‘PEC da Transição’ tem votos para ser aprovada no Senado, mas desidratada

Levantamento do GLOBO aponta que 57 senadores aceitam a proposta, mas 22 querem mudanças no prazo e no valor. Texto precisa de 49 votos para seguir à Câmara

Plenário do Senado, que aprovou ontem a PEC da Transição (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)
Plenário do Senado, que aprovou ontem a PEC da Transição (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

A “PEC da Transição”, que libera espaço no Orçamento de 2023 para programas sociais do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já tem votos para ser aprovada em sua primeira batalha — o Senado — se for ajustada no valor e no prazo. A votação no plenário da Casa está marcada para quarta-feira.

Levantamento com líderes partidários ouvidos pelo GLOBO aponta que há no mínimo 58 senadores favoráveis à proposta de emenda à Constituição (PEC), sendo que 24 apoiam o texto original — que prevê R$ 198 bilhões fora do teto de gastos por um prazo de quatro anos — e 34 querem uma versão enxugada, que está sendo negociada pelo PT.

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A PEC vai garantir a manutenção do Bolsa Família de R$ 600 mensais e outras promessas de campanha, como aumento real do salário mínimo e recomposição do orçamento da saúde.

São necessários três quintos dos votos dos senadores (49 de 81) e dos deputados (308 de 513) para aprovar uma PEC. Todas as bancadas foram procuradas pelo GLOBO, nas duas Casas. Dos 16 partidos com senadores, apenas quatro não responderam ao questionamento do GLOBO. Juntos eles somam 14 senadores. Destes, nenhum senador indicou que votaria contra a PEC. Alguns ainda aguardam definições de suas bancadas. Este é o cenário atual, mas a PEC segue sendo negociada pela equipe de Lula.

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Maior bancada do Senado, o MDB, com 12 votos, também votará a favor da PEC com ajustes, e os senadores do partido seguem negociando os detalhes da proposta. Muitos integrantes da bancada apoiaram Lula desde antes da eleição em segundo turno, como Simone Tebet (MS) e Renan Calheiros (AL). O relator do Orçamento e autor formal da PEC, Marcelo Castro (PI), também é do partido.

Aliado do novo governo, o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), está negociando para reduzir a validade da PEC para dois anos. Ele também quer inserir a previsão de uma “trava” para garantir a responsabilidade fiscal.

Para a equipe de Lula, é necessário ter o projeto promulgado neste ano — a data limite seria o dia 22 — para ser possível ajustar a proposta orçamentária de 2023.

Prazo cairia para 2 anos

Braga protocolou uma emenda que deixa o Bolsa Família fora do teto de gastos apenas por dois anos, mas que garante uma ampliação na regra fiscal — que limita o aumento das despesas da União à inflação do ano anterior — a partir de 2024. A proposta é que o aumento do teto fique limitado ao valor orçado para o programa de transferência de renda no ano anterior. Se for um gasto de R$ 100 bilhões, por exemplo, o teto de gastos aumentaria na mesma medida.

No seu formato atual, a “PEC da Transição” permite retirar o Bolsa Família, de R$ 175 bilhões, e mais R$ 23 bilhões para investimentos, por quatro anos, do teto de gastos. Ao retirar essas despesas da regra fiscal, abre-se um espaço de R$ 105 bilhões no Orçamento de 2023 para saúde, educação e segurança, entre outros.

A PEC é criticada pelo setor financeiro porque representa um aumento de despesas elevado no próximo ano. O descontrole fiscal pode levar a um maior endividamento do governo, com impactos na inflação, no dólar e na taxa de juros, respingando em investimentos e no próprio crescimento da economia.

A proposta de Braga já está sendo negociada pelo PT. O partido sabe que o prazo da PEC deve cair de quatro para dois anos. Além disso, já reconhece reduzir o impacto da medida e colocar a trava citada por Braga. Seria possível, por exemplo, colocar um valor fixo para a PEC (de, por exemplo, R$ 175 bilhões). Hoje, a PEC apenas tira o Bolsa Família do teto, permitindo qualquer expansão de gastos no futuro.

