Política monetária em descompasso 

Se o processo de distensão monetária no início da pandemia foi sincronizado, a reversão dele tem ocorrido com timing bem mais heterogêneo

Sede do Banco Central. Foto: Adriano Machado/Reuters
Sede do Banco Central. Foto: Adriano Machado/Reuters

O choque da pandemia foi muito intenso, e suscitou respostas de política monetária e fiscal agressivas, na maioria dos países. No primeiro bimestre de 2020, 10 bancos centrais cortaram as taxas de juros, e 1 subiu. No segundo bimestre, 24 bancos centrais reduziram as taxas de política monetária, e nenhum a elevou. 

A combinação de fortes políticas de suporte à demanda agregada, gargalos de oferta e disrupção de cadeias de distribuição, em escala global, levou ao mais intenso surto inflacionário das últimas décadas, com taxas, em diversas economias desenvolvidas, atingindo patamares não observados desde a década de 1970 – 9,1% nos EUA e 11,1% no Reino Unido, por exemplo, nos pontos de máximo. 

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O surto inflacionário seguiu um padrão comum e ocorreu em ondas. Inicialmente as pressões vieram dos preços de commodities, depois de produtos industriais e, finalmente, dos serviços. A inflação de serviços, que tende a ser mais persistente que a de bens, reflete em parte o fato de que o mercado de trabalho se encontra apertado em vários países.  

Se o processo de distensão monetária no início da pandemia foi sincronizado, a reversão dele tem ocorrido com timing bem mais heterogêneo. Pode-se dividir o conjunto dos bancos centrais em dois grandes grupos: os mais ágeis, que mudaram de diagnóstico cedo, e os mais acomodados, que tardaram a mudar de posição. Entre os primeiros, predominam os BCs de emergentes, enquanto os principais bancos centrais de economias avançadas aparentemente embarcaram na hipótese da inflação transitória, demorando para reagir.

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Diferença de postura

A diferença de postura reflete experiência histórica, mais do que limitações de capacidade analítica.  Muitas economias emergentes, como sabemos por experiência própria, sofreram de intensos processos inflacionários em um passado não tão distante, então as autoridades nesses países tendem a ter uma postura mais cautelosa quando o problema começa a se manifestar, mesmo porque, dado o histórico, a ancoragem de expectativas tende a ser mais frágil.  

Nesse contexto, enquanto o BCB começou o processo de flexibilização em agosto passado, o Fed ainda está por anunciar o final do seu processo de ajuste monetário, e o início da flexibilização não é contemplado antes da segunda metade de 2024. Desse modo, é bem possível que a flexibilização monetária nos EUA tenha início apenas um ano depois do que no Brasil. 

Esse descompasso internacional da política monetária reflete a proliferação, desde a virada do século, de regimes de taxas de câmbio flutuantes, sem o que o escopo para ações autônomas seria muito limitado, ou nenhum, dependendo da rigidez do regime. 

Contudo, mesmo em regime de flutuação cambial, a postura de política monetária nas economias desenvolvidas, em especial dos EUA, impõe certos cuidados para as autoridades monetárias das economias emergentes.

E esses cuidados tendem a ser redobrados quando há fragilidades domésticas, como, em nosso caso, em que há o recente aumento da incerteza sobre a política fiscal. Isso porque a fragilidade fiscal tende a elevar o risco país e, assim, aumentar a probabilidade de que o estreitamento do diferencial de taxas de juros, derivado do descompasso, ocasione uma depreciação da moeda de magnitude inadequada, tendo em vista a almejada trajetória de convergência da inflação para a meta.  

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