Mulheres com mais de 50 anos quebram tabus sociais

Elas ocupam novos espaços no mercado de trabalho, no entretenimento, na política e no consumo

Foto: Hudson Pontes / Agência o Globo.

A marca dos 50 anos não deveria ser o gatilho para que as mulheres pensem em se aposentar do trabalho e das grandes paixões. “Que sejamos rebeldes, desobedientes e livres”, prega a atriz Andrea Beltrão, 58 anos. Coincidentemente, sua personagem Rebeca, na telenovela “Um Lugar ao Sol”, cujo último capítulo a Globo exibe hoje, reflete esse espírito. “Quis provocar e atrair o público para as situações da personagem e mostrar que cabe a nós derrubar preconceitos e barreiras”, diz a atriz sobre a bem-sucedida ex-modelo que se relaciona com rapaz bem mais jovem.

Rebeca foi a maneira de a novelista Lícia Manzo, de 56 anos, preencher o que percebe ainda como uma lacuna no mundo do entretenimento: “Sinto falta do protagonismo das mulheres de 50 ou mais na ficção”, diz. “É como se, ao chegar nessa idade, os conflitos se reduzissem à interação com filhos ou netos. Uma mulher dessa idade parece esgotada ou passível de ser aposentada profissional e amorosamente? Como conjugar maturidade e experiência com necessidade de alçar novos voos? O desejo é que a novela levante boas perguntas.”

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A atriz e produtora teatral Claudia Raia, de 55 anos, celebra isso. “Há escassez de papéis de protagonistas para mulheres 50+ e atrizes muito jovens são escaladas para personagens de 45 e 50 anos. E muitas vezes elas não fazem tanta diferença na história. Por isso, é uma alegria ver Andrea Beltrão brilhando com uma personagem cheia de nuances, questionamentos e que escancara todos os preconceitos”, diz.

Claudia Raia vem há cinco anos falando das mulheres 50+ nas redes sociais – ela possui 7,6 milhões de seguidores no Instagram – e numa coluna da revista “Vogue”. Ela vê a necessidade de aumentar a participação desse grupo na mídia em geral. “As atrizes Jane Fonda e Helen Mirren estrelam campanhas de cosméticos [Uncle Bud’s e L’Oréal, respectivamente]. Aqui ainda é um movimento embrionário”, diz.

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O que representantes mais vocais dessa geração querem é quebrar antigos paradigmas. Foi o que a executiva Telma Ribeiro, formada em direito, com pós- graduação em negócios executivos e em relações internacionais, pretendeu quando decidiu trocar aos 50 anos a área internacional de um grande banco pela carreira de personal stylist nas redes sociais. “Você não é mais obrigada a ficar presa a um estereótipo de que cada idade pode usar essa ou aquela roupa. Os 50 não são os novos 30! São os novos 50! Estamos mais felizes e bem resolvidas”, afirma.

Os economistas Andrew Oswald, da Universidade Warwick, na Inglaterra, e David Blanchflower, do Dartmouth College, nos Estados Unidos, até identificaram uma “curva da felicidade” confirmando a afirmação de Ribeiro. Desenhada a partir de um estudo de 2018 que utilizou dados relativos a 2 milhões de pessoas em 72 países, a curva tem ponto mais baixo aos 46 anos e ápice no final da vida.

“O papel da vovó em casa tricotando não cabe mais nas mulheres de 50 anos ou mais”, diz a jornalista Ana Paula Padrão, 56, que aos 47 resolveu deixar a bancada de um telejornal para se dedicar a questões femininas no portal Tempo de Mulher e na plataforma de empreendedorismo feminino Escola de Você, junto com a jornalista Natália Leite. “Mas elas continuam aplaudidas por parte da mídia como quem ‘está muito bem para a idade’ e o que podem fazer de melhor é usar tempo, conhecimento e opiniões próprias para mudar a sociedade e serem valorizadas por isso.”

A também jornalista Maria Cândida, que entrou recentemente no grupo das 50+ e tem abordado questões dessa faixa etária em palestras e nas redes sociais, onde tem 322 mil seguidores, destaca o desafio que o preconceito impõe: “A maioria das minhas seguidoras, aos 40 anos, está separada e sem independência financeira, pois precisou cuidar dos filhos e não teve educação financeira. Então entra nos 50 sem conseguir voltar à carreira e se reposicionar”.

De maneira geral, porém, essas mulheres formam um grupo de renda superior à média dos brasileiros e que gastam mais com elas mesmas. E é um grupo cada vez maior: o IBGE estimou que havia cerca de 54 milhões de brasileiros com mais de 50 anos em 2019, número que deve chegar a 98 milhões até 2050. As mulheres, que vivem em média sete anos a mais do que os homens, são ainda mais maioria nessa faixa.

Mas muitas sentem que não recebem a devida atenção. “Existe uma ‘vontade’ de falar com essas mulheres, porque money talks. Mas as mulheres de 50+ na ficção continuam sendo inatingíveis para a maioria. Corpos com muita intervenção cirúrgica e muito filtro”, diz a figurinista Claudia Kopke.

A queixa se estende à indústria de bens de consumo. Pesquisa divulgada em 8 de março de 2020 pelas consultorias Dezon Creative & Prospective e Hype 60+ mostrou, por exemplo, que 83% dessas mulheres consideram beleza importante e 80% consomem cosméticos, mas 90% delas dizem que a publicidade desses produtos não as representa.

“Tenho uma pele muito diferente daquela de antes da menopausa, a textura do cabelo mudou, tenho outras necessidades e não as vejo minimamente atendidas, nem na formulação dos produtos nem na publicidade deles”, diz Ana Paula Padrão.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva e divulgada em dezembro de 2019 mostrou que as mulheres 50+ haviam movimentado, naquele ano, R$ 1,8 trilhão, o equivalente a 42% do consumo das famílias brasileiras. Desse montante, R$ 902 bilhões vinham do trabalho, R$ 672 bilhões das aposentadorias, R$ 1,5 bilhão das pensões e R$ 35 bilhões de outras fontes de renda. O turismo era o setor de maior investimento financeiro desse público (52%), seguido por economizar (40%), empreender (38%), mudar de casa (24%) e estudar mais (20%).

“Nossos hábitos de consumo têm a ver com esses interesses múltiplos: produtos de cuidados com a pele, vestuário, carros, viagens, livros, cursos, experiências. Somos

consumidoras em plena atividade e não aceitamos qualquer coisa”, diz a publicitária Cris Guerra, que, em 2020, aos 50 anos, criou o podcast “50 Crises”.

Mas há mudanças em curso. O engenheiro de software Morris Litvak, por exemplo, criou uma plataforma com capacitações e eventos gratuitos para pessoas 50+ voltarem a trabalhar. “As mulheres que se cuidam e, principalmente, se atualizam, estão normalmente no auge intelectual e têm mais empregabilidade”, garante.

“As mulheres 50+ constroem suas carreiras há muito tempo e agora ganham visibilidade e espaço, e isso tende a crescer, pois a luta por mais mulheres na política faz com que o próprio sistema as busque mais”, explica a cientista social Beatriz Della Costa Pedreira, cofundadora e codiretora do Instituto Update, que pesquisa e fomenta a inovação política na América Latina.

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