Ajuste para um ano

No Podemos, com oito senadores, o líder Oriovisto Guimarães (PR) garante que só há apoio para uma PEC de um ano, com valor de R$ 80 bilhões. O senador Luiz do Carmo (GO), o único do PSC, afirma que também votará na proposta se ela for ajustada para durar por apenas um ano.

O valor de R$ 80 bilhões para a PEC é considerado baixo pelos petistas, que esperam ter recursos não só para o Bolsa Família — o programa de transferência de renda, hoje chamado Auxílio Brasil, voltará a ter o nome criado pelo PT —, mas para outras áreas.

Articuladores do PT têm conversado com senadores para chegar em um meio termo. A proposta de manter o Bolsa Família de R$ 600 une diversos políticos. Sem esta mudança, o valor do benefício cairia para R$ 400 a partir de janeiro, pois o governo de Jair Bolsonaro (PL) elevou seu pagamento para o patamar atual somente até o fim deste ano.

O senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do governo no Senado, diz que seu partido é a favor de uma exceção apenas para garantir os R$ 200 adicionais para chegar a R$ 600 por família no Auxílio Brasil — o que também foi promessa de Bolsonaro na eleição.

“Sempre tive a disposição de negociar alguma coisa. O mais importante agora é entender os impactos na economia da proposta que for. Primeiro é preciso chegar a algum denominador comum, que é muito abaixo do pedido. Ainda assim, com esse denominador comum, é preciso saber os impactos. O tempo é curto”, afirma Portinho.

Câmara em espera

Líder do PSDB, Izalci Lucas (DF) defende a redução do impacto fiscal da PEC para valores próximos aos das propostas apresentadas por senadores tucanos. Tasso Jereissati (CE) sugeriu ampliar o teto de forma permanente em R$ 80 bilhões, e Alessandro Vieira (SE) propôs uma permissão para o novo governo ultrapassar a regra fiscal em R$ 70 bilhões — apenas para garantir o pagamento do Bolsa Família de R$ 600 mensais, acrescidos de R$ 150 por criança de até 6 anos.

“Vamos reduzir bastante”, afirmou o líder do PSDB.

Deputados aliados a Lula avaliam que a PEC fixará prazo de dois anos e terá seu valor reduzido para cerca de R$ 175 bilhões, um montante que contemplaria cerca de R$ 152 bilhões para o Bolsa Família e incluiria os quase R$ 23 bilhões para investimentos.

Assim como o tempo de validade da PEC, a questão dos recursos para investimentos faz parte dos ajustes de redação que estão sendo discutidos pela Câmara e pelo Senado, segundo deputados. Há parlamentares que defendem manter o dispositivo que liberaria verba para investimentos e antecipar sua vigência para 2022. Dessa forma, seria possível abrir espaço no Orçamento deste ano, o que viabilizaria o desbloqueio dos R$ 7,7 bilhões do orçamento secreto que estão congelados pelo governo. A medida atenderia, principalmente, a pedidos do Centrão.

Na Câmara, líderes ainda aguardam a formatação do texto no Senado para se posicionarem. Apenas partidos que somam 132 deputados garantem o voto em uma PEC com ajustes, segundo levantamento do GLOBO: PT, PSB, PSOL, PCdoB, Solidariedade, PDT, PV e Cidadania.

A maior parte dos partidos não respondeu, por não ter ainda uma definição. Das 23 legendas com assento na Casa, dez não informaram seu posicionamento. Juntas, contam com 276 parlamentares. O Novo, com oito parlamentares, foi o único a garantir o voto contrário.

A avaliação de integrantes do PT é que o texto passa sem problemas entre os deputados, por conta da participação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nas negociações. Há consenso entre parlamentares de que a PEC que vier do Senado será aprovada nos mesmos termos. Por isso, eles já participam de conversas com os senadores.

Por Natália Portinari, Fernanda Trisotto e Manoel Ventura, do Globo em Brasília
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