Mário Mesquita, do Itaú: ‘Seria um choque para o sistema se Jerome Powell fosse removido’
O economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, avalia que o mundo está vivendo um choque de incertezas, o que exige mais cautela e atenção dos investidores. Além disso, ele acredita que a guerra tarifária começa a chegar à economia real, como indicaram dados recentes da economia dos EUA, que mostraram a antecipação da compra de bens impactados pela política de tarifas do presidente Donald Trump.
“A economia mundial e americana, especificamente, foram submetidas a um choque de incerteza. Quando há incerteza, quando a incerteza aumenta, ela sempre exige. Mas quando ela aumenta, o investimento, as empresas tendem a ficar mais cautelosas para investir. As pessoas mais cautelosas para comprar”, disse o economista em entrevista ao Valor Econômico.
Ele ressaltou que, mesmo nesse ambiente, houve antecipação na compra de alguns bens de consumo já como reflexo prévio da questão tarifária.
Em Washington para as reuniões de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos Banco Mundial, realizadas ao longo desta semana, o economista destacou que, embora o efeito das tarifas sobre a inflação ainda seja incerto, há sinais de que os Estados Unidos possam registrar pressão inflacionária, o que complicaria a atuação do Federal Reserve (Fed), banco central dos EUA.
“A tarifa é um choque de preços. Por outro lado, ela tira a renda real e a incerteza também inibe a demanda”, pontuou.
Diante deste contexto, a instituição revisou para baixo suas projeções de crescimento do PIB mundial para 2025 e 2026, passando de 3,2% e 3,1% para 2,7% e 2,6%, respectivamente. A instituição também reduziu a previsão de crescimento do PIB dos EUA, de 2% para 1,2% em 2025 e de 1% para 2026.
Ao falar sobre investimentos, Mesquita defendeu cautela e diversificação de carteira e também alertou para o risco de reprecificação dos títulos do Tesouro Americano (Treasuries), tradicionalmente vistos como um ativo livre de risco global. Com o aumento das dúvidas sobre a trajetória fiscal dos EUA, a percepção do mercado sobre os Treasuries começa a mudar, segundo o economista.
“Eu diria que nesse momento é mais importante ainda você ter um portfólio diversificado, diversificação vai te dar resiliência. Tem uma peculiaridade adicional do momento atual, que o ativo sem risco do mundo é a Treasury. Só que, no momento que começa a ter dúvidas sobre a trajetória fiscal dos Estados Unidos, a perspectiva que o mercado tem em relação a esse ativo começa a se alterar um pouquinho. Isso acaba afetando todos os outros, inevitavelmente”, afirmou.
Apesar disso, ele não vê risco iminente à hegemonia do dólar como moeda de reserva.
“O dólar pode depreciar no mundo, porque ele está em um nível muito forte. A exposição dos investidores internacionais a ativos americanos, que era exageradamente elevada, está sendo corrigida”, comentou o economista que reforçou que, apesar de uma depreciação, não existe nenhuma alternativa aparente ao dólar como moeda de reserva.
Brasil e a guerra comercial
Na visão de Mesquita, o Brasil, apesar de ter sido afetado pelas tarifas sobre o aço, não foi um dos países mais penalizados na nova rodada da guerra comercial.
“As tarifas aplicadas ao Brasil foram da ordem de 10%, enquanto outros países enfrentaram taxas de até 40%. Nesse contexto, o país se saiu relativamente bem”, ponderou.
Ele também vê como positiva a melhora recente no tom das negociações entre Estados Unidos e China, lembrando que em seus cenários o Itaú Unibanco coloca como “muito difícil um divórcio completo e permanente das economias americana e chinesa”.
“Não é que daqui a pouco a gente vai ter um acordo comercial, parece difícil ter isso, mas pelo menos tem se falado mais em negociação do que se falava há poucos dias”, destacou.
Autonomia do Fed e riscos políticos
Questionado sobre a recente tensão entre o presidente Donald Trump e o presidente do Fed, Jerome Powell, Mesquita foi enfático ao defender a independência dos bancos centrais.
“Os bancos centrais são autônomos exatamente para que eles possam fazer a política monetária independente do calendário político eleitoral. E esse é um arranjo que tem funcionado bem, inclusive nos Estados Unidos”, disse Mesquita.
O economista lembrou ainda que o Fed tem um mandato claro de metas para cumprir e que as pressões políticas são prejudiciais.
“O Fed tem seus objetivos, tem sua meta, e está preocupado também com a inflação, com as expectativas de inflação, como deve ser. Então, acho que também, nesse aspecto, a retórica mudou. Acho que se o Jerome Powell fosse removido, seria um choque para o sistema”, avaliou, lembrando que qualquer um que substituísse o presidente do Fed não teria credibilidade para conduzir o banco central americano.
Ele lembrou ainda o exemplo histórico de Arthur Burns nos anos 1970, quando cedeu às pressões da Casa Branca, o que resultou em uma espiral inflacionária. “A independência de fato é mais importante do que a legal. E o Fed, desde então, carrega essa lição como uma vacina institucional”, completou.
Com informações do Valor Econômico
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