Fundos registram novos saques no trimestre
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Quem tem capacidade de guardar dinheiro tem privilegiado títulos bancários, com compras líquidas de R$ 28,4 bilhões em Certificados de Depósitos Bancários (CDB) no ano até 17 de março – só no mês a captação era de R$ 48,7 bilhões
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Papéis isentos de imposto de renda para a pessoa física, caso de letras de crédito e certificados imobiliário e do agronegócio (LCI e LCA, CRI e CRA), também tiveram maior procura entre janeiro e fevereiro
O setor de fundos de investimentos fechou o primeiro trimestre de 2023 com mais uma onda de resgates, com saídas acumuladas de R$ 63,7 bilhões nas carteiras líquidas, segundo dados da Anbima até 30 de março. Praticamente todas as classes registravam saques, com uma entrada apenas residual, de R$ 89,3 milhões, na renda fixa. Multimercados (-R$ 34,8 bilhões) e fundos de ações (-R$ 23,5 bilhões) lideravam o fluxo negativo. No bloco dos estruturados, houve ingressos de R$ 3,6 bilhões. O patrimônio líquido da indústria somava então R$ 7,6 trilhões.
No ano passado, a categoria já tinha perdido impulso, com resgates líquidos de quase R$ 163 bilhões, para um total de R$ 7,4 trilhões. A desidratação do segmento veio na sequência de dois anos de altas da Selic, que saiu de 2% para 13,75% ao ano. E com a inflação e os juros elevados, parte do dinheiro está sendo direcionada para recompor a renda das famílias. Sinal disso é que a caderneta de poupança acumula saídas de R$ 57,6 bilhões. O Tesouro Direto registrava vendas de apenas R$ 1 bilhão em títulos públicos no primeiro trimestre.
Quem tem capacidade de guardar dinheiro tem privilegiado títulos bancários, com compras líquidas de R$ 28,4 bilhões em Certificados de Depósitos Bancários (CDB) no ano até 17 de março – só no mês a captação era de R$ 48,7 bilhões. Os papéis isentos de imposto de renda para a pessoa física, caso de letras de crédito e certificados imobiliário e do agronegócio (LCI e LCA, CRI e CRA), também viram o estoque engordar entre janeiro e fevereiro, último dado disponível.
Caderneta de poupança perde R$ 57,6 bilhões com recomposição de renda das famílias em cenário de juros altos
A desvalorização nas cotas de fundos de crédito, após a recuperação judicial da Americanas e outras renegociações de dívida, deixou sequelas para o segmento, que acabou perdendo apelo. Também houve um freio nas compras diretas de papéis corporativos, em meio ao início da atualização dos preços dos títulos a valor de mercado a partir de janeiro.
“O que a gente tem visto, de maneira geral, é que a renda fixa continua tendo a maior representatividade, com o fluxo indo para CDB e letras, que são música para o investidor”, diz Arley Junior, estrategista de investimentos do Santander. “O principal carro chefe tem sido a aplicação em ativos de emissão própria, com taxas interessantes. Com o nível de juros atual, é um combo excepcional para o cliente aplicar.”
Se três anos atrás o investidor tinha que buscar risco para ganhar além dos minguados 2% ao ano da Selic, agora ele consegue 1% ao mês sem precisar se expor às classes mais voláteis, continua o executivo. “E, na grande maioria dos casos, são opções de alta liquidez. A incerteza pesa muito, o investidor prefere tomar uma decisão para alternativas de maior risco quando tiver mais clareza em relação ao cenário.”
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Num cenário de taxas de juros elevadas, o incentivo para fazer alocações mais arriscadas diminui progressivamente, diz Rogério Calábria, superintendente de produtos de investimento e previdência do Itaú Unibanco. “Na cabeça do investidor, essas alternativas têm sido preteridas para alocar em instrumentos mais seguros, ou mais previsíveis”, diz. Na rede do Itaú isso se traduz em captação elevada em CDBs, tanto de recursos resgatados dos fundos quanto do dinheiro novo.
O executivo afirma que isso é perceptível até na previdência, com pedidos de portabilidade de planos em fundos mais voláteis para aqueles percebidos como de menor risco. “No agregado, o dinheiro não está indo embora, há uma troca grande de instrumentos”. Ele lista o Tesouro Direto, CDB pós e prefixado e letras financeiras de todos os tipos como o destino. Na rede, o Itaú tem vendido CDB a 100% do CDI, então “tem muito cliente encostando o recurso na modalidade”.
Calábria observa que o investidor tem evitado a compra direta de papéis corporativos, como debêntures, CRI e CRA, dando preferência aos bancários, que têm garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Nos fundos de renda fixa com dívida, há carteiras captando e outras com resgates, mas menores do que se viu no pós-Americanas. Ele considera que é provável que o investidor que não via as oscilações desses títulos tenha ficado mais ressabiado com a marcação a mercado, dando preferência aos papéis emitidos pelos bancos que não sofrem esse efeito.
Na base do varejo, o comportamento do poupador segue o ritmo de saques do mercado, sendo impactado pelas necessidades do dia a dia. “O fluxo de entrada realmente sofre pela menor disponibilidade para investimento e também pela própria dinâmica do mercado financeiro, com muitas opções melhores que a poupança, mesmo para o investidor iniciante.”
Com taxas nominais de quase 14% e reais na casa dos 6%, a renda fixa por si só já cumpre o papel de trazer retornos satisfatórios, embora haja oportunidades de turbinar os ganhos em bolsa, diz Philipe Biolchini, executivo-chefe de investimentos da Bradesco Asset. “No fluxo de fundos da Anbima há um resgate contínuo em fundos de ações e multimercados, e pelas nossas conversas e pesquisa de participação de mercado, o grau de pessimismo é elevado