Por que Haddad ficou preocupado com comunicado do BC sobre os juros?

Governo trava uma guerra política com BC; ex-diretor do banco diz que comunicado 'é perfeito'

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Adriano Machado/File Photo/Reuters
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Adriano Machado/File Photo/Reuters

A manutenção da taxa Selic em 13,75% pelo Banco Central foi prevista pela maioria do mercado financeiro brasileiro, à medida que não havia justificativa para baixar a taxa básica de juros — o contrário seria “dar um tiro no pé”, como disse Gustavo Loyola à Inteligência Financeira.

Mas foi o comunicado do BC que pegou o mercado de surpresa, e, junto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O ministro avaliou a nota como “preocupante”.

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Os juros não caíram por falta de pressão política. Após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trocar farpas públicas com Roberto Campos Neto, presidente do BC, no início do ano, horas antes do Copom auxiliares resolveram vociferar a insatisfação com o chefe da autoridade.

Afinal, a preocupação de Haddad é compartilhada por outras lideranças do governo.

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Mas, por quê?

Preocupação de Haddad está na questão fiscal

A Selic é a taxa básica de juros da economia brasileira e, quando ela aumenta, uma série de atividades encarecem. Empréstimos, financiamentos e até os juros dos cartões de crédito ficam menos acessíveis porque os juros sobre o pagamento se tornam maiores. É um instrumento para diminuir a inflação, principal objetivo do BC.

Com a manutenção da Selic a 13,75% ao ano, o Brasil continua com a maior taxa de juros real do mundo.

E, enquanto no cenário externo ocorre uma crise bancária somada à desaceleração, o Brasil sofre com restrições no mercado de crédito por alta taxa de inadimplência.

Tanto na pessoa física quanto jurídica. E a cereja no bolo é o caso de quebra da varejista Americanas.

A preocupação de Haddad e do governo é que essa taxa campeã mundial leve a economia brasileira a uma estagnação.

E, quando o BC sinaliza que pode aumentá-la ainda mais para conter a inflação, as sirenes soam no Planalto.

“Eu considerei o comunicado preocupante. Nós mostramos que as projeções de janeiro estão se confirmando. O Copom sinaliza uma possibilidade de subida da taxa, que já é a maior do mundo. A depender das futuras decisões, podemos comprometer o resultado fiscal. Daqui a pouco vai ter problema das empresas pra recolher impostos”, disse Haddad ontem em entrevista.

Ao contrário do previsto, o Copom considerou que a ausência do novo arcabouço fiscal como negativo para desancorar as expectativas sobre inflação:

“Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se a incerteza sobre o arcabouço fiscal e seus impactos sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública.”

A ausência da proposta formal do arcabouço foi desconversada por Haddad:

“O arcabouço pela PEC estava previsto para agosto. Isso não pode ter feito parte das considerações do Copom. Estamos com toda a cautela para entregar uma regra consistente para o médio e longo prazo. Para dar sustentabilidade para as contas públicas. É um comunicado preocupante porque abre perspectivas não desejáveis.”

‘Achei perfeito’ diz ex-BC sobre comunicado do Copom

Um ex-diretor do Banco Central, da área de Política Monetária que preferiu não se pronunciar abertamente, avaliou o comentário posterior a alta de juros como “perfeito”.

O motivo é a elaboração da nota, mesmo com o tom mais hawkish.

Para ele, o BC foi mais claro no que falta para melhorar a ancoragem das expectativas sobre inflação.

“Trocou a dúvida fiscal do comunicado anterior pelo desconforto da desancoragem, que é o relevante de verdade. Tirou os bullet points do comunicado e fez um texto corrido mais elegante também”, disse.

Do ponto de vista da política monetária, o comunicado foi o mais claro possível. O que não ajuda, diz esse ex-diretor do BC, é a briga entre o BC e o governo Lula.

Na visão do executivo, a nota dá a pista de que a autoridade está acompanhando de perto a crise bancária no exterior e as condições do crédito no Brasil.

Caso haja piora no cenário, o BC pode entrar com cortes de juros no 2º semestre, avalia.

Quem não gostou da manutenção da Selic?

Além de Haddad, outros setores expressaram preocupação com a manutenção da Selic. Vamos a eles:

Confederação Nacional da Indústria

A Confederação Nacional de Indústrias (CNI) divulgou uma nota em que considera a decisão do Copom na quarta-feira “equivocada”. Para a associação, o BC já deveria ter reduzido os juros nesta reunião, e diz esperar um corte na próxima.

“A CNI acredita que a manutenção da taxa de juros é, neste momento, desnecessária para o combate à inflação e apenas traz custos adicionais para a atividade econômica.”

