Do recorde de US$ 68 mil ao tombo até US$ 15 mil: entenda o tobogã do bitcoin em 2022

Em um cenário macroeconômico desfavorável, vários episódios setoriais minaram a confiança no mercado cripto e empurraram o preço do bitcoin para mínimas de dois anos

Foto: Kanchanara/Unsplash
Foto: Kanchanara/Unsplash

O tradicional movimento de montanha-russa, que sempre caracterizou o mercado cripto e era considerado normal pelos operadores, deu lugar a outro brinquedo: o tobogã. Desde o topo dos US$ 68 mil, registrado no início de novembro de 2021, o bitcoin, a principal criptomoeda em valor de mercado, despencou à mínima de pouco mais de US$ 15 mil, no mês passado, e deve encerrar o ano, pouco acima desse patamar.

“2022 está sendo um ano de crise profunda e abrangente no mercado financeiro. Cripto não escapou”, aponta João Marco Cunha, gestor de portfólio da Hashdex. Além das condições macroeconômicas, ele cita os quatro colapsos que merecem destaque pela proporção dos seus impactos: o do ecossistema Terra/Luna (plataforma blockchain para emissão de stablecoins algorítmicas), o da Celsius (plataforma de empréstimos com cripto), o da Three Arrow Capital (gestora focada em cripto) e, finalmente, da FTX (exchange de criptoativos e seus derivativos).

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Não foi um ano fácil para o bitcoin. A depressão do ativo já vinha sendo observada já no final de 2021, quando investidores passaram a realizar seus lucros após o recorde de preço.

Em janeiro, a política monetária restritiva, com aumento das taxas de juros, adotada pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) para controlar a inflação descontrolada, começou a impactar os ativos de risco, como ações e criptos. A chegada do chamado “inverno cripto” estava anunciada e, a princípio, não assustava tanto, já que era um período de baixa no mercado ao qual os participantes já estavam acostumados.

Mas especificamente este inverno traria algumas nevascas não previstas. A primeira delas, em maio, foi o colapso do projeto Terra/Luna, com a stablecoin algorítmica TerraUSD, que perdeu sua paridade ao dólar, provocou uma onda de vendas até praticamente zerar seu valor. Nesse período, o bitcoin já era negociado a US$ 30 mil.

O período de turbulência foi marcado pela quebra de grandes empresas ou grandes projetos dentro desse universo, algumas bem intrínsecas a ele, observa Vinicius Bazan, analista de criptoativos da Empiricus, como foi o caso da Terra, que era um projeto exclusivamente de cripto. Outras, como foi o caso da FTX, de empresas que de alguma forma estabeleceram uma ponte entre o mundo tradicional e o mundo de cripto.

“Apesar de a FTX ser uma exchange 100% cripto, ela era a porta de entrada para você levar dinheiro fiduciário e transformar isso em cripto”, explica Bazan. Então isso se assemelhava em modelos de negócio a uma corretora tradicional. Houve um grande choque em operações que estavam alavancadas e/ou insolventes, gerando o efeito cascata, começando com o colapso da Terra e do UST, que era sua moeda. E depois de todos os reflexos que teve, com a falência da Celsius, da Voyager, BlockFi, FTX. A gente teve uma contração no volume de investimentos institucionais em cripto.

A exposição de diversos outros projetos cripto à Terra/Luna foi pouco divulgada oficialmente, mas conforme o tempo foi passando, as feridas foram aparecendo e provocando novas vítimas. Em junho, a liquidação do fundo de hedge da Three Arrows Capital (3AC) e seu contágio a outras empresas do segmento, como as plataformas de empréstimos Voyager e Celsius, deu início a uma onda de falências ainda não vivida pelo mercado cripto até então. Nesse cenário setorial e ainda fortemente correlacionado ao desempenho dos índices S&P 500 e Nasdaq, o bitcoin encerrou o primeiro semestre do ano valendo em torno de US$ 23 mil.

