Análise: tarifaço de Trump pode levar o mundo para a recessão; mas os EUA podem ir junto?

Em 1981 Pedro Malan prestou concurso para se tornar professor titular na UFRJ. Para isso, apresentou uma tese cujo título era: ‘Política econômica e teorias de balanço de pagamentos: relações internacionais no período 1946-1979’.
Não ganhou o cargo, mas o título de livre-docente. Nas séries de agradecimentos que antecedem a exposição do trabalho acadêmico propriamente, o futuro ministro da Fazenda escreve ser preciso pensar o Brasil com os pés na terra, o coração no social e a cabeça no mundo.
Pensei neste trecho do livro ‘Os homens da moeda’, série de artigos escritos e organizados pelo professor da USP Ivan Colangelo Salmoão, enquanto acompanhava o discurso de Trump que impôs severas tarifas para 50 países cujos produtos e serviços são importados pelos Estados Unidos.
Adaptando a frase para a decisão da Casa Branca mais de 40 anos depois fica a impressão de que o republicano fincou o pé na terra, o coração no social, mas esqueceu-se da ‘cabeça no mundo’.
E isso tem suas implicações. E elas podem ser severas.
Tarifaço de Trump: começamos pelo fim
Comecemos então pelo fim. Uma importante fonte do mercado, consultada no começo da noite de quarta-feira (2) pela reportagem, logo após o anúncio, explica melhor o que se passa.
Esperava-se que a tarifa média (e há aspas na palavra média) seria de 17 pontos percentuais. Foi de 20 pontos, o que é perto. Mas abaixo. Só que houve punição para o Sudeste e o Sul da Ásia.
Vietnã terá taxa de 46%, Tailândia taxada em 36%, Camboja em 49%, Siri Lanka em 44%. E China, claro, terá de se resolver com taxação de 34%.
Na prática, ainda segundo essa mesma fonte, isso significa que a administração Trump apertou ainda mais o parafuso, isso porque no primeiro mandato taxou a China esperando que as fábricas voltassem para os Estados Unidos, mas elas foram justamente para o Sudeste e Sul da Ásia.
A aposta agora, de Trump, claro, é de que elas regressem para os Estados Unidos com esta nova e alargada estratégia. Mas no caminho pode-se levar o mundo para uma recessão. E aí, na conversa sobre Trump, veio um questionamento: “Não tem risco dos Estados Unidos ir junto?”
Mundo em recessão? Tem risco para os Estados Unidos?
Tem, mas neste primeiro momento, Donald Trump pode dizer que pensa no social. Falou isso durante o discurso nos jardins da Casa Branca mais de uma vez – vai devolver as fábricas para o país. E até deu voz para um trabalhador sindicalizado de Detroit, o local nos Estados Unidos inteiro que mais sofreu nas últimas décadas com a desindustrialização.
Pode falar – e falou – que pensou nos Estados Unidos primeiro, com o discurso de que está colocando o seu país na frente de outras nações. Mas isso pode ter consequências severas nos próximos anos para o mundo todo.
Brasil pode ser beneficiado pelo tarifaço de Trump
Países aqui e acolá podem ter vantagens. É o caso do Brasil. A alíquota de 10% é mais baixa do que a imposta a outros países e à União Europeia. E isso evidencia que o país foi colocado no grupo de nações com quem os Estados Unidos têm superávits comerciais. Estão ao lado do Brasil, o Reino Unido e a Austrália, por exemplo.
No fim da noite de ontem, a conta era: Trump pensou nos Estados Unidos, no social e não no mundo. É coerente com a campanha que lhe devolveu a Casa Branca no ano passado, mas pode ser muito perigoso para o frágil equilíbrio comercial com o qual o mundo lida atualmente.
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