Saiba como o Ecad tem cobrado direitos autorais na era da música digital

Escritório que arrecada royalties musicais embarca em projeto de modernização

Isabel Amorim chegou ao Ecad há três anos com a missão de imprimir um novo perfil à entidade, uma instituição privada e sem fins lucrativos responsável por arrecadar e distribuir direitos autorais de execução pública de músicas no Brasil. Agora, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição passa por um intenso processo de transformação digital.

Amorim tem uma carreira consolidada em negócios e comunicação e sucedeu a outra mulher, Glória Braga, que, depois de mais de 20 anos, decidiu deixar a empresa. “A Glória é advogada e montou o que o Ecad é hoje, e ela teve um papel importantíssimo na solidificação do que é a lei de direito autoral neste país. Depois dessa fase da Glória, acho que as associações tinham entendido que era o momento de diálogo com a sociedade, e aí meu perfil cabia bem no que eles estavam querendo. Não era uma mudança de caminho, mas um ajuste na maneira de trabalhar”, diz Amorim.

Num meio em que os postos de chefia ainda são dominados por homens, o Ecad destoa. Não só está há mais de duas décadas sob o comando de uma mulher, mas 50% do seu quadro de funcionários é formado por mulheres, sendo 44% delas em cargos de liderança.

Uma das principais iniciativas atuais é o projeto digital de identificação musical, cujo objetivo é agilizar o reconhecimento das músicas que são tocadas ao vivo. Esse sistema de identificação automática havia sido implementado no segmento de rádio em 2011, estendeu-se para a TV e, com os anos, foi sendo aprimorado. “É um projeto que exigirá do Ecad um volume de investimento constante em pesquisa e desenvolvimento”, diz Amorim.

“Primeiro começamos identificando rádio, agora vamos lançar uma melhoria de identificação de música ao vivo. Isso já estamos testando. Muitas vezes, gravávamos [as músicas], precisávamos voltar para o Ecad, e a pessoa [da equipe] escutava o que foi gravado para identificar. Agora, essa gravação vai ser diretamente identificada através de um software, pra isso ser pago.”

Segundo Isabel, quando se trata de música, é muito difícil comprar tecnologia pronta. “Temos que criar do zero. Esse sistema de identificação, desenhamos na época junto com a PUC, hoje com outros desenvolvedores. Foram muitos anos de desenvolvimento para isso dar certo.”

Com passagens pelo “The New York Times”, “El País” e Editora Abril, Amorim nunca tinha trabalhado com música, mas já acumulava larga experiência com licenciamento, direitos autorais e transformação digital. Formada em administração e pós-graduada em comunicação pela USP, tem MBA pela Business School de São Paulo e Rotman School em Toronto, e pós na IE Madrid em gerenciamento global. Entre 2016 e 2018, foi bolsista em Stanford, onde estudou ciências políticas. Foi ela, por exemplo, quem implementou o “El País” no Brasil. Ela foi responsável também por criar a assinatura digital na Editora Abril.

Amorim assumiu o cargo no Ecad em novembro de 2019, poucos meses antes de a pandemia chegar. “Acho que o que era para ser uma aprendizagem no mundo da música acabou sendo um trabalho de lidar com crise.” Foi necessário diminuir a equipe, os custos e a carga horária dos funcionários, mudar a sede em poucos meses, entre outras ações.

Outro desafio foi entender qual valor cobrar dos usuários, quando tudo estava fechado e, depois, na fase de flexibilização. Isso porque, além de rádio, TV, streaming e casas de shows, estabelecimentos como academias, hotéis, bares, restaurantes, casas de festas, entre outros, também pagam pela execução de músicas ao Ecad, que faz o repasse para autores, intérpretes, músicos, editoras e produtores fonográficos, além das associações de música.

“Foi um trabalho de um ano e meio das equipes de arrecadação, que não estavam arrecadando, mas estavam conversando com os usuários. Como as regras eram por cidade e estado, não podíamos simplesmente parar de enviar todas as faturas. Então, fizemos um trabalho de comunicação intenso para dizer: se você estiver fechado, me avise. Está fechado? Ok, sua fatura será cancelada. Mas imagina: são 122 mil boletos por mês em média”, conta ela. “Depois, quando começou a abrir, era o seguinte: estou aberto, mas só posso ter 30% de clientes. Ok, vamos cobrar 30%. Foi uma operação de guerra. Mas, para se ter uma ideia como isso gerou resultado, na América Latina, a queda de arrecadação de direitos autorais foi de 35%. No Ecad, foi de 20%.”

Além disso, segundo a instituição, no primeiro semestre de 2022 houve um crescimento de 27% na distribuição de direitos autorais de execução pública destinada a titulares de música em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram distribuídos R$ 509 milhões a 210 mil autores, intérpretes, músicos, editoras e produtores fonográficos, além das associações de música.

Amorim tem usado ainda sua expertise em lidar com o mercado para negociar com as plataformas digitais os direitos conexos, que garantem o pagamento de direitos autorais para além dos autores, incluindo também nessa equação músicos acompanhantes, intérpretes e produtores fonográficos. “Quando começou o licenciamento das grandes plataformas no mundo, o direito conexo não é pago, porque entende-se que os músicos acompanhantes já receberam lá no início das gravadoras, das editoras. É uma luta que estamos conseguindo ganhar pouco a pouco, mas são negociações que demoram um ano e meio às vezes.”

Ela explica que o direito conexo é pago em todas as outras plataformas, como TV, rádio, show, e no digital esse grupo ficou fora. “Acho que isso é algo que também aprendi muito na gestão coletiva: que os movimentos têm que ser feitos com muito cuidado, muita paciência. Você não muda rápido. É uma luta que vai demorar um tempo, mas já estamos conseguindo, e é muito bacana ver os resultados.”

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