Tarifaço de Trump: instabilidade global preocupa especialistas

Anúncio de novas tarifas por Trump gera instabilidade global, mas especialistas veem impacto menor no Brasil devido à taxa diferenciada aplicada ao país

O anúncio feito pelo presidente americano, Donald Trump, de novas tarifas para os parceiros comerciais dos Estados Unidos traz instabilidade para o comércio internacional, mas, a princípio, parece ter um efeito “menos pior” ao Brasil. É o que apontam especialistas ouvidos pelo Valor, nesta quarta-feira (2).

Ainda não está claro como as sobretaxas serão aplicadas, mas, conforme anunciou o chefe da Casa Branca, os produtos brasileiros importados para os Estados Unidos serão taxados com a tarifa base de 10%. O percentual é menor do que o anunciado para China, de 34%, e União Europeia, de 20%.

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Para a diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e senior fellow do Cebri, Sandra Rios, devido a essa diferença de tarifas entre países, abre-se uma possibilidade de o Brasil ampliar sua competitividade no mercado americano, pois países que concorriam com os produtos brasileiros devem passar a ter taxas maiores.

“Há um alívio para o Brasil depois dessa divulgação, porque se outros países que concorrem com a gente no mercado americano vão ter tributação mais elevada do que a nossa, acaba que, no fim das contas, a gente recupera um pouco a falta que nos fazia não ter um acordo comercial com os Estados Unidos, que muitos países tinham”, explica a especialista, pontuando que, com as sobretaxas, Trump ignorou pactos comerciais internacionais já existentes envolvendo os EUA.

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Café asiático perde competitividade

Rios cita como um exemplo o caso do café, cuja exportação brasileira concorria com a vietnamita no mercado americano. No anúncio desta noite, Trump impôs uma tarifa de 46% ao Vietnã, o que deve encarecer os produtos do país asiático nos Estados Unidos.

Em nota publicada pela Casa Branca após o anúncio do presidente americano, o governo dos EUA explicou que será imposto uma tarifa base de 10% (que valerá para o Brasil e demais países listados por Trump). Já para os países em que a gestão do republicano considera ter “os maiores déficits comerciais” foi imposta “uma tarifa recíproca individualizada e mais alta”.

Welber Barral, sócio da BMJ e ex-secretário de Comércio Exterior, concorda que o cenário brasileiro ficou menos pior do que o dos países que receberam taxas mais altas. Contudo, avalia que o impacto do “tarifaço” é negativo para o mundo como um todo — e isso inclui os Estados Unidos.

Instabilidade no mundo; risco de inflação maior nos EUA

“A notícia não é boa para o mundo. [Ela] cria instabilidade, gera inflação nos Estados Unidos, e isso pode levar ao aumento da taxa de juros. Há também uma desobediência de acordos internacionais e fragilização do multilateralismo. Então a situação é imprevisível e é ruim para investimentos”, afirma Barral, que acredita que as sobretaxas levaram a um aumento dos preços no mercado americano.

“Quem paga a tarifa é o importador e repassa para o preço do consumidor. Então, o grande efeito inicial é no mercado americano. No segundo momento, pode haver vários efeitos no mundo inteiro. Porque há várias cadeias consolidadas e integradas de produção que vão ser afetadas. Os preços de insumos vão ser afetados. Dependendo da retaliação, pode ter elevação de preços em setores específicos. Então, pode ter o efeito de cadeia, mas inicialmente o efeito é sobre o consumidor americano”, completa o ex-secretário.

O cientista político Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), vê o anúncio de Trump como “um novo capítulo no processo de ruptura com o sistema de comércio internacional construído nas últimas décadas”. “Talvez o mais dramático até agora”, completa. O especialista acredita que ainda é cedo para avaliar todos os impactos, até porque muitos países e empresas devem se movimentar para pedir exceções às tarifas ou negociar melhores condições.

Implicações geopolíticas

Stuenkel, porém, destaca que as tarifas anunciadas atingem até mesmo países pobres e com economias abaladas, como a Síria, cuja sobretaxa foi anunciada em 41%). O país do Oriente Médio vive uma guerra civil desde 2011. A medida do americano, na visão do cientista político, pode devastar ainda mais o país, enfraquecer a sua já frágil recuperação e criar um vácuo que pode ser explorado por grupos extremistas.

“Mais amplamente, aplicar tarifas elevadas a países pobres pode reduzir suas taxas de crescimento, agravar crises humanitárias e, paradoxalmente, aumentar a pressão migratória — inclusive em direção aos próprios EUA. Trata-se, portanto, não apenas de uma decisão econômica, mas com implicações geopolíticas importantes”, complementa Stuenkel.

O cientista político também destaca a falta de critérios claros e rigor técnico no anúncio americano desta noite. Ele cita como exemplo a tarifa de 37% anunciada para a Ilha da Reunião, um departamento ultramarino francês — o que, em tese, teria que ser incluído no percentual que será cobrado para importações da União Europeia.

“Isso sugere que a medida foi elaborada às pressas, sem as devidas consultas técnicas”, diz Stuenkel. Ele completa: “Parte da dificuldade de resposta dos demais países decorre da falta de clareza sobre os critérios usados por Washington. Assessores de Trump têm dado justificativas distintas: alguns falam em reciprocidade, outros mencionam segurança nacional, enquanto outros citam desequilíbrios comerciais. Isso dificulta a formulação de estratégias de negociação eficazes por parte dos parceiros dos EUA”.

Trump protecionista

Para o embaixador Marcos Caramuru, conselheiro consultivo do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), as medidas tarifárias de Trump não seguem “espírito de liberalização mundial” e reforçam o perfil protecionista adotado neste segundo mandato no republicano à frente da Casa Branca.

O diplomata afirma ainda que o “tarifaço”, ao atingir países e não produtos ou setores específicos, fere a regra da nação mais favorecida e cria ambiente de instabilidade para as empresas.

“ Do ponto de vista das regras do comércio, é uma violação ainda maior do que as violações que ele tem feito até o momento”, diz Caramuru.

As relações comerciais sempre se pautaram pela cláusula da nação mais favorecida em primeiro lugar. Isto é, a tarifa que se aplica a um, se aplica a todos, com raras exceções. [Com o anúncio] é um turbilhão nas regras comerciais”, completa.

Com informações do Valor Econômico

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