Fundador da Dell acusa megainvestidor e ex-CEO de empresa concorrente de má conduta corporativa
O mais comum - e o pior - dos livros escritos por CEOs é a ladainha de tons heroicos que narra a construção das empresas que eles comandam. Michael Dell entrega mais do que isso em “Jogue limpo, mas vença”
O mais comum – e o pior – dos livros escritos por CEOs é a ladainha de tons heroicos que narra a construção das empresas que eles comandam. Em “Jogue limpo, mas vença”, lançado nos Estados Unidos em 2021 e agora no Brasil, o fundador da Dell Technologies não foge do hábito, mas entrega muito mais do que outros executivos já fizeram.
Além de contar como ergueu a marca do zero, a partir de um alojamento universitário nos anos 1980, o texano Michael Dell traz os bastidores de algumas das principais operações de compra, fusões, abertura e fechamento de capital que movimentaram a indústria dos computadores nas últimas três décadas.
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Também dispara críticas para nomes do setor, por má conduta corporativa. O megainvestidor Carl Icahn, o 106º homem mais rico do mundo segundo a lista “Forbes” de 2022 – Dell está na posição 25 -, e a ex-CEO da HP Meg Whitman, uma das suas concorrentes de mercado, estão entre os alvos.
A maior parte da narrativa se concentra no intervalo de mais de sete meses que durou a tentativa e execução do fechamento de capital da Dell, concluído em 2013. O empreendedor enxergava a estratégia como uma maneira de revigorar a audácia original da organização – que desde pequena peitava fabricantes como IBM e Compaq – e tentar ser mais agressiva, sem o aval dos acionistas, em áreas como vendas, pesquisa e desenvolvimento.
A operação incluiu ingredientes de enredo policial, como uma sala secreta de dados virtual, em que os investidores interessados em ajudar Dell a comprar as ações disponíveis podiam acessar e analisar balancetes. Nas inúmeras reuniões de revisão de preço dos papéis, nomes de bancos avalistas, consultorias e gestores da companhia tinham codinomes para evitar vazamentos à imprensa.
É nessa parte da história que Michael Dell batiza Carl Icahn de “saqueador corporativo” a “oportunista encrenqueiro”. Acionista minoritário da companhia, Icahn fez de tudo para melar a iniciativa de fechamento de capital e valorizar ainda mais a fatia de ações que tinha. Usou de cartas abertas em jornais, a fim de pôr em dúvida a capacidade de Dell de comandar a empresa, até entrevistas nas TVs para espalhar boatos de que o executivo estava passando a perna nos cotistas. Uma visita secreta que o CEO fez à casa de Icahn em Nova York, durante a briga pública dos dois, para saber das intenções do investidor no embate, é uma das boas revelações do livro.
As dificuldades da Dell de se firmar em um mercado altamente competitivo também são detalhadas pelo empresário. Quem diria que, no início dos anos 1990, a fabricante de computadores de mesa montados sob medida suou a camisa para entrar no ascendente nicho dos notebooks? As primeiras máquinas portáteis que lançou tinham falhas de projeto e até riscos de incêndio.
Para mudar o jogo, chegou a “roubar” dois engenheiros da Apple, que mostrava um ótimo desempenho com a recém-criada linha PowerBook. Hoje, a Dell chega a vender um notebook por segundo, em todo o mundo, e é líder no mercado brasileiro de PCs (desktops, notebooks e workstations), segundo relatório recente da firma de pesquisas IDC.
O autor, empreendedor precoce, compartilha os apuros que passou como líder autodidata de um negócio que crescia mais do que a sua capacidade de planejamento. Ele começou a montar e desmontar computadores aos 13 anos, no fim dos anos 1970. Antes dos 17, frequentava grupos de usuários dos primeiros modelos à venda e era leitor voraz de revistas do segmento, como “PC Magazine” e “Byte”. Pouco antes de entrar na faculdade de medicina – que nunca concluiu – vendia máquinas que ele configurava para os pais dos amigos. O negócio prosperou.
Dell chegava a ganhar US$ 80 mil ao mês quando não tinha nem 18 anos. Aos 26, ele viu a empresa que fundou entrar no ranking Fortune 500, com vendas anuais de US$ 546 milhões. Em 2022, a corporação anunciou que a receita líquida subiu 16% no trimestre encerrado em abril, na comparação anual, para US$ 26,1 bilhões. E tudo indica que o gestor de mais de 100 mil funcionários, hoje com 57 anos, quer mais.
Um dos seus mais recentes movimentos, em maio, foi o anúncio da venda do grupo de software na nuvem VMware por US$ 69 bilhões, para a fornecedora de chips Broadcom, do bilionário malaio-americano Hock Tan. Se concretizado, o acordo marca outro gol na trajetória empresarial de Dell, que adquiriu a VMware em 2016, de olho na diversificação de negócios, por US$ 67 bilhões. “Você precisa mudar para não morrer”, diz ele, no livro. “No mercado, só existem os rápidos e os mortos.”
Jogue limpo, mas vença
Michael Dell Trad.: Alves Calado Sextante. 303 págs. R$ 59,90