‘Inflação da guerra’ vai elevar preços e reduzir produção de frango, além de encarecer passagens aéreas e carros

Insumos como ração animal, querosene de aviação e semicondutores para indústria automobilística já estão mais caros

(Foto: Pixabay)
(Foto: Pixabay)

O choque inflacionário iminente provocado pela disparada do preço do petróleo e de alimentos no mercado internacional, consequência direta da invasão da Ucrânia pela Rússia, chega ao Brasil num momento em que as famílias já estão há seis meses convivendo com um patamar de inflação acima de 10% ao ano.

O país já vinha sofrendo pressões com o aumento da conta de luz em razão da crise hídrica e escassez de matérias-primas, como semicondutores. Parte disso, em especial o último fator, permanece.

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O conflito no na Europa adiciona novos elementos: elevou as cotações de grãos, como o milho e o trigo, e tornou a cotação do petróleo ainda mais volátil. O barril do tipo Brent fechou a sexta-feira cotado a US$ 112,42, mas durante a semana encostou em US$ 140, próximo da máxima histórica.

Esse cenário já causa por aqui um efeito cascata que afeta os preços desde itens básicos do dia a dia até os sonhos de consumo típicos da classe média: vai da alta da gasolina, passando pelo reajuste dos preços das carnes de frango e suína, à falta de material para a produção de automóveis.

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Mesmo que o governo consiga pôr em prática todos os projetos no Congresso para conter a alta do combustível e tente aliviar o aperto no orçamento das famílias com mais recursos públicos, o remédio pode não ser suficiente, segundo Juliana Inhasz, professora de Economia do Insper.

“O conflito na Ucrânia tem efeitos diretos e indiretos sobre a economia brasileira. Vamos sofrer um efeito dominó, a inflação vai se espalhar. O mais óbvio é o aumento dos custos logísticos com os derivados de petróleo mais caros, já que dependemos muito do modal rodoviário, mas há muito mais”, afirma ela.

A carne de aves e suínos ficará mais cara porque os animais são alimentados com milho e farelo de soja. Com frete e grãos mais caros, os alimentos in natura, de modo geral, devem encarecer.

“Isso terá impacto nos preços de alimentação fora de casa e de processados”, diz.

Nesse panorama, eventuais novas subidas da taxa de juros teriam alcance limitado para controlar a inflação, ressalta Juliana.

Embora o governo federal tenha corrido para aprovar um pacote por meio do qual abre mão de arrecadação via redução temporária de impostos para mitigar a alta de combustíveis, a medida tem efeitos colaterais.

“O governo propõe uma medida paliativa que não pode se prolongar por muito tempo. Sem saber quanto vai durar a guerra, é arriscado. Mais acertado seria de fato ter esse prejuízo inicialmente, mas depois buscar mecanismos de subsídios só para os menos favorecidos, financiados pelos que têm mais”, conclui.

Proteína: Frango e porco mais caros, e produção deve cair

Os preços de carne suína e de aves estão represados há meses e, com a alta de insumos como o milho e a soja em meio à invasão da Ucrânia pela Rússia, a pressão de custos precisará ser repassada ao consumidor final, segundo Luis Rua, diretor de Mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

De acordo com analistas, fazer o repasse em meio a um cenário de inflação já elevada, economia estagnada e renda das famílias baixa não será trivial. A saída deve ser a redução da produção brasileira, segundo Leonardo Alencar, líder de Agro da corretora XP.

O preço do ovo, alternativa de fonte de proteína mais comum em momentos de custo elevado da carne, também deve subir.

Para o diretor da ABPA, parte da oferta brasileira deve ser capturada por mercados internacionais hoje atendidos pelas exportações ucranianas de frango. O país exportava anualmente 430 mil toneladas de frango, em especial a países da União Europeia e do Golfo Pérsico.

Renda não acompanha

A Ucrânia também é uma importante produtora de milho. O país e a Rússia respondem por cerca de 20% das exportações globais do grão.

O conflito deve comprometer o plantio da safra, especialmente no país invadido pelas tropas do governo do presidente russo Vladimir Putin. Por isso, a quebra da produção já é dada como certa. A safra na região é anual, diz Alencar, diferentemente do Brasil, que tem duas safras ao ano.

A alta contínua do preço dos insumos e o choque de oferta vão pressionar ainda mais os produtores brasileiros, de acordo com Rua. No Brasil, a saca de 60 quilos de milho subiu de R$ 97,34 em 25 de fevereiro para R$ 103,57 na última sexta-feira, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), alta de 6,4%.

“Mesmo com a perspectiva de uma safra de grãos melhor do que no ano passado, o custo tem aumentado e vai ser necessário repassar para o consumidor. Soja e milho aumentaram 150% desde o segundo semestre de 2020. Os custos industriais neste último ano também tiveram alta, especialmente o plástico, na ordem de 75% em 12 meses, e o diesel, cerca de 40%”, explica o diretor da ABPA.

A alta média do preço do frango no país nos últimos dois anos, de acordo com o executivo, foi de aproximadamente 50%, o que comprimiu margens.

“Há uma necessidade de repasse ao preço final, que varia dependendo do porte do produtor: pode ser de 5% em um e 15% em outro. É melhor o consumidor pagar mais caro agora do que não ter alguns produtores de frango, “, defende Rua.

Até junho, segundo ele, “os custos de produção e logísticos não devem retroceder”.

Para Alencar, da XP, o repasse de custos no cenário atual é complexo, uma vez que a renda média do consumidor não tem acompanhado a inflação.

“Mesmo as empresas que decidam repassar custos, não sabem ainda em que grandeza vão fazê-lo, porque as pressões continuam. Há um aumento represado de fato que os produtores precisam solucionar, mas entramos em 2022 com um cenário desafiador, o comprometimento do orçamento familiar com alimentação já é alto”, explica Alencar, da XP.

Com reportagem de Ivan Martínez-Vargas e Raphaela Ribas, de O Globo.

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