Viagem de Lula à China pode definir acordo para comércio sem uso do dólar

Países discutem a possibilidade de comércio em moedas locais e a autorização de um banco brasileiro participar do sistema de pagamento chinês

Presidente Lula em discurso no Palácio do Planalto. Foto: Ricardo Stuckert/PR
Presidente Lula em discurso no Palácio do Planalto. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Em meio à expectativa de remarcação da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, que pode ocorrer ainda em abril, o governo brasileiro sinalizou na quarta-feira (29) que durante a visita serão assinados contratos de parceria envolvendo Embraer, BYD, entre outras gigantes empresariais, além da possibilidade de comércio em moedas locais, sem uso do dólar, e a autorização de um banco brasileiro participar do sistema de pagamento chinês.

Esses foram temas abordados no encerramento da agenda com investidores brasileiros e chineses em Pequim, promovida pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), no qual estava prevista a participação de Lula antes de o presidente adiar a viagem devido a problemas de saúde. Ela pode ocorrer no dia 11 de abril, de acordo com informações preliminares do governo brasileiro.

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A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, enumerou medidas entre as instituições financeiras de Brasil e China que vão reduzir os custos das transações mútuas: a possibilidade de comércio em moedas locais, e autorização de um banco brasileiro participar do sistema de pagamento chinês. Já o diretor de operações da BYD na América Latina e gerente geral no Brasil, Li Tie, confirmou as negociações com o governo brasileiro para iniciar a fabricação de carros elétricos no país. “Vamos produzir carros localmente no Brasil, esse projeto está em andamento”, afirmou.

Uma articulação de bastidores, capitaneada pelo governo da Bahia, prevê que a BYD, maior fabricante de veículos elétricos e híbridos da China, compre a fábrica da Ford em Camaçari. A BYD investiria R$ 3 bilhões nas novas instalações e abriria pelo menos 1,2 mil vagas na nova planta para fabricar carros elétricos, bem como chassis de caminhões e ônibus. Em contrapartida, o governo baiano concederia incentivos fiscais aos chineses até 2032.

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No começo do mês, a Ford divulgou um comunicado esclarecendo que o negócio não havia sido concluído, mas que as tratativas continuavam. Em 2021, quando anunciou o encerramento da produção de veículos no Brasil, a Ford demitiu 4 mil trabalhadores somente no pólo de Camaçari.

O executivo da BYD também demonstrou interesse no mercado de ônibus elétricos no Brasil, ao citar a legislação que proíbe a aquisição dos veículos zero quilômetro movidos a diesel. No ano passado, a SPTrans, responsável pelo transporte coletivo na cidade de São Paulo, publicou norma que proíbe ônibus novos de combustível fóssil. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) espera que até 2024, 20% da frota na capital paulista seja de ônibus elétricos. Esse número atualmente é de 1,6%.

“Vamos aprofundar essa parceria China-Brasil”, disse Li Tie. “O governo brasileiro tem trabalhado pela redução do carbono, para melhorar as mudanças climáticas e pelo desenvolvimento verde”, comemorou. No Brasil, a BYD está presente por meio de uma rede de concessionárias em parceria com o Grupo Saga. São 32 centros de venda, que os chineses querem ampliar para 100.

Em paralelo, o CEO da Embraer, Francisco Gomes Neto, sinalizou que a fabricante de aviões e jatos executivos anunciará um contrato de vulto com os chineses. Nos bastidores, fala-se em uma venda de 20 aeronaves. “A China vai ter um dos maiores tráfegos aéreos do mundo, a Embraer pode ter contribuição nesse processo de crescimento”, disse o executivo. “Iniciamos conversas com governo chinês e parceiros locais para uma parceria mais ampla”, complementou.

Gomes Neto adiantou que os aviões da família E2 podem ter papel importante no fortalecimento da aviação regional chinesa. “O E190 com até 100 assentos é perfeito para conectar cidades de pequeno e médio porte nas regiões montanhosas da China, e o E195 para cidades de médio porte com hubs e rotas internacionais na vizinhança da China”, afirmou.

Ele citou como vantagens uma economia de 25% de combustível e 30% de ruído. “Não sabemos o formato, mas temos um leque de opções”, disse. Ele acrescentou que o segmento de manutenção de aeronaves e desenvolvimento de combustíveis sustentáveis é outra aposta no país.

No rol de contratos e convênios divulgados, a Suzano Papel e Celulose, líder do segmento, assinou três acordos com parceiras chinesas. Com a COSCO Shipping, a Suzano contratou a construção de cinco navios de transporte de celulose e produtos de base biológica. A empresa também inaugurou neste mês um “hub” de pesquisas em inovação na Cidade da Ciência de Zhangjiang, em Shanghai.

A Vale firmou sete acordos com os chineses. Um deles foi pactuado com a XCMG para desenvolver primeira motoniveladora zero emissão do mundo com porte para mineração. Com o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) e o Bank of China, a Vale assinou acordos de cooperação financeira envolvendo linhas de crédito para mineração no Brasil e projetos pelo mundo.

A Odebrecht Engenharia, a Power China e a Sete Partners firmaram uma parceria para desenvolver soluções conjuntas de projetos de infraestrutura no Brasil. E a Sete Partners e a Tianjing Food Group assinaram acordo de criação de uma binacional para ampliar investimentos na cadeia agrícola brasileira, inclusive em logística. Por fim, a Apex e a Beijing Hycore Innovations vão apoiar startups brasileiras que queiram estabelecer negócios com a China no setor de empreendedorismo.

O banco BOCOM BBM vai aderir ao sistema de pagamento chinês para reduzir o custo das transações comerciais de câmbio direto entre Real e RMB, a moeda chinesa. Dessa forma, a sucursal brasileira do banco ICBC passa a atuar como banco de compensação do RMB no Brasil.

Durante sua exposição, Rosito mencionou a assinatura, no fim de janeiro, de um memorando entre o Banco Central chinês e o brasileiro para a designação de bancos que poderão fazer a compensação direta entre o RMB, a moeda chinesa, e o real brasileiro. Ela argumentou que essas medidas se concretizam num cenário de crescimento e influência da economia chinesa no mundo, mas salientou que o dólar americano é e continuará sendo, por muito tempo, a moeda principal das transações internacionais.

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