Qual é a receita para o Brasil diminuir a informalidade? Especialistas dizem que é preciso crescer e investir em capital humano

Nos últimos anos, ainda que venha diminuindo a passos lentos no Brasil, a informalidade — que reúne os trabalhadores por conta própria e aqueles sem carteira assinada — está em patamares altos historicamente

Pessoas na fila por um emprego no Brasil. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Pessoas na fila por um emprego no Brasil. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Reduzir o nível de informalidade do Brasil exigirá maior crescimento da economia, mas também aumentar a produtividade e investir em capital humano. Para isso, ou o país prioriza a educação voltada para o setor produtivo ou terá de importar mão de obra capacitada, afirmam professores da Fundação Dom Cabral (FDC) em apresentação ao Valor, no âmbito da iniciativa “Imagine Brasil”, da instituição.

Mesmo se a economia tivesse uma taxa crescimento elevada, de 7% ao ano nos próximos dez anos, com a renda per capita dobrando, levaria cerca de 60 anos para se trazer a informalidade média de países em desenvolvimento de 50% para a ordem de 20%, afirma Carlos Braga, professor da FDC e especialista em economia internacional e estratégia empresarial.

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Ele lembra que, desde os anos 1980, a produtividade brasileira está praticamente estagnada. Em contraposição ao crescimento médio de 4,5% entre 1950 e 1980, nos últimos 40 anos, o avanço tem sido abaixo de 1% ao ano, em média.

“O crescimento de qualquer país é o crescimento da força de trabalho mais o crescimento da produtividade. O da força de trabalho podemos estimar pelo crescimento demográfico do país, que está em 0,6% ao ano. Então, a grande definição para o crescimento sustentado no caso brasileiro é o crescimento da produtividade do trabalho”, diz.

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“Se olharmos a distribuição da produtividade do trabalho pelas firmas, [veremos um gráfico que se] parece um camelo com duas corcovas. Por quê? Tem a corcova do setor formal, em que a produtividade é bem maior, e a do setor informal, com a produtividade bem menor. No caso brasileiro, isso é muito pronunciado.”

Maioria dos trabalhadores no mundo está na informalidade

Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que, em todo o mundo, mais 60% da força de trabalho adulta estão no setor informal, o que equivale a cerca de 2 bilhões de pessoas. Nos países em desenvolvimento, o setor informal corresponde a cerca de 35% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto nos países ricos chega a 15%, afirma Braga.

Nos últimos anos, ainda que venha diminuindo a passos lentos no Brasil, a informalidade — que reúne os trabalhadores por conta própria e aqueles sem carteira assinada — está em patamares altos historicamente. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad) divulgada na semana passada mostram que a taxa de informalidade nos primeiros três meses de 2024 ficou em 38,9% da população ocupada, ante 39,1 % no trimestre anterior.

“Isso [essa proporção] é uma indicação da importância do setor informal na economia brasileira”, observa Braga. O problema é que o setor informal representa um obstáculo ao crescimento da economia, uma vez que as empresas informais têm, costumeiramente, baixa produtividade.

Ao lembrar dados do Banco Mundial, Braga afirma que a média de empregos nas empresas formais é de 126, enquanto nas informais esse número é em torno de quatro. Ele diz ainda que o salário das empresas informais é o equivalente a mais ou menos 20% do salário das formais pequenas.

Nível de instrução também é obstáculo

Outro ponto de discrepância é em relação ao nível de instrução. Nas empresas formais, 76% dos gerentes têm ensino superior completo. Nas informais, esse percentual é de 7%. “No Brasil, os números são um pouco diferentes, mas a fotografia não muda muito. Nas empresas formais daqui, o percentual de gerentes que possuem grau universitário é de cerca de 65%, ante 13% nas informais”, diz.

Os dados indicam uma correlação importante entre informalidade e educação e apontam para a necessidade de uma estratégia conjunta, alertam os professores. Essa estratégia deveria englobar ensino técnico e profissionalizante que aumente a produtividade, o nível de empregabilidade e a renda média do trabalhador ao longo de sua trajetória profissional.

Capital humano é um dos gargalos

“Para supormos algum projeto com potencial de criar condições para o crescimento da economia de forma mais acelerada, que dê conta de mexer o ponteiro da produtividade de forma significativa, de transformar vantagens comparativas em competitivas, temos de olhar o gargalo do capital humano”, afirma Ricardo Henriques, professor da FDC, especialista em temas como economia social, educação, avaliação de políticas públicas.

Henriques argumenta que, por conta da transição demográfica mais acelerada no Brasil do que estudos previam há 15 anos e do envelhecimento da população em curso, um aspecto chave para termos crescimento é aumentando a produtividade. “Se não fizermos uma mudança na educação para uma transição efetiva, na qual se possa alavancar crescimento econômico tendo a produtividade como variável chave, a forma de atingir isso será importando capital humano”, alerta Henriques.

Nesse sentido, argumenta, é fundamental focar na população jovem e se ter em mente que esse salto não ocorrerá somente pelo ensino superior. “Vamos precisar de uma estratégia de ensino técnico e profissionalizante intensivo e de qualidade”, afirma. Ele lembra que, dentre jovens brasileiros de 15 a 29 anos, 11% estão matriculados em cursos técnicos profissionalizantes, ante média de 37% nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Na faixa entre 20 a 24 anos, o Brasil mantém porcentagem de 11%, quando a taxa dos países da OCDE sobe para 65%. “Há muita evidência de que se consegue aumentar a produtividade melhorando a situação de vulneráveis, quando há uma estratégia de ensino técnico profissionalizante”, diz. Mas a via para se alcançar isso, alerta Henriques, não se dará apenas pelos institutos federais de educação.

