Marco cripto reconhece implicações dos ativos digitais, mas efeitos práticos podem levar mais de um ano

Marco das criptos é princípiológico e deixou NFTs e stablecoins de fora, mas já ajuda a coibir fraudes e pirâmides, avaliam especialistas

Marco das criptos é principiológico, mas já coíbe fraudes, dizem especialistas (Ilustração: Renata Miwa)

Após sete anos de tramitação, ontem foi aprovado o Marco Regulatório dos Criptoativos, que pela primeira vez formaliza na legislação brasileira o mercado cripto, estabelecendo algumas regras mínimas para o funcionamento da atividade do setor.

Em primeiro lugar, advogados e executivos do setor apontam que a legislação é principiológica, ou seja, não vai no detalhe de como o prestador de serviço deve agir, mas acaba sendo importante por colocar a indústria na legislação. Só esse fato, na avaliação de especialistas, já deve coibir um pouco das fraudes e esquemas de pirâmides que marcaram os últimos dez anos do mercado cripto brasileiro.

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“Dá um caráter institucional para o mercado e irá assegurar mais conforto e segurança jurídica para os investidores, fator imprescindível para a continuidade do desenvolvimento e crescimento desse mercado no país”, diz Erik Oioli, sócio do VBSO Advogados.

Como o marco cripto coíbe fraudes?

A lei estabelece o que são ativos virtuais, diz que as prestadoras de serviços somente poderão funcionar no país “mediante prévia autorização” de um órgão a ser definido pelo Executivo (provavelmente o Banco Central) e obriga as empresas do setor a seguirem regras de “boas práticas de governança”, “segurança da informação e proteção de dados pessoais”, “proteção e defesa de consumidores”, “proteção à poupança popular”, “solidez e eficiência das operações” e “prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo”.

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Oioli explica que o presidente Jair Bolsonaro tem 15 dias úteis para sancionar e, a partir da promulgação, entrará em vigor 180 dias após sua publicação. Depois que a lei começar seu período de vigência, o BC (ou outro órgão regulador que o governo indicar) terá mais seis meses para criar as próprias regras. “Por isso, provavelmente teremos novidades no final do próximo ano”, afirma.

Isac Costa, sócio do Warde Advogados e professor do Ibmec e do Insper, diz que ainda haverá um longo caminho para o detalhamento da regulação. “Até lá, dificilmente teremos uma aplicação eficaz de qualquer norma. Talvez a lei leve até dois anos para ter algum efeito prático, o que me leva a crer que sua aprovação é um ato meramente simbólico. Porém, ruim com ela, pior sem ela”, diz.

Novo marco deixa NFTs e stablecoins de fora

Marcelo Castro, advogado da área de direito digital do Machado Meyer, lembra que ser um regramento principiológico e em discussão há muito tempo faz com que muitos temas atuais não tenham entrado na redação. No contexto em que a proposta foi elaborada, não existiam por exemplo tokens não-fungíveis (NFTs, na sigla em inglês), stablecoins (moedas digitais atreladas a divisas emitidas por bancos centrais), jogos NFT ou CBDCs (moedas digitais de bancos centrais).

“Por mais que tenham ficado algumas lacunas, como um regime de emissão e negociação de stablecoins, NFTs e atividades de DeFi, mesmo assim temos um bom motivo para comemorar”, ressalta.

Um ponto importante da lei é que a redação aprovada ontem na Câmara não contemplou um dispositivo que havia sido incluído pelo Senado e que obrigava as empresas do setor a separarem os recursos de seus clientes do dinheiro do balanço da própria corretora, impedindo assim que emprestassem esses valores como fazem os bancos.

Risco de insolvência de exchanges não foi tratado

A segregação opôs dois interesses no Brasil, o das corretoras estrangeiras como a Binance, que é líder no país, e as corretoras nacionais representadas pela Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto).

O argumento das plataformas nacionais é de que manter fora do balanço da corretora o dinheiro do cliente evitaria problemas de insolvência por excesso de alavancagem e reduziria as possíveis fraudes. As estrangeiras, por sua vez, dizem que a ferramenta seria uma amarra que inviabilizaria alguns produtos relacionados ao setor, como o empréstimo de criptoativos. Para elas, a exigência de provas de reserva sanaria de forma mais assertiva as preocupações com a segurança dos recursos dos usuários. No lugar da segregação patrimonial, as exchanges estrangeiras defendem a constituição de um fundo para ressarcir poupadores, a exemplo do que ocorre com o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) nos bancos.

“Foi um ponto amplamente debatido e que, infelizmente, não foi aprovado. Ganhou uma relevância por conta desses problemas que temos visto com a exchange FTX. Porém, não significa que no âmbito infralegal, o órgão regulador não possa criar normas que limitem ou impeçam que as exchanges façam uso dos ativos dos seus clientes”, ressalta Oioli.

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