Mercado põe ‘risco covid’ novamente no radar

A disseminação de uma nova onda de covid-19 mudaria sensivelmente o cenário global, mas as recomendações para Brasil se alterariam pouco, segundo Ronaldo Patah, estrategista-chefe do UBS

Patah, do UBS Consenso: Investidor vai conviver com incerteza nas próximas semanas, o que reforça indicação para renda fixa — Foto: Luis Ushirobira/Valor
Patah, do UBS Consenso: Investidor vai conviver com incerteza nas próximas semanas, o que reforça indicação para renda fixa — Foto: Luis Ushirobira/Valor

A derrubada dos mercados globais na sexta-feira, em meio ao receio de que uma nova variante do coronavírus se espalhe, foi um sintoma de que a chave de risco pode mudar radicalmente – de preocupações com pressões inflacionárias se alastrando, com reversões das políticas fiscais e monetárias frouxas, a um cenário que volte a atingir em cheio a a atividade econômica.

Participantes do mercado acham prematuro traçar prognósticos, e veem as próximas semanas como cruciais para ter uma percepção mais clara do que está por vir: se mais um “round” da pandemia entra no radar ou se o movimento de venda generalizada de ativos não passou de um susto.

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“Caso se confirme uma variante mais contagiosa, voltamos para o ‘playbook’ de um ano e meio atrás: um movimento de aversão a risco grande, com bolsas para baixo, juros para baixo, inflação para baixo com queda grande de demanda e potencialmente um dólar mais forte globalmente porque as pessoas vão querer segurar uma reserva de valor”, diz Rodrigo Cruz, economista e gestor de moedas e renda fixa da Meraki Capital.

Essa não é ainda a hipótese com que a casa trabalha. O que vai definir se esse vai ser um tema para os próximos dois ou três meses, ou se será esgotado em uma semana, prossegue, é o quão duradouros e incidentes vão ser as políticas de restrição de circulação (“lockdown”), a exemplo do que já se vê na Áustria e com a Alemanha cogitando algo parecido.

Para se proteger de um ambiente potencialmente mais adverso, a Meraki comprou dólar contra o real na sexta-feira, e montou algumas estruturas que ganhariam com a baixa das bolsas lá fora via opções. Com os preços das ações esticados, uma ameaça à atividade econômica tende a engatilhar novos movimentos de realização de lucro. “É o plano de voo até que se tenha clareza se é um ruído ou algo mais permanente”, diz o gestor.

Em relatório a clientes, o chefe de pesquisa econômica do Barclays, Christian Keller, lista questões consideradas fundamentais no banco em relação à variante. “A ômicron é mais transmissível ou mais letal que as cepas anteriores? Qual a eficácia das vacinas atuais contra a ômicron e/ou quanto tempo levaria para desenvolver e distribuir novas vacinas eficazes? Quão difundida já é a variante ômicron? Responder a essas perguntas pode levar semanas, o que significaria uma incerteza elevada para o restante do ano.”

Para Keller, o pior cenário envolveria começar um novo processo de imunização do zero, enquanto o resultado mais benigno seria a descoberta de que a variante “não é muito mais transmissível nem mortal do que as anteriores e que as vacinas existentes são eficazes”.

A disseminação de uma nova onda de covid-19 mudaria sensivelmente o cenário global, mas as recomendações para Brasil se alterariam pouco, segundo Ronaldo Patah, estrategista-chefe do UBS Consenso. Isso porque a indicação da divisão de fortunas do grupo suíço no Brasil já era para reforçar a exposição em renda fixa em detrimento da renda variável. Um possível efeito colateral seria o Banco Central talvez não precisar elevar tanto a Selic. “Melhor ainda para a renda fixa, e bolsa tem que evitar.”

Uma nova onda de covid-19 não está contemplada nas análises do UBS Consenso, por enquanto. “Mesmo que seja uma variante mais difícil de se combater, a probabilidade é que tenha algum impacto da vacina. É isso que vai ser estudado nas próximas duas semanas”, diz Patah. Até lá, o mercado vai conviver com essa incerteza.

Na visão do economista-chefe do Haitong no Brasil, Marcos Ross, o difícil, neste momento, é saber a complexidade que a nova cepa trará quando comparada com as anteriores. “O mercado, em um primeiro momento, precifica uma desaceleração da atividade global, principalmente ao ver o núcleo duro da Europa em princípio de ‘lockdown’”, observa.

O profissional, porém, alerta para possíveis efeitos secundários que podem afetar os mercados mais à frente, como questões relacionadas ao deslocamento da oferta e implicações em maior preço. “No primeiro momento, o mercado precifica mais esse efeito imediato de possível retração da atividade, mas, conforme formos vendo possíveis reações nos ‘PPIs’, a depender do tamanho do problema com essa nova cepa, pode ser um termômetro dos preços”, afirma Ross, ao se referir a índices de preços ao produtor ao redor do globo.

Em nota, os economistas Marcos Pessoa, César Garritano e Daniel Charles, da Renascença, destacam que um dos grandes pontos de cautela no momento “é ter em mente que o governo da China mantém a política de tolerância zero à covid-19”. Assim, alertam que novos episódios de “lockdown” na China ou em outros países na Ásia “tendem a reforçar o panorama de desarmonia para as cadeias globais de suprimentos”.

Visão semelhante é defendida por Tony Volpon, estrategista-chefe da WHG. “O mercado adora repetir o mesmo erro”, escreveu o ex-diretor do BC em sua conta no Twitter, ao lembrar que, mesmo com o impacto da variante delta nos Estados Unidos, a inflação ficou acima de 5% e alcançou 6,2% em outubro. “O choque atual é inflacionário!”, disse. Na sexta-feira, porém, as taxas dos Treasuries sofreram um forte tombo.

E, embora seja cedo para falar sobre desdobramentos da ômicron, Marcos Mollica, gestor do Opportunity Total, acredita que o estrago potencial será no crescimento global e que uma das consequências seja o Federal Reserve (Fed, o BC americano) adiar altas de juros, o que faria economia dos EUA rodar com estímulos por mais tempo do que se prevê hoje.

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