Varejo digital tem pior Black Friday da história, enquanto comércio físico tem leve alta
Estratégia agora se volta para o Natal que historicamente traz menos ofertas
O varejo on-line teve a pior Black Friday da sua história neste ano, com recuo em número de pedidos e no valor gasto por compra. Houve queda de 28% nas vendas na sexta-feira sobre 2021, para R$ 3,1 bilhões, em cima de uma base fraca de comparação, já que o ano passado havia registrado o menor crescimento na data, até então. A partir desta semana as estratégias comerciais se voltam para os próximos 20 dias, para tentar retomar crescimento e buscar melhores margens nas ações de Natal.
O recuo na sexta-feira, data principal do evento, equivale a R$ 1,2 bilhão a menos em vendas do que o ano anterior, segundo monitoramento fechado no sábado pela Confi Neotrust, empresa de dados com foco no digital, em parceria com a ClearSale, voltada para prevenção a riscos. Há o efeito da recente deterioração do poder de compra, mas também do baixo nível de confiança na economia em 2023.
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Vendas no varejo registram leve alta
Por outro lado, as vendas do comércio físico obtiveram uma leve alta de 0,6% na semana da data da Black Friday em comparação ao mesmo período do ano anterior, foi o que apontou um levantamento da Serasa Experian.
Ainda assim, esse resultado não é digno de tanta comemoração. “O índice revelou, de fato, um desempenho melhor do que o registrado em 2021. No entanto, essa variação é pouco expressiva e não repõe as perdas do ano passado”, esclarece Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.
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Incertezas políticas e econômicas
Além do ambiente econômico difícil no ano, há o risco de um início de 2023 ainda com alto grau de incerteza política e sem melhora na renda no curto prazo, após a troca de governo, levando o consumidor a segurar os gastos, dizem especialistas. A NielsenIQ|Ebit apurou queda de 23% na sexta-feira.
Houve leve melhora na demanda dos sites no sábado, apurou a reportagem, mas não a ponto de “virar” a tendência de queda. Circulavam informações no setor neste fim de semana de que as lojas físicas de redes tradicionais tiveram vendas um pouco melhores sobre 2021, impedindo um desempenho geral pior.
Mas não foi bem assim. De acordo com a pesquisa da Serasa Experian, durante o final de semana da Black Friday, o varejo físico teve queda de 13,2% no comparativo com o ano anterior.
Dados do varejo digital e físico causa espanto
É a primeira vez, em 12 anos de evento, em que há uma retração nas vendas, o que causou surpresa em associações e consultores. Todas as regiões do país tiveram queda. Consultores e entidades estimavam alta nominal de 3% a 9%.
“Não esperávamos isso, as pessoas não consumiram, ainda vivemos um período econômico difícil. E havia uma ansiedade grande nas empresas, todo mundo querendo recuperar um pouco os números do ano”, diz Matheus Manssur, superintendente comercial de comércio eletrônico na ClearSale.
“É preciso fazer um ‘mea culpa’ também. Algumas empresas ‘operaram’ mal a data, muita gente basicamente repetiu o planejamento de 2021”, diz fonte a par dos planos de compra junto às indústrias.
Houve ainda impacto do encarecimento dos produtos após aumentos seguidos de preços de bens duráveis, e da escalada da taxa Selic, reduzindo a capacidade de compra. Desde a última Black Friday, a Selic quase dobrou e as taxas de juros no carnê do comércio variam hoje de 8% a 15% ao mês, calculou a reportagem em sites de empresas líderes do varejo.
“Tivemos o jogo do Brasil na quinta-feira, o que gerou dispersão. Mas houve outros efeitos. Apesar das expectativas, o próprio comércio optou pela racionalidade e não criou ofertas e ações de mídia tão fortes. E ainda antecipou promoções para outubro e primeiras semanas de novembro, espalhando a venda. É o caso de pensar se está valendo mesmo diluir tanto a Black no mês”, disse Manssur. O relatório da ClearSale considera a venda de uma cesta geral de produtos como alimentos, moda e eletrônicos, vendidos por clientes das empresas de dados.
