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Fitch: Dez empresas brasileiras têm calote como ‘possibilidade real’
A conjuntura de juros elevados, economia lenta, turbulência internacional e choques como o da Americanas fez com que saltasse o número de grandes empresas brasileiras com chance real de calote. Em um ano, a agência de classificação de risco Fitch — uma das três principais do mundo — rebaixou sete companhias do país para o nível “CCC” ou pior, segundo levantamento compartilhado pela agência com a coluna Capital, do GLOBO.
Esses ratings indicam risco de crédito muito alto, com o calote sendo “uma possibilidade real”.
Em maio do ano passado, a Fitch classificava três companhias brasileiras com nota de crédito CCC ou pior. Hoje, são dez empresas. Seis rebaixamentos ocorreram desde dezembro, depois de o Banco Central ter elevado e mantido os juros em 13,75%, maior nível desde 2016.
Entre as companhias que foram rebaixadas estão a cimenteira InterCement, controlada pela Mover (ex-Camargo Corrêa S.A.) e cujo rating foi rebaixado duas vezes, de “B-” para “CC”; e a Light, que caiu para a nota “D” depois de pedir recuperação judicial.
Também fazem parte da lista de companhias cujas notas de crédito pioraram no período a Americanas (de “BB” para “D”), Gol (“B-” para “CCC+” hoje) e Atento, de telemarketing (de “B” para “CC” agora).
A quantidade de companhias com problemas de crédito é semelhante àquela registrada em 2016, no auge da crise que combinou impactos da Lava-Jato, impeachment da presidente Dilma Rousseff e aperto de juros.
Ao mesmo tempo em que sinalizam a fragilidade do balanço de uma companhia, ratings baixos também tornam mais difícil a captação de recursos, já que eles guiam a decisão de investimento por fundos globais.
Casos como os da Americanas e da Light, aliados à Selic alta, tornaram as condições de crédito no país mais restritas, trazendo incertezas e um cenário de menor liquidez. Isso tende a se refletir em um crescimento mais tímido da economia brasileira, afirmam analistas, com menos consumo e investimentos pelas empresas.
Apenas 4 elevações de nota
Ricardo Carvalho, diretor executivo de Corporates da Fitch Ratings, avalia que o caso Americanas foi um divisor de águas na oferta de crédito. O que se viu, diz ele, foi quase uma parada total da oferta, com os investimentos se retraindo. É um cenário diferente de 2022, quando havia liquidez e as empresas tinham facilidade em se refinanciar no mercado de capitais.
Atualmente, apenas as empresas com os melhores ratings (avaliação de crédito) estão tendo acesso aos financiamentos — e pagando mais caro.
“Não vejo nada auspicioso neste cenário nos próximos trimestres que sinalize recuperação. Os dados econômicos e resultados das empresas foram ruins. Para as companhias que estão conseguindo se refinanciar, é melhor ter a oferta, mesmo pagando mais caro, do que não ter”, diz Carvalho, lembrando que a agência fez este ano, até maio, 21 rebaixamentos de rating de empresas contra apenas quatro elevações de notas de crédito.
Carvalho afirma que, diante do baixo crescimento esperado para este ano (entre 1% e 1,5%, segundo o boletim Focus), o juro alto é fator-chave. É difícil empresas buscarem financiamentos com taxas de 13,75% mais spread. Portanto, é difícil falar também em crescimento do país com esse juro.
Ele destaca que a sinalização do início do ciclo de queda da Selic será importante para o país ter um ambiente de negócios mais favorável, assim como a volta do crédito. Para o executivo da Fitch, o governo Lula aprovou o arcabouço fiscal, mas precisa ser mais pragmático nas pautas de forma a impulsionar a economia.
Selic precisa cair a 1 dígito
Alexandre Pierantoni, chefe de finanças corporativas da Kroll no Brasil, também observa que a liquidez que se viu no mercado de crédito em 2022 sofreu uma reviravolta este ano. Ele não acredita que uma pequena queda na Selic mudará este cenário.
Será preciso uma mudança de patamar para um dígito para que recomece um ciclo virtuoso de crescimento. A estimativa do mercado é que só no fim de 2024 a Selic possa chegar a 9,5%.
“As empresas precisam trocar dívida cara por dívida mais barata para começar a gerar caixa e voltar a investir. Isso se aplica às pessoas físicas também, porque a população está endividada e não consome. A retomada da economia fica prejudicada”, diz Pierantoni, que lembra que uma das alternativas de algumas companhias para buscar recursos é o desinvestimento (venda de ativos).
O professor de Finanças da FGV/SP Rafael Schiozer concorda que a Selic elevada é o grande freio para que as companhias busquem novas linhas de financiamento.
“Ninguém quer tomar empréstimos com taxas de 16%, 17%, 18% ao ano”, comenta ele, que, apesar de ver um cenário para a queda dos juros com a aprovação do arcabouço fiscal, só acredita que haverá redução em setembro.
Procurada, a Light informou que está trabalhando no plano de recuperação judicial para restabelecer o seu equilíbrio financeiro.
“A recuperação judicial da holding Light S.A., com efeitos do stay period para as dívidas financeiras da Light SESA e da Light Energia, é o caminho mais assertivo para preservar a normalidade de suas operações, e vem mantendo conversas positivas com a maioria dos seus credores”, disse a empresa em nota.
GOL, Americanas, InterCement e Atento não retornaram até a publicação dessa reportagem.
Por Rennan Setti, João Sorima Neto e Ana Flávia Pilar, do jornal O Globo
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