O Brasil tem ou não tem uma inflação de demanda?

A taxa Selic alta é como um antibiótico que precisa cumprir seu ciclo até o fim. Se suspendido antes da hora, pode ser ineficaz e demandar uma dose ainda mais forte mais adiante

- Ilustração: Marcelo Andreguetti/IF
- Ilustração: Marcelo Andreguetti/IF

A inflação impacta nossas vidas em níveis que muitas vezes não imaginamos. Se sua casa tem um cômodo chamado “despensa” para armazenar alimentos, provavelmente sua casa foi construída numa época em que as pessoas tinham o hábito de fazer “compra do mês”, aproveitando para fazer grandes compras de supermercado antes do dinheiro perder o poder de compra.

Antes do plano Real, havia uma discussão sobre o que causava tanta inflação no Brasil. Como para tentar entender se um filho pode ser concebido só pelo pai ou só pela mãe. E assim, começou-se a distinguir o que era inflação de demanda e o que era inflação de custos.

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O equívoco nesse conceito é a tentativa de isolar em um único fato causador. Em economia, existem muitas maneiras diferentes de medir se estamos realmente crescendo ou entrando em uma recessão. Para medir a inflação, também observamos vários e combinados fatores que nos levam a entender a elevação ou queda dos preços.

A inflação de custos reflete um aumento no preço de itens para produção, por exemplo, quando faltaram chips semi-condutores na produção de uma série de produtos em 2021, pois os portos estavam fechados pela pandemia.

Já a inflação de demanda, como diria o professor Edward Shapiro, acontece quando “dinheiro demais está à procura de poucos bens”. Fica fácil perceber este também. Em um cenário pós pandêmico, as pessoas naturalmente voltam a demandar especialmente o setor de serviços: bares, restaurantes, shows, cinemas. E o preço de tudo isso aumenta.

Recentemente, o presidente Lula tem defendido a queda da taxa Selic, por entender que o Brasil não possui inflação de demanda. Sobre isso, temos dois pontos para avaliar.

Juros são inimigos do crescimento econômico

De fato, Selic alta afeta o desempenho da atividade econômica. Na verdade, esse não é um efeito colateral, é intencional. Não por maldade, mas sim uma forma de frear, por consequência, o crescimento da inflação.

Já sabemos: quando a oferta não dá conta da demanda, aumentar os juros desestimula as pessoas a pegarem um empréstimo para gastar e inibe uma linha de crédito para expandir um negócio. Assim, temos menos demanda – equilibrando com o nível de oferta.

Esta lógica só é eficaz se respeitar uma condição: a credibilidade do Banco Central (Bacen). Por isso, devemos ter atenção ao segundo ponto sobre a fala de Lula.

Expectativa e credibilidade

A política monetária (podemos entender aqui como aumento ou redução da Selic) é capaz de impedir que a inflação se propague para os demais preços da economia – mas isso somente se as expectativas sobre a taxa futura de inflação estão controladas. A expectativa é a chave para esse mecanismo.

Pense comigo: se todos acreditam que o Banco Central abandonará sua postura anti-inflacionária, reduzindo a Selic antes da hora, como é defendido por Lula, os formadores de preço repassariam os aumentos de preços com medo de perder mercado.

É como um antibiótico que você toma, mas abandona antes terminar a caixa: a bactéria retorna e você vai precisar de um antibiótico ainda mais forte para curar a dor de garganta.

Se o Bacen, de fato decidir, reduzir os juros antes que a inflação esteja controlada, da próxima vez que tentar combater outro choque, teria que aumentar ainda mais ou manter a Selic alta por mais tempo.

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