Sem surpresas, IPCA mantém sinais de alerta

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Após desacelerar para 0,54% em janeiro, inflação deve rondar 0,9% em fevereiro, estimam economistas
Após o susto com a prévia da inflação de janeiro, o IPCA cheio do mês (0,54%) até veio abaixo do consenso do Valor Data (0,56%). Não significa, porém, boas notícias. A dispersão é alta, núcleos e serviços subjacentes seguem pressionados, bens industriais não dão sinal relevante de alívio e fatores baixistas pontuais de janeiro tendem a se reverter em fevereiro, levando a inflação a rondar 0,9%.
Pela terceira leitura seguida, o IPCA desacelerou na margem, após avançar 0,73% em dezembro de 2021. O resultado divulgado ontem pelo IBGE, no entanto, foi o maior para um mês de janeiro desde 2016 (1,27%). No acumulado em 12 meses, o índice acelerou de 10,06% até dezembro para 10,38% em janeiro – sem superar o pico de novembro (10,74%), mas ainda muito acima do teto da meta para o ano (5%).
Após a publicação de janeiro, alguns bancos ajustaram suas projeções para o IPCA de 2022, como o Barclays (4,9% para 5,3%), o J.P. Morgan (5,2% para 5,4%) e o UBS BB (4,25% para 4,5%). O boletim Focus mais recente, anterior à divulgação de ontem, indica 5,44%. “A nosso ver, as divulgações do IPCA-15 e IPCA de janeiro sugerem que o quadro para a inflação continua preocupante”, escrevem Vinicius Moreira e Cassiana Fernandez, do J.P. Morgan. A composição do IPCA de janeiro mostrou pressões “fortes e generalizadas”, segundo eles.
A difusão (proporção de itens com alta de preços) caiu um pouco (de 74,8% em dezembro para 73,2% em janeiro), mas continuou historicamente elevada – a média mensal dos últimos dez anos é de 66,1%, de acordo com o Barclays.

Dos nove grupos pesquisados, cinco aceleraram na passagem de 2021 para 2022. O maior impacto (0,23 ponto percentual) veio de alimentação e bebidas, com alta de 1,11%. A alimentação no domicílio avançou 1,44%. “Fatores climáticos acabaram influenciando na quantidade e qualidade dos produtos”, diz André Filipe Almeida, analista da pesquisa no IBGE.
Individualmente, o maior impacto para cima veio de automóvel novo, cujo preço subiu 2,19%. Em 12 meses, acumula alta de 17,2%. “Esse desarranjo nas cadeias globais de produção, provocado principalmente pela pandemia, afeta itens que trabalham com componentes importados”, diz Almeida.
A desaceleração no preço de bens industriais – de 1,41% em dezembro para 1,22% em janeiro, segundo a MCM Consultores – também ficou aquém, dizem economistas, e a categoria gera pressões dentro dos próprios grupos. Embora o alívio no preço de transportes, único grupo com deflação em janeiro (-0,11%), esteja em linha com a expectativa, a queda grande em transportes por aplicativo (-18%) “mascarou” surpresas altistas não só em carros novos, como também em usados (1,5%) e no conserto de automóvel (2,2%), diz Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays.
Ele nota que a inflação de 12,7% dos bens industriais em 12 meses até janeiro é a maior, nessa base, em quase vinte anos.
No sentido contrário, a queda de 18,35% na passagem aérea foi a principal contribuição negativa. Isso ajudou a trazer para baixo a inflação de serviços, de 0,79% em dezembro para 0,39% em janeiro. Em 12 meses, porém, ela acelerou de 4,8% para 5,1%. E a inflação de serviços subjacentes – que exclui itens mais voláteis, como as próprias passagens – passou de 0,8% em dezembro para 0,94% em janeiro. Segundo Fábio Romão, economista da LCA Consultores, esse é um sinal de que existe uma indexação importante “dando o rumo” para certos preços em 2022.
A média dos principais núcleos (outras medidas que tentam suavizar volatilidades) também arrefeceu pouco, na visão dos economistas, ao passar de alta de 0,9% em dezembro para 0,87% em janeiro, segundo a MCM. Em 12 meses, avançou de 7,42% para 7,88%. “No curto prazo, está muito difícil olhar para os números de inflação e acreditar que possam melhorar”, diz Flávio Serrano, economista-chefe da Greenbay.
Para fevereiro, ele diz esperar um IPCA entre 0,85% e 0,9%. A sazonalidade, lembra, não é favorável para alimentos in natura, e há pressões na carne bovina. Com reajustes na Petrobras, também não será possível mais contar com queda na gasolina (-1,14% em janeiro) – junto com energia elétrica (-1,07%), ela ajuda a explicar a deflação nos preços administrados no mês (-0,35%). Mas o principal fator altista será o reajuste nas mensalidades, que pode levar a inflação do grupo educação para perto de 6%, estima Serrano.
Apesar disso, olhando mais à frente, sobretudo a partir de abril, a combinação de atividade fraca, baixa remuneração do trabalho e juros elevados pode começar a colocar um freio na inflação, diz ele, projetando IPCA de 5% em 2022.
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