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Nova âncora fiscal prevê trava para gasto permanente e flexibilidade em investimento e gasto social
O governo tem pressa para concluir o novo conjunto de regras para as contas públicas não só para dar uma sinalização ao mercado sobre responsabilidade fiscal, como para elaborar as bases do Orçamento de 2024. O risco de construir a “prévia” da proposta orçamentária com recursos escassos é um dos motivos que levaram o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a adiantar a apresentação da nova âncora fiscal, que ele pretende enviar ao Congresso em março.
O desenho das novas regras para as contas públicas não está fechado, mas deve prever uma sinalização para a contenção de gastos públicos e para garantir sua previsibilidade. Uma das intenções é estabelecer algum tipo de trava para as despesas permanentes, como salários.
A ideia é evitar que um boom de arrecadação, por exemplo, seja usado para bancar gastos permanentes.
Em compensação, a equipe econômica também desenha uma regra com um caráter mais “flexível”. Se, de um lado, ela deve ter uma trava para impedir que os recursos sejam consumidos em despesas permanentes, de outro deve autorizar aumento de investimento e gasto social em momentos de crise. E também vai rever metas e parâmetros ao longo do tempo.
Sem meta de dívida
Uma crítica de auxiliares de Haddad é que regras fiscais não podem acentuar momentos econômicos. Ou seja, elas deveriam travar gastos em épocas de bonança e não permitir que eles se retraiam em períodos de recessão.
Com a nova âncora fiscal, o governo quer garantir e sinalizar para o mercado que a relação dívida/PIB ficará estável ou entrará numa trajetória de redução. Porém, não está prevista uma meta de dívida. A dívida bruta brasileira fechou o ano de 2022 equivalente a 73,5% do PIB, o menor percentual desde 2017.
A intenção é que, com essas ações, o país volte a ter o chamado grau de investimento das agências de classificação de risco, uma espécie de selo de qualidade ao investidor, até o fim do mandato do presidente Lula, em 2026.
Em abril de 2008, o Brasil ganhou o grau de investimento pela primeira vez em sua História, conferido pela Standard & Poor’s. A decisão foi seguida pelas outras agências: Fitch, no mês seguinte, e Moody’s, em setembro de 2009. Esse “selo” foi retirado entre 2015 e 2016, diante da deterioração do cenário fiscal brasileiro.
O Executivo pretende considerar a âncora fiscal na elaboração da proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, mesmo que o texto ainda não tenha sido aprovado. A LDO será enviada ao Congresso até 15 de abril e isso cria um problema para o governo, que a equipe econômica pretende contornar.
A LDO é a base para o Orçamento. Não estabelece a distribuição de recursos, mas dá as diretrizes gerais da proposta.
A nova regra fiscal vai substituir o teto de gastos, aprovado em 2016 e que trava as despesas federais à inflação do ano anterior. Apesar de ter sido alterado ao longo dos últimos anos, ele ainda está em vigor.
Além disso, a “PEC da Transição” — que ampliou os gastos no primeiro ano do governo Lula e R$ 168 bilhões — só vale em 2023. A nova regra vai permitir que os gastos cresçam acima da inflação.
Formalmente responsável por comandar o processo de elaboração do Orçamento, o Ministério do Planejamento tem acompanhando as discussões, mas considera que a liderança do debate sobre o arcabouço fiscal é da Fazenda.
Também entre os técnicos do Planejamento, a maior preocupação é não deixar programas cruciais ao governo, como é o caso do Bolsa Família, com um orçamento aquém do necessário.
Para o time do Planejamento, é fundamental manter esse monitoramento de perto, já que precisa ter conhecimento do desenho do arcabouço com antecedência para calibrar a LDO e, mais a frente, o Plano Plurianual (PPA), que é o principal instrumento de planejamento orçamentário de médio prazo do governo.
Por isso, o Executivo pretende fazer um mecanismo que permita considerar a âncora já na LDO, mesmo que ela ainda não tenha sido aprovada. Seria um espécie de “transição”, nas palavras de integrantes do governo.
Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, o novo arcabouço fiscal precisa contemplar a trajetória da dívida, deixando espaço para que o controle de gastos seja definido nas leis orçamentárias, mas respeitando uma referência.
“A LDO pode ser um bom momento para testar as novas regras fiscais, aprimorando o que se fez no passado, mas mantendo duas coisas essenciais: algum tipo de limitação da despesa, ainda que comporte certo crescimento real, e um resultado primário bem estimado, com vistas a cumprir a trajetória de dívida/PIB traçada”, avalia.
A economista Juliana Inhasz, do Insper, diz que a elaboração do Orçamento e a âncora fiscal são duas “bombas” na mão do governo, por serem temas complexos que exigem discussão simultânea. Para ela, o grande risco é o país abandonar o debate sobre a melhor formatação do arcabouço fiscal a fim de aprovar uma medida a toque de caixa, apenas para garantir um Orçamento exequível.
“O grande risco de levar ao Congresso tudo junto é que você não consegue fazer a discussão de maneira adequada, nem de um, nem de outro. Uma nova âncora que chega, vai ser pouco debatida e vai ajudar a nortear a diretriz orçamentária do próximo ano. Ou seja: a LDO vai ficar vinculada a uma nova âncora que ainda precisará ser entendida.”
Enquanto o time econômico prepara as regras fiscais, o Congresso ainda define quais partidos comandarão as comissões, como a de Orçamento. A avaliação de parlamentares é que só depois da escolha destes nomes a discussão sobre a nova âncora vai deslanchar no Congresso.
Por Manoel Ventura e Fernanda Trisotto
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