Antecipação nas vendas pode ter contribuído com resultado
Chama a atenção o fato de que, mesmo com esse desempenho ruim do segmento até setembro, o recuo se acentuou ainda mais na Black. De janeiro a setembro, a taxa de queda era menor, de 3,6%.
A antecipação nas vendas em outubro e novembro pode ter tirado algum fôlego da Black na sexta-feira, porém, mesmo de 1 a 25 de novembro, a pesquisa relata um recuo de 8,5%, para R$ 16,5 bilhões — acima dos 3,6% até setembro.
Em relação ao total de pedidos, houve diminuição pelo segundo ano seguido — na sexta, a queda foi de 23,7%, frente à diminuição de 0,5% um ano atrás. O gasto por compra médio foi de R$ 733, redução de 5,9% (sem descontar a inflação). No levantamento, foram consideradas as transações da sexta-feira, da meia-noite até 23h59.
Pix supera o uso de boletos na Black Friday
A NielsenIQ|Ebit reporta queda de 1% em novembro até o dia 25, em relação ao mesmo período de 2021. Porém, acredita em melhor desempenho geral com o funcionamento normalizado das lojas.
Entre os aspectos positivos da data promocional estão o aumento da fatia da modalidade de pagamento Pix nas vendas, superando o uso do boleto pela primeira vez. O Pix eleva a soma de recursos diretamente no caixa, melhorando até mesmo a gestão de estoques. Houve também um leve aumento de total de itens por cestas, com destaque para cervejas, chocolates e salgadinhos, segundo a chefe da área de inteligência da Confi Neotrust, Paulina Dias. Cartão de crédito respondeu por 54,2% das operações, seguido conta digital, cashback, débito (16,3%), Pix (15,7%) e boleto (13,8%).
O comando do Mercado Livre informou que identificou alguma retomada na demanda após o jogo do Brasil contra a Sérvia na Copa do Catar, na quinta-feira à tarde. Mas na madrugada da sexta-feira — sem tantas “lives” neste ano, que trazem tráfego para todas as plataformas — a curva desacelerou. Houve uma melhora após o período da manhã — a empresa não abre números, apenas diz que cresceu sobre 2021. O Magazine Luiza (MGLU3) e a Americanas costumavam fazer uma espécie de batalha das “lives” na noite de quinta-feira, mas o Magalu não fez esta ação neste ano.
Não há dados publicados pelos maiores “marketplaces” como Mercado Livre, Magazine Luiza, Americanas e Via (VIIA3), mas historicamente eles registram números melhores que a média. E poderiam ser beneficiados pela demanda por aparelhos de TV na Black. “Foi uma Black de Copa, de produtos de Natal e de moda e, para nós, de maior força no Nordeste. Crescemos 40% lá, após melhora nos prazos de entrega. De forma geral, produtos mais buscados foram camisa do Brasil, árvores e luzes de Natal, macacão, sandália e vestido femininos”, diz Fernando Yunes, que comanda o Mercado Livre no Brasil.
Olhares voltados para o Natal
A partir de agora, a necessidade de buscar resultados se volta para o Natal com uma venda mais diluída do que a Black, e historicamente, com preços mais “cheios” e menos ofertas.
Como as redes grandes e médias já vinham com ajuste de estoque grande no ano, e não reforçaram tanto essa linha após outubro, já adotando política conservadora, não há alto volume a ser “queimado” após dezembro. Mas não se descarta no mercado que sites e aplicativos acelerem ofertas se dezembro começar em ritmo fraco, apesar de eventuais efeitos na margem de lucro.
“Há um plano de eficiência forte nas empresas neste ano, com corte de custos e repasses de pressões de despesas aos ‘sellers’ [lojistas dos ‘marketplaces’]. Mas não descarto um movimento mais agressivo em dezembro caso busquem fazer venda maior agora. Isso seria diferente do que vimos em outros ‘dezembros’, quando não temos tantas promoções, algo bem mais comum em janeiro”, disse Mansur.
Sobre o assunto, Yunes lembra que “Natal é todo o mês de dezembro e não tem o senso de urgência da Black”, afirmou. “Vamos começar a lançar ações focadas no Natal já no começo de dezembro”, disse o executivo.
Com reportagem do Valor Econômico