“A Selic está há mais de um ano em patamar alto suficiente para contrair a atividade econômica e desacelerar a inflação. Atualmente, a taxa de juros real está em 7,7% ao ano, o que representa, 3,7 pontos percentuais acima da taxa de juros neutra da economia, aquela que não estimula nem desestimula a atividade econômica”, continua a CNI na nota.

“Na avaliação da CNI, é preciso que o governo tenha cautela na condução dos gastos públicos, para evitar que a taxa Selic permaneça em patamar alto, com prejuízo para a atividade econômica”, conclui a nota da confederação.

Sindicatos

Além da Indústria, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), uma das principais associações de sindicatos do país, criticou a decisão do BC.

“A CUT, comprometida com a classe trabalhadora e o povo brasileiro, protesta veementemente contra a decisão do Banco Central do Brasil de manter a inaceitável taxa básica de juros nas alturas. Uma decisão inaceitável e irresponsável que favorece rentistas e agiotas e prejudica aqueles que vivem de seus próprios salários, a classe trabalhadora, os comerciantes, os prestadores de serviços e os governos das três esferas”, diz a nota da central sindical.

Para a CUT, ao manter a Selic, o BC revela que está “em completa submissão aos interesses dos rentistas” e boicota o crescimento econômico.

Com a queda da taxa básica de juros, o governo gastaria menos com os juros da dívida e poderia alocar mais de seu Orçamento para investimentos em obras, o que levaria a uma melhoria na qualidade de vida, segundo a CUT.

Montadoras

A crise do setor automotivo com vendas parceladas de automóveis, que hoje representam apenas 30% do ramo, também preocupa Márcio Leite, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

Leite esteve reunido com Haddad na quarta-feira para apresentar um diagnóstico do setor, que não foi tão positivo.

“Há dois anos e meio, 70% das vendas do mercado eram a prazo. E 30% de suas vendas à vista. Agora, este mês, nós estamos vendendo 70% à vista e 30% a prazo. Isso significa que esse consumidor desapareceu e está indo para o mercado de [veículos] usados, e aqueles com mais de 10 anos de uso”, comentou Leite ao ressaltar que as montadoras gostariam de uma taxa de juros menor.

Ministro da Casa Civil

Rui Costa, chefe da Casa Civil, criticou chamou a decisão do Copom de “insensível”. Ele comentou que a dosagem dos juros está “amarga” e que não era só o governo que esperava um corte na Selic, mas também que “o que povo brasileiro espera”.

À Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Costa disse que a insensibilidade do BC aumenta o desemprego “e o sofrimento do povo brasileiro”.

“Essa insensibilidade do Banco Central só aumenta o desemprego e aumenta o sofrimento do povo brasileiro. Não dá para compreender essa decisão do Banco Central”, comentou o ministro. “Quando cair a taxa de juros fica mais fácil para o povo consumir, fica mais fácil para o empresário poder investir na agricultura, no comércio, na indústria”, acrescentou.

Para bancos, Copom acertou ao não mudar política monetária

Associação Brasileira de Bancos (ABBC) divulgou uma nota com créditos à decisão do BC de não alterar o rumo de política monetária.

Em face do que chamou de deterioração do ambiente externo, a associação diz que “o quadro de arrefecimento da atividade econômica ainda não produziu impacto relevante no balanço de riscos da inflação” para alteração na Selic.

Everton Gonçalves, superintendente da Assessoria Econômica da ABBC, aponta que “o Copom reiterou a sua mensagem de preocupação com a desancoragem das expectativas de inflação” a longo prazo.

“Por fim, apesar de o Copom não definir o balanço de riscos como assimétrico e manter a possibilidade de uma retomada do ciclo de ajuste monetário no caso de uma frustação com a evolução da dinâmica inflacionária, o nosso entendimento é de que a ponderação líquida, efeitos dos fatores de riscos de alta e baixa, aponta para uma pressão menor pelo lado da demanda, o que na próxima reunião poderá trazer um alívio no balanço de riscos da inflação”, explicou o porta-voz da associação de bancos.

BC está comprando briga política, diz economista

A definição da Selic, dessa vez, foi altamente politizada. A definição é do economista Robson Gonçalves, professor do MBA de Gestão Empresarial da FGV-SP.

Sob a pressão política, segundo Gonçalves, o Copom deu uma resposta com aparência técnica, mas “com um recado político”. A mensagem é a seguinte: não se derruba taxa de juros com manifestações públicas contra o Banco Central e a taxa de juros.

Nesse sentido, a preocupação de Haddad é de que o debate continue “politizado” apesar do clamor de sindicatos e setores da economia para cortes na taxa.

“Ser politizada é o grande motivo de preocupação da Selic. Deveríamos discuti-la a nível técnico e a natureza da inflação, que não é uma inflação de demanda, mas estamos vendo uma troca de tiros”, diz Gonçalves.

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