“Eles têm excelência no ensino, mas não alavancam em larga escala. Além disso, aqui no Brasil geram efeitos perversos. Esses jovens acabam tendo boa formação, são competitivos, mas não seguem a carreira [do curso que frequentaram na escola técnica]”, observa, ao lembrar que nos últimos 30 anos cresceu o número de jovens do ensino privado indo estudar em institutos federais para, depois, conseguir entrar em universidades públicas.

Olhar generoso para a juventude

Apesar da heterogeneidade no que diz respeito à política educacional dos Estados, Henriques defende uma estratégia integrada de política para a juventude, que seja multisetorial e multinível.

“Se não fizermos uma mudança em educação, o jogo estará dado e perderemos. Será quase um vaticínio, com o Brasil correndo o risco de ficar na segunda categoria da liga das nações”, diz. “A questão é: como fazer uma política que, com uma base nacional comum curricular, articule o setor produtivo com ocupações?”

Ele defende uma política de mentoria vocacional no ensino técnico associada aos setores produtivos locais, como, por exemplo, o de energia eólica na região Nordeste. “Não há estratégia consistente para o ensino técnico nessa direção. Nem uma agenda que sinalize mobilidade profissional para o jovem que fizer esse percurso, indicando que ele terá empregabilidade garantida nos dez anos seguintes à sua formação”, diz.

“Completar o ensino técnico aumenta as chances de boa inserção profissional e leva a maior probabilidade de se gerar renda individual e para a economia. No médio prazo, para [esse profissional fazer] uma transição a mais, terá de entrar o ensino superior nesse processo. Portanto, é preciso haver políticas coordenadas nessa história.”

Ciclo de aprendizagem terá de ser mais longo

Além da inserção profissional dos mais jovens, diante da mudança demográfica em curso no Brasil, talvez tenhamos de ir além de uma estratégia focada em estudantes. Pensar em políticas para a reinserção da população idosa também será necessário”, afirma Paulo Paiva, professor da Fundação Dom Cabral e presidente de honra do Conselho de Relações de Trabalho da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).

“Hoje, a idade mediana da população é de 35 anos. Ou seja, 50% da população têm mais de 35 anos, e os outros 50%, menos. O primeiro ponto é que essa transformação [demográfica] sugere que teremos uma escassez de oferta de mão de obra ao longo do tempo e excesso de pessoas acima de 60 anos de idade”, diz. “O segundo é que o crescimento sustentado do Brasil dependerá do aumento da produtividade ou eventualmente de migração em massa de trabalhadores, ou dos dois.”

Paiva ressalta a diferença entre o acelerado crescimento de produtividade de setores ligados ao comércio internacional, nos últimos 20 anos, em comparação àqueles ligados ao mercado interno, cuja produtividade ficou praticamente estagnada.

Hoje, o setor que apresenta maior produtividade é a agropecuária, em contraste com a produtividade paralisada de serviços.

Dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), mostram que a produtividade do setor agropecuário cresceu 21,1% em 2023 ante 2022, em termos de horas efetivamente trabalhadas, enquanto a da indústria avançou 1,6%, a de construção, 1,7%, e a de serviços, 0,1%.
Os setores de finanças, seguros, comércio de imóveis, varejo, serviços profissionais, atacado, lazer e transporte são hoje aqueles com maior ocupação de pessoas idosas e com maior propensão a absorver esse tipo de mão de obra, diz.

Reinserção de trabalhadores mais velhos

“Não acredito que qualquer política para reduzir o setor informal tenha algum impacto. E não creio em políticas que podem ajudar a modernizar as atividades”, argumenta Paiva. “Mas é possível olhar para o lado da oferta de mão de obra. E falo de pessoas acima de 50 anos.

”Nesse sentido, será preciso pensar em treinamentos e programas de reciclagem para esse público. Uma possibilidade seria associar benefícios como o seguro desemprego a programas de requalificação, como houve na segunda metade dos anos 1950, diz. “Isso demandaria articular parcerias com o setor privado, com o Sistema S, com Estados e municípios”, afirma.

Dificuldade na transição do informal para o formal

Os professores da FDC lembram ainda que empresas informais raramente se formalizam, seja por custos altos, baixo acesso a financiamento, ou mesmo instabilidade política.

Braga cita um estudo feito pelo Banco Mundial em Belo Horizonte para entender o que modificaria a vontade de as empresas informais para se regularizarem.

Nele, um grupo de empresas recebeu informações sobre como se formalizar, enquanto a outro foi oferecida gratuidade em registros burocráticos e de um contador por um ano.

Um terceiro grupo recebeu visitas de autoridades para sindicância sobre a situação de informalidade da empresa, enquanto um último via apenas empresas vizinhas recebendo esse tipo de visita.

“O único caso que fez diferença foi quando houve visita direta da burocracia exigindo regulamentação da empresa”, diz Braga, ao ressaltar a importância de um cenário de maior regulamentação.

“À medida que os países se desenvolvem, a informalidade cai. Melhorar o ambiente de negócios favorece todo mundo, mas essa não é a maior razão por trás da informalidade. O principal fator é a pobreza, e levaremos muito tempo para conseguir resolver isso.

Com informações do Valor Pro, serviço de notícias em tempo real do Valor Econômico

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