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Risco de crise bancária se alastrar para o Brasil é considerado pequeno
A extensão da crise bancária nos Estados Unidos ainda é incerta, mas o risco de uma contaminação nas instituições financeiras brasileiras é considerado baixo, segundo especialistas ouvidos pelo Valor. Além de os bancos locais terem bons índices de capitalização e liquidez, a exposição deles ao mercado americano é pequena.
A crise pode respingar no Brasil de outras formas, principalmente pelo aumento da aversão a risco, o que poderia afetar o câmbio e levar a um apetite ainda mais baixo dos investidores por ativos de emergentes. Outro canal se daria meio dos preços das commodities, se houver uma recessão mais profunda que o esperado nos Estados Unidos.
Caio Megale, economista-chefe da XP e ex-secretário de Desenvolvimento da Indústria e Comércio do Ministério da Economia, afirma que por enquanto não é possível saber se os problemas no Silicon Valley Bank (SVB) vão afetar outras bancos de maior porte nos EUA. “Podemos estar sentados em um castelo de cartas, e o SVB foi a primeira carta a cair, ou pode ser isso tudo passe e em uma semana a gente esqueça o que era esse banco”, diz.
Segundo Megale, as autoridades americanas agiram rapidamente e fizeram o que tinham de fazer para estancar o problema. Para o economista, diferentemente da crise de 2008, quando o mercado imobiliário americano tinha problemas estruturais graves, a dificuldade do SVB agora foi um caso clássico de má gestão financeira, de descasamento entre ativos e passivos.
O advogado Jairo Saddi, ex-presidente do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), diz não acreditar que haverá uma crise bancária nos EUA. Primeiro por conta do volume de ativos relativamente pequeno do SVB, e segundo porque o risco de contágio por reputação parece remoto. Ainda assim, ele acha que as autoridades terem salvado todos os depositantes, mesmo os com volumes acima do limite de US$ 250 mil coberto pela Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), passa uma mensagem errada e gera um risco moral. “Dado que vão salvar todo mundo, isso gera um incentivo errado, de que todo investidor pode aplicar como for que será salvo”, afirma.
Uma diferença importante para a crise financeira de 2008 é que, por causa dela, hoje estão em vigor as regras de Basileia 3 – que aumentaram as exigências de capital bancário – e outros avanços regulatórios. No entanto, alguns especialistas dizem que essas ferramentas deveriam ter impedido que o descasamento de ativos e passivos do SVB passasse despercebido pelas autoridades.
Ênio Bonafé, economista e instrutor da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), afirma que um caso como o do SVB seria muito mais difícil de acontecer no Brasil. Por aqui, normas prudenciais do Banco Central exigem que os bancos mensurem e remetam à autoridade a liquidez de curto prazo (LCR) e o risco de juros na carteira bancária (IRRBB). “Na pandemia o Federal Reserve [Fed, banco central americano] irrigou o mercado e permitiu que os bancos colocassem esse dinheiro em títulos sem marcação a mercado. O que aconteceu lá certamente seria muito mais difícil aqui. Os EUA adotaram as regras de Basileia de forma muito mais restrita que o Brasil.”
No início deste mês, o Comitê de Estabilidade Financeira (Comef) do BC disse que “os bancos em geral mantêm voluntariamente capital e liquidez em níveis superiores aos requerimentos prudenciais” e que “diante da reduzida exposição cambial e da pequena dependência de funding externo, a exposição do SFN [sistema financeiro nacional] a flutuações financeiras originadas no exterior é baixa”.
Já no Relatório de Estabilidade Financeira, no fim do ano passado, o BC mostrou que em junho o índice de liquidez de curto prazo havia subido para 183%. Esse indicador, também chamado de “liquidity coverage ratio” (LCR), relaciona o volume de ativos líquidos detidos pela instituição com o fluxo de caixa em um cenário de estresse, considerando as estimativas de desembolsos um mês após a eclosão de um problema. Um resultado superior a 100% mostra que há ativos suficientes para suportar uma crise de liquidez por esse período.
Junior Borneli, fundador da StartSe, escola de negócios que atua vários polos de inovação, incluindo o Vale do Silício, diz que, à luz do caso SVB, os fundos de hedge e venture capital estão orientando suas investidas a reavaliar onde depositam seus recursos e, nesse sentido, o ecossistema terá de se reinventar. “Todos os CFOs [diretores financeiros] de startups estão analisando isso, tentando entender a solidez dos bancos que utilizam. Em última instância, poderiam tirar o dinheiro de bancos pequenos e médios, que têm mais risco, já que possuem menos ativos disponíveis e uma gestão financeira talvez não tão forte quanto as grandes instituições.”
Para ele, talvez ainda não tenha chegado a “hora mais escura” da crise e o rearranjo do mercado pressiona ainda mais as startups, que já vivem uma escassez de capital. O caso do SVB pode acelerar uma onda de fusões e aquisições no segmento. “Muitas startups vão deixar de existir. Num cenário mais pessimista, podemos ter uma extinção em massa de startups.”
Por Álvaro Campos
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