Galípolo chega ao Banco Central sem perder pontos, mas vai enfrentar uma cratera por dia

Transição foi perfeita. Mas agora começa a parte mais difícil e o novo presidente do BC tem uma série de desafios

Foi por causa da demissão de um presidente do Banco Central, sem aviso prévio ao ministro da Fazenda, que o Plano Real perigou não sair em 1994. O presidente da República era Itamar Franco. O ministro, Fernando Henrique Cardoso, e a situação é impensável nos dias de hoje.

Nas últimas semanas, conversei com um ex-presidente do Banco Central e com um ex-diretor de política econômica da mesma instituição. Para ambos foi perguntado a respeito da troca de comando na autoridade monetária. Sai Roberto Campos Neto, entra Gabriel Galípolo.

Vai ter impacto a chegada de Gabriel Galípolo?

Ambos seguiram a mesma linha de raciocínio e trocando em miúdos apontaram que a instituição é mais forte e que não deve haver mudanças significativas na condução do barco. Ou melhor, do banco.

Dessa maneira, isso é verdade, mas é verdade também que o Banco Central travou a possibilidade de qualquer surpresa de saída.

Então, isso ocorreu no último encontro do ano do Comitê de Política Monetária (Copom).

O colegiado – com Campos Neto e Galípolo – decidiu pelo que todo mundo já sabe: aumento de 100 pontos-base em dezembro. A Selic foi para 12,25% ao ano. E mais dois aumentos equivalentes nas duas primeiras reuniões de 2025. Foi o pulo do gato (desculpe o clichê).

Chegada de Galípolo: motivos reais e aceno ao mercado

Motivos reais para essa decisão não faltaram. Assim, citamos dois deles presentes na última ata do Copom.

Um: “O ambiente externo permanece desafiador, em função, principalmente, da conjuntura econômica nos Estados Unidos”.

Dois: “A inflação cheia e as medidas subjacentes têm se situado acima da meta para a inflação e apresentam elevação nas divulgações mais recentes”.

Mas existiu também a sinalização ao mercado. O aceno à Faria Lima. Um presidente vai, outro vem. E a condução da política monetária segue o mesmo caminho. Um aumento final de 100 pontos com Campos Neto. Dois aumentos semelhantes com Galípolo.

É um recado e tanto. Sobretudo para um mercado financeiro que anda de mal com o governo – uma relação desgastada que já levou o dólar à R$ 6,20 e às alturas as taxas de juros futuras.

Foto de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil. Ele é homem, branco, usa óculos e usa paletó preto.
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil Foto: Raphael Ribeiro/BCB

Vida do novo presidente do BC será fácil?

Então, antes da conversa com os dois ex-BCs, eu tinha a impressão de que Gabriel Galípolo começaria na presidência do BC em desvantagem.

Sabe aquele time punido por fazer alguma coisa errada no ano anterior e perde dez pontos de largada no ano seguinte? Precisa ganhar dez para ficar no zero?

Não que Galípolo tivesse feito algo de errado. Não fez. Mas foi indicado por Lula. E o mercado leva isso em consideração.

Essa dúvida ficou para trás com os fatos mais recentes: a transição suave, o último anúncio do Copom e até o vídeo do presidente Lula dizendo que não vai interferir na gestão do indicado. Mas não quer dizer que Galípolo terá vida fácil.

O País não vai atingir a meta de inflação em 2024. Bem como periga não chegar em 2025. Suas decisões vão sofrer o escrutínio natural do mercado e o populismo fiscal sempre vai pairar no ar após o anúncio da isenção do Imposto de Renda em paralelo ao pacote fiscal.

Ao trabalhar no governo de São Paulo, mais precisamente na Secretaria de Transportes Metropolitanos, Galípolo ficou conhecido por ir até o local de um acidente gravíssimo – as obras do metrô romperam e uma cratera imensa se abriu – e supervisionar o resgate de uma van que o buraco havia tragado. O novo presidente do BC se enfiou embaixo da van para supervisionar o resgate.

Ele vai precisar de uma ação dessas por dia no próximo cargo.

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