará para 2026 o acionamento do gatilho caso a meta não seja cumprida em 2024. Isso não tem efeito em 2024, mas aumentará o limite de gastos em R$ 13,8 bilhões na média anual de 2024 a 2032.

Parte boa 1

Uma das mudanças mais importantes do relator foi relativa à aplicação da sanção de redução de 70% para 50% da variação da receita para cálculo do limite de despesas em caso de descumprimento do primário. O problema se dava no ano seguinte, no cálculo do limite de gastos após a aplicação da sanção. O texto do governo mandava que se ignorasse a aplicação de 50% e se fizesse a conta como se tivessem sido 70%, o que alargava o limite do ano seguinte. Levamos isso ao relator na semana passada e foi alterado. Isso não tem efeitos em 2024, mas leva a redução média no limite de gastos de R$ 44,9 bilhões anuais de 2024 a 2032.

Parte boa 2

Na área das sanções, o substitutivo adicionou gatilhos que entram já no ano seguinte ao descumprimento da meta de resultado primário. Entre eles, gatilhos da Emenda Constitucional 109/2021, derivada da chamada PEC Emergencial. Isso traz uma série de mecanismos interessantes ao proibir reajustes, reorganização de cargos e salários, criação de carreiras e medidas de qualquer um dos três Poderes que impliquem aumento real de despesa e concessão de vantagens. O cerco é bem fechado. As sanções mais duras, porém, vêm apenas no segundo ano de descumprimento. Acho que deveriam vir todas no primeiro ano.

Parte boa 3

Houve mudança boa na LRF obrigando que o anexo de metas fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias contenha a trajetória da dívida em dez anos, explicitando que o indicador será a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG). O governo terá que mostrar como as metas de primário vão levar a trajetória sustentável de dívida. No caso de descumprimento, será necessário mostrar os motivos. Isso é fundamental porque no Brasil há a tradição da regra e da punição. A literatura mostra que é importante ter punição, mas é importante também ter a prática, o compromisso político em torno da regra, o que não vem da noite para o dia. Isso parece algo lateral, mas ajuda a criar compromisso. O relator também explicitou que o contingenciamento será obrigatório. Não fazer isso implicará infração à LRF se ficar claro que dava pra contingenciar e o governo não o fez.

Regra versus execução

Mesmo com aumento do limite de gastos, há a regra e há a execução. O que vemos no governo é que Haddad [ministro da Fazenda, Fernando Haddad] funciona como bom goleiro e, como atacante, conseguiu o arcabouço. Não foi aprovado ainda, mas conseguiu o regime de urgência. Por outro lado tivemos reajuste a servidores, reajuste ao Legislativo, mudança do Imposto de Renda, do salário mínimo, ampliação do Bolsa Família. Há muitas pressões e, além disso, os gastos da saúde e educação voltaram a crescer vinculados a receitas, com parte deles avançando um pouco nas discricionárias. Para a saúde precisaremos em torno de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões em 2024, enquanto que na educação há sobra. Mas a despesa discricionária, que acaba como conta de chegada em alguma medida, ficou tão elevada na programação deste ano que há certa gordura. Mesmo com certa rigidez na discricionária com saúde, educação e, agora, investimento, além da regra de gasto mínimo de 75%. Para 2023, os gastos discricionários estão em cerca de 10% da despesa primária.

Há dois tipos de crítica à regra proposta. Uma que é não é factível, outra que ela é tão flexível que não leva a ajuste nenhum. Creio que o arcabouço está no meio do caminho e por isso é bom. O que fará a política fiscal melhorar ou piorar é a execução. O governo precisará fazer escolhas difíceis.

Lógica fiscal inversa

Creio que há neste mandato inversão da lógica fiscal de todos os governos, da esquerda ou da direita, pela qual o primeiro ano de gestão é de ajuste. O governo Lula 1 fez uma minirreforma tributária e não reajustou o salário mínimo. Este ano foi o contrário. Como Bolsonaro [ex-presidente, Jair Bolsonaro] adotou dinâmica eleitoreira em 2022, elevando também gastos sociais, o governo eleito, cuja bandeira é o gasto social, precisou manter esse compromisso.

Então a PEC da Transição, que é o pecado original, não foi expurgada. Os gastos que trouxe foram mantidos e isso elevou de saída a despesa. Agora nos outros anos será preciso segurar gastos. Esse é o desafio de Haddad.

É difícil, porque o mercado critica, com razão, o aumento de despesa. E ao mesmo tempo ele tem que convencer que a regra será boa em cima de gasto crescente. Mas creio que a partir do segundo ano o gasto ficará mais contido. Considero que não há motivos para acreditar que haverá reajuste real todo ano no gasto de pessoal, por exemplo. Se isso mudar, espreme-se a discricionária e coloca-se sob risco o arcabouço. Mas é um cenário pessimista. Não há risco de shutdown.

Cumprimento de metas

As metas de resultado primário continuam difíceis de ser cumpridas, dependendo bastante de receitas. A meta é zero para o ano que vem, mas onde está a lista de medidas? Haddad tem adotado a estratégia de buscar item a item, falou da tributação das apostas esportivas, conseguiu aprovação da MP de preços de transferência e houve vitória na questão da subvenção de ICMS nos tributos federais sobre lucro. Estimamos que isso deva render R$ 42 bilhões, líquido das transferências, no melhor cenário. O mínimo seria R$ 30 bilhões, sempre anualizados. Por enquanto estimamos déficit de 1,1% para o primário de 2024. Se vierem esses R$ 42 bilhões, vamos para algo em torno de 0,7% de déficit, mas não incluímos ainda nas nossas estimativas perspectivas de receitas adicionais. Cabe ao governo dar mais informações, divulgar notas técnicas. Como o programa fiscal é muito baseado na recuperação de receitas, não dá só para dizer “vamos arrecadar tanto”.

Por Marta Watanabe, do Valor Econômico

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


VER MAIS NOTÍCIAS