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Por que o dólar subiu tanto nos últimos dias? Entenda
Desde a aprovação da PEC Eleitoral no Senado, o dólar se valorizou 1,6% frente ao real, apesar de ontem ter fechado em queda, cotado a R$ 5,34. O aumento da percepção de risco fiscal pelas medidas contidas na proposta de emenda à Constituição (PEC) que libera gastos de R$ 41 bilhões para o governo de Jair Bolsonaro a poucos meses das eleições adicionou mais um elemento negativo para prejudicar o desempenho da moeda local, mas não foi o principal fator.
Nesta sexta-feira, o dólar voltava a se desvalorizar, com os investidores avaliando dados de emprego nos Estados Unidos e de inflação no Brasil.
O cenário mais adverso no exterior, em meio as preocupações com a possibilidade de uma recessão da economia global, também pressiona o real e as divisas de outros países emergentes. Com mais incerteza no ar, os investidores correm para o dólar, que vem se valorizando no mundo.
Levantamento feito pela equipe do BTG Pactual a pedido do GLOBO mostra que o dólar avançou 1,6% ante o real desde o dia 30 de junho, quando a PEC foi aprovada pelos senadores, até o fechamento desta quinta-feira, data prevista para a votação na Câmara, adiada pelos governistas. No ano, ainda há queda de cerca de 4,2% do dólar no Brasil.
O câmbio tem sido ruim no Brasil nas últimas semanas, mas outros emergentes tiveram quedas maiores. Desde 30 de junho, o dólar subiu 2% contra o peso mexicano e 3,6% contra o peso chileno. Os dados levam em conta o dólar spot.
“A América Latina como um todo foi muito mal, com destaque para o Chile e a Colômbia. Tivemos eventos políticos nesses outros países e também são moedas mais ligadas as commodities”, diz o gestor de juros e moedas da RPS Capital, Joaquim Sampaio.
Queda de ‘commodities’
A perspectiva de uma desaceleração econômica nos Estados Unidos, a maior economia do mundo, e em outros países (inclusive a China) pressiona o real e outros emergentes, pois influencia o mercado de commodities, das quais o Brasil é um grande exportador. Com menos atividade, há o temor de redução na demanda, o que impacta o preço desses produtos e, por tabela, nas moedas de exportadores, que internalizam menos dólares.
“A expectativa de uma recessão global faz com que os preços das commodities caiam. Parte da atratividade da nossa moeda vem dos termos de troca, por sermos um país que vai receber mais dólares quando os preços desses produtos ficam mais altos”, diz o gestor macro da AZ Quest, Gustavo Menezes.
Na última quarta-feira, os preços dos contratos futuros do petróleo atingiram a menor cotação de fechamento desde abril, chegando a serem negociados abaixo dos US$ 100. Justamente na quarta, o dólar tocou os R$ 5,46 ante o real, patamar não visto desde janeiro.
Na quinta-feira, dia de recuperação dos mercados de commodities, o dólar voltou a cair, fechando em R$ 5,3435.
Menezes destaca que uma variável a ser observada é a China. O país é um grande importador de commodities e vem sinalizando para medidas de estímulo à economia, na contramão dos demais bancos centrais.
Na avaliação dele, essa postura pode evitar uma queda mais brusca dos preços apesar da desaceleração esperada na Europa e nos Estados Unidos.
Busca por proteção
Além da variação nos preços desses produtos, em cenários mais adversos e com a perspectiva de novos aumentos das taxas de juros por parte dos bancos centrais de economias desenvolvidas, os investidores tendem a ser mais seletivos no momento de aportar seus recursos.
Nesses casos, eles costumam optar por ativos mais seguros, como é o caso da moeda americana.
“O mundo está vendo a economia desacelerar, as commodities começam a cair e ao mesmo tempo, o Fed (Federal Reserve, Banco Central americano) está mais hawk (favorável à retirada de estímulos) e isso puxa todo o dinheiro para os Estados Unidos. Enquanto esse processo estiver acontecendo, a tendência é que o dólar continue a se apreciar”, diz o gestor da RPS Capital.
Cenário interno adiciona incertezas
Para o economista do BTG Pactual, Álvaro Frasson, os recentes ruídos fiscais internos provocados pela PEC Eleitoral adicionam ao câmbio mais um fator ao cenário externo mais desafiador.
“Já indicávamos um câmbio mais estressado pela dinâmica local mais desafiadora, com eleição se aproximando e fiscal com holofote mais para o gasto, o que é ruim. E temos o Federal Reserve subindo juros, com o mercado convergindo para um ambiente de juros acima do que se precificava anteriormente”, diz Frasson.
Menezes, da AZ Quest, avalia que por sermos um país emergente com forte endividamento, a questão fiscal vai sempre estar presente, mas o movimento de fora tem maior força para pressionar os ativos locais.
“Atrapalha. É inegável que toda vez que o teto de gastos é furado, por mais que tenha uma justificativa social, enfraquece a âncora fiscal e tudo aquilo que dá segurança ao investidor no futuro.”
Para onde irão os juros nos EUA?
Na avaliação do economista do BTG, o mercado se pergunta sobre qual será o cenário de juros nos EUA em 2023, já que o aperto até o final deste ano já está dado.
“Quando você olha as taxas de juros implícitas para 2023, o mercado está precificando juros de 2,9% nos EUA no final do ano. O nosso está em 4%, 4,5%. Quando tiver essa convergência de cenário, isso pode fortalecer ainda mais o dólar.”
Dessa forma, para os próximos meses, a volatilidade deve permanecer no mercado de câmbio.
Frasson destaca que o carry trade, operação que envolve tomar dinheiro emprestado em um país com baixas taxas de juros e investir em outro que oferece retornos maiores, e um petróleo entre US$ 110 e US$ 115 como fatores que podem ajudar o real. Mas a pressão vinda do Fed deve continuar a preponderar.
Volatilidade deve persistir
Segundo os analistas, o cenário eleitoral pode trazer alguma volatilidade para o dólar no curto prazo, ainda que se destaque que os candidatos líderes nas pesquisas são conhecidos pelo mercado.
“Está uma conjuntura de erros na ponta (referindo-se ao cenário fiscal), incerteza para o futuro e o mercado externo ruim. Está para rodar por essa cotação, com saltos quando der estresse de eleição. A tendência é o real voltar a se valorizar em algum momento, mas o cenário no curto prazo está difícil”, diz Sampaio.
Além de se valorizar contra os emergentes, a tendência é que o dólar siga ganhando valor ante a outras moedas desenvolvidas.
O índice DXY, que mede o comportamento do dólar contra uma cesta de moedas fortes, chegou a atingir o maior patamar em duas décadas nesta semana, com a divisa americana atingindo quase a paridade com o euro.
“Dificuldade do que a Europa vai ter e pela dinâmica de recessão lá ser mais forte do que nos EUA. O efeito de subir juros é mais difuso. Parece difícil o euro ganhar força no curto prazo”, diz Frasson.
Por Vitor da Costa, O Globo, Rio de Janeiro.
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