O clímax dos fatos negativos ocorreu em novembro, quando a FTX, uma das cinco maiores exchanges do mundo, foi à lona, com um rombo que, por ora, ronda os US$ 10 bilhões, além de acusações de fraude e má gestão dos recursos dos clientes. O episódio levou o bitcoin a um fundo de US$ 15 mil, menor preço em mais de dois anos.

Novos impactos do caso FTX no ecossistema ainda são incertos, mas já é claro o movimento em torno da construção de uma regulamentação para o mercado de criptomoedas até então rechaçado pela grande maioria de seus participantes. Além disso, novos questionamentos sobre a importância e a legitimidade das criptos voltaram à tona.

Paul Krugman, vencedor do Nobel de Economia que previu a bolha especulativa imobiliária nos Estados Unidos e deu origem à crise financeira mundial em 2008, escreveu em artigo no New York Times que o bitcoin ainda não disse a que veio. “O bitcoin, que foi introduzido em 2009 (!), ainda não encontrou nenhum uso significativo no mundo real”, escreveu.

Daniel Miranda, diretor financeiro da CSD, registradora de ativos financeiros e mobiliários, aponta três fatores a serem observados em relação às criptos: utilidade/viabilidade, estabilidade e risco/fraude. “Neste contexto, ainda não consegui encontrar o problema que os criptoativos resolvem, ou seja sua utilidade/viabilidade”, explica. “Entendo que exista uma vontade grande de desintermediar, democratizar e cumprir outros discursos cheios de propósito, mas distantes de apresentar a função social e o objetivo disso.”

Um exemplo disso, segundo Miranda, é o caso das reservas de El Salvador compradas em novembro de 2021 e que chegaram a uma perda de R$ 370 milhões em valor de mercado em 2022. “Há quem diga que isso [a adoção do bitcoin no país] impulsionou o turismo, mas do ponto de vista de utilidade, por ora, não está claro o uso.”

Outro ponto foi a centralização de mercado após a fusão das redes do Ethereum, no processo chamado The Merge (“a fusão”). “Fica no ar o que restou do discurso cheio de propósito da desintermediação para baixar custos”, afirma. “Por fim e mais recente, o caso da FTX marca um alto risco de um ambiente que carece de um arcabouço regulatório mínimo.”

The Merge, por sinal, foi um dos eventos considerados positivos no ano para o ecossistema cripto. Em setembro, o processo de atualização da rede Ethereum, segunda blockchain mais valiosa e a maior plataforma de contratos inteligentes do mundo, substituiu seu algoritmo de consenso de prova de trabalho (Proof-of-Work, ou PoW), o mesmo do bitcoin, para prova de participação (Proof-of-stake, ou PoS).

Apesar da complexidade e incertezas quanto ao sucesso do The Merge, Fabrício Tota, diretor de novos negócios do Mercado Bitcoin, destaca que “conseguiram entregar uma solução complexa, com a mudança de PoW para PoS, que mostra capacidade de mobilização, com uma comunidade forte em torno de ethereum”. “Mesmo no bear market [inverno cripto], conseguiu fazer essa entrega notável e deixa a gente esperançoso para as próximas mudanças que devem vir ao longo dos próximos anos”, acrescenta.

Renato Cheng, diretor executivo da exchange Fameex no Brasil, também reforça o passo importante dado pela rede Ethereum. “Ao longo do ano nós tivemos muitos altos e baixos no mercado cripto, mas dentre todos os acontecimentos tivemos o tão esperado The Merge, mudando com uma atualização de software a velocidade, o número de transações e a forma como as negociações de ethereum, a segunda maior criptomoeda do mundo, são validadas”, avalia.

Do alto do tobogã marcado pelo recorde de US$ 68 mil, o bitcoin chega ao final de 2022 com uma queda de 75%. No ano, a perda é de 65%. Apesar do sucesso da atualização de sua rede, o ethereum também sofre com o cenário: desvalorização de quase 70% no ano. Seu valor recorde é de US$ 4.800 – atualmente, é negociado pouco acima dos US$ 1 mil.

Por Laelya Longo, do Valor Investe

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