Por que lutamos? Chris Blattman identifica 5 razões que levam a guerras
Em seu livro ‘Why we fight’, Blattman investiga como impedir que guerras surjam ou até como pará-las, uma vez que são deflagradas
Quando conheci Chris Blattman, no final dos anos 2000, ambos éramos alunos de doutorado em economia em Berkeley. Mas era claro desde aquela época que Chris não era um aluno típico. Afinal, se mudar para um território em guerra e se alojar em campos de refugiados não é algo exatamente comum para estudantes de economia.
E foi isso que Chris fez: assim que terminou seus créditos em Berkeley, ele foi para o norte de Uganda, então em guerra. Era o início de uma bem-sucedida carreira como estudioso de conflitos, que o alçou à posição de professor na Universidade de Chicago e culminou na autoria do ótimo livro “Why we fight” (Por que lutamos, em tradução livre).
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Medelim, Chicago, Libéria, Irlanda do Norte. Conflitos em todas essas regiões, dentre outras, foram objeto de estudo de Chris ao longo dos anos. Essas experiencias, adquiridas muitas vezes em campos de batalha, levaram Chris a criar um arcabouço que nos permite entender as forças que produzem conflitos violentos e prolongados entre grupos – isto é, guerras.
Raízes da guerra
Chris mapeia cinco razões que levam a guerras e mostra, de forma convincente, que outras motivações são, em geral, enganosas ou uma dessas cinco “disfarçadas”. São elas:
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- Interesses desalinhados: Ocorre quando líderes não sofrem diretamente os impactos devastadores típicos de conflitos prolongados. Pode haver ainda interesses pessoais por parte do líder. O resultado são conflitos mais frequentes.
- Incentivos intangíveis: Vingança, status, dominação, busca por justiça – esses são alguns dos incentivos que podem contrabalancear os custos de uma guerra e ajudar a deflagrar conflitos.
- Incerteza e dúvida: O fato de que um líder não tem a mesma informação que o seu rival faz com que atacar seja por vezes a melhor estratégia, apesar dos custos do conflito.
- Dificuldade em selar compromissos: Quando há expectativa de que um dos lados experimentará forte ascensão, qualquer barganha para evitar conflitos torna-se ineficaz. Há um incentivo para atacar antes que seja tarde.
- Percepções errôneas: O excesso de confiança, a tendência de achar que outros grupos valorizam o mesmo que o seu, a tendência a demonizar o inimigo e atribuir a ele as piores motivações são exemplos de percepções errôneas que produzem conflitos.
A guerra do Iraque
É possível prever guerras? O que fica evidente ao ler o livro é que quando diversos dos motivos acima estão presentes simultaneamente, é bem provável que, cedo ou tarde, um conflito ocorra. Vejamos o caso da guerra do Iraque.
Muitos consideram que a invasão americana decorreu em boa medida de interesses desalinhados, dadas as conexões do então presidente George W. Bush e seu vice Dick Cheney com o setor de petróleo. Incentivos intangíveis, como o de “terminar o serviço” iniciado por seu pai no Kwait e trazer liberdade ao povo Iraquiano, também podem ter sido motivações importantes. Finalmente, a narrativa que levou a guerra incluía percepções errôneas, como a confiança em uma vitória rápida e a subestimação do risco de insurgências.
Algo menos comentado e que Chris destaca é o papel que teve a incerteza sobre as chamadas “armas de destruição em massa”. Hoje sabemos que os programas iraquianos de desenvolvimento dessas armas não passavam de um grande blefe. Mas por que Saddam Hussein não parou de blefar? O motivo é que ele não podia se mostrar fraco perante a países vizinhos. Saddam não tinha alternativa a não ser apostar que a invasão americana não ocorreria. Por outro lado, a incerteza quanto à existência de tais armas fez com que os americanos concluíssem que a melhor estratégia era atacar.
Os caminhos para a paz
“A paz não é a ausência de conflitos, e sim a habilidade de lidar com conflitos de forma pacífica”, disse Ronald Reagan. Mas quais são os mecanismos que ajudam a criar essa habilidade? Na segunda metade do livro, Chris discorre sobre vários desses mecanismos. Abaixo destaco dois deles:
- Interesses comuns: A interdependência econômica, decorrente de relações comerciais, é uma forma eficaz de promover a paz, um ponto que já era defendido por Montesquieu em 1748. Além de fluxos de bens e capital, conexões sociais, morais e culturais aumentam o custo da guerra, a tornando menos provável.
- Pesos e contrapesos: Uma sociedade estável tem vários centros de poder. Essa divisão ajuda a manter todos os grupos em cheque. É importante haver instituições que permitam alternância de poder e transmissão de informação para diminuir incertezas. Não é à toa que ditaduras tem maior probabilidade de entrar em conflitos do que democracias.
Russia/Ucrânia e China/Taiwan
O livro foi publicado em 2022, mas não a tempo de discutir a guerra entre Rússia e Ucrânia. No entanto, Chris opinou em seu blog sobre conflito, argumentando que dificilmente este deflagraria um embate nuclear ou envolveria a OTAN.
No blog ele também opina, de forma bem mais preocupada, sobre a guerra que pode ocorrer com a eventual invasão de Taiwan pela China.
A concentração de poder em torno do presidente Xi Jinping, o crescimento de uma ideologia nacionalista na China e a maior dissociação econômica entre o país e o resto do mundo apontam para riscos crescentes desse conflito. Portanto, vale a pena acompanhar de perto as análises de Chris sobre os próximos capítulos desta saga.