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Quebra do SVB e a necessidade de ‘reinvenção’ das fintechs
Acabamos de assistir, com o Silicon Valley Bank, à segunda maior falência bancária da história dos Estados Unidos, atrás apenas do Washington Mutual (WaMu), durante a crise de 2008.
Naquele mesmo ano, o banco Lehman Brothers também colapsou — tornando-se o símbolo mais famoso da histórica crise financeira. O Lehman Brothers era maior do que o WaMu, mas se encontrava numa categoria diferente, a de bancos de investimentos, não de varejo.
O caso do SVB fez com que, após muita tensão, análises e, claro, memes no Twitter, os americanos (e muita gente no mundo todo) voltassem a temer pelo seu sistema financeiro, obviamente um trauma da crise passada que não ficou tão para trás assim.
No Brasil, a discussão foi ligeiramente diferente. Aqui, despontou uma dúvida sobre bancos digitais. E por que isso aconteceu? Porque o SVB financiava principalmente fintechs e startups.
Para entender melhor, precisamos saber:
O que fazia o SVB?
O banco americano financiou quase metade das empresas americanas de tecnologia. Mas era tão grande para impactar o mercado? Aqui é preciso levar em conta o contexto.
Estamos falando de um banco tão nichado que levava “Vale do Silício” no seu próprio nome. Para quem não conhece, o Vale do Silício é uma região da Califórnia que é conhecida como o berço da inovação tecnológica. O local de origem de Apple, Meta (Facebook), Google, Nvidia, Microsoft e por aí vai.
Diferentemente de setores mais tradicionais, quando falamos de inovação, estamos falando de anos de pesquisa, desenvolvimento, testes e falhas. Portanto, é natural do setor que as empresas passem anos sem lucros ou que reinvistam os ganhos em mais pesquisa.
Contexto econômico
Há poucos anos, vivíamos uma “era de dinheiro grátis”. A taxa de juros americana era zero, ou próxima disso, o que permitia financiar o crescimento das empresas sem custo de capital. Os juros, afinal, são o preço do dinheiro.
De uns tempos para cá, a situação mudou radicalmente. Após a pandemia, com a inflação mais persistente do que se esperava, foi preciso pisar no freio (leia-se, desestimular a economia com o aumento de juros) no Brasil, nos EUA e em grande parte do mundo.
Uma questão de liquidez
Para se ter uma ideia, bancos americanos de primeira linha possuem cerca de US$ 3 trilhões, enquanto o SVB tinha US$ 209 bilhões em ativos.
O SVB atendia majoritariamente empresas de tecnologia que, pela natureza do negócio, demandam disponibilidade de caixa. O SVB assumiu um risco grande ao alocar sua carteira de ativos em títulos com vencimentos de longo prazo.
No dia 8 de março, anunciou que precisou vender estes títulos. Mas sabemos que esses ativos funcionam como uma gangorra: quando a taxa de juros sobe, o valor dos títulos cai.
Com isto, o banco vendeu os títulos com prejuízo e anunciou que também venderia US$ 2,2 bilhões em novas ações para reforçar seu balanço.
Ou seja, foi preciso vender uma carteira de US$ 21 bilhões composta principalmente por títulos do Tesouro dos EUA. Essa carteira estava rendendo, em média, 1,79% ao ano, muito abaixo do atual rendimento do título de 10 anos do Tesouro, que está na casa dos 3,9%.
Isso desencadeou um pânico entre as agências de rating, que supostamente aconselharam as empresas a retirar seu dinheiro do Banco do Vale do Silício.
Lições para a história não se repetir
Depois da crise de 1929, o governo americano criou o Federal Deposit Insurance Corporation, uma instituição para assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Funciona como o FGC (Fundo Garantidor de Crédito) brasileiro – só cuidado para não confundir o FDIC americano com os FIDCs (fundos de investimentos em direitos creditórios) aqui do Brasil.
O aprendizado para quem investe: renda fixa tem risco. Investir em bancos também, sendo os três principais: o de crédito, o de mercado e o de liquidez.
Geralmente, ao investir em títulos de bancos, o maior risco é o de crédito, ou seja, a capacidade do banco em honrar a dívida. Por isso, apesar da existência do FGC, tenha muito cuidado ao escolher um emissor.
Os bancos digitais no Brasil
Startups e fintechs brasileiras foram rápidas para informar, ainda no final de semana, que não tinham exposição ao SVB. Essa situação remeteu a algo que tenho comentado desde a metade do ano passado, a necessidade de os bancos digitais se reinventarem.
Estas fintechs surgiram no cenário brasileiro quando os bancos tradicionais estavam aquém em termos de tecnologia e serviços gratuitos. Após o nascimento desta nova concorrência, os grandes players se movimentaram e criaram seus próprios bancos (ou modelos) digitais. Ou seja, correram atrás para aprimorar o serviço e o atendimento.
As fintechs conseguiram muitos clientes através de serviços gratuitos e o oferecimento de rendimento a 100%, 150% ou 200% do CDI nas contas correntes. Isto quando as taxas de juros no Brasil e no mundo eram bem baixas. Com uma taxa de juros alta, porém, o custo de aquisição para clientes aumentou. É muito mais caro oferecer 100% do CDI quando ele é de 13,65% ao ano.
Próximos capítulos
No início da semana, o mercado trabalhava com a hipótese de que a crise nos bancos regionais americanos force o FED a ter uma postura mais frouxa em relação ao combate à inflação e isso permitiria frear o crescimento da taxa de juros.
Uma vez que precisamos, no Brasil, oferecer um prêmio de risco (ou seja, um prêmio que justifique o investidor global apostar em um país mais arriscado que os EUA), a medida que o FED parasse de subir a taxa de juros, haveria espaço para o Copom também cortar os juros.
O mercado esperava que, com o resultado do indicador de inflação americana, o CPI, que saiu na quarta (14), mostrando uma desaceleração do crescimento dos preços, pudesse deixar o FED mais confortável para reduzir o ritmo de juros. Porém, o núcleo veio acima do esperado, o que pôs fim a esta hipótese.
Os investidores entendem que a inflação persistente diminui a chance de uma pausa no aumento dos juros. Ainda temos muito a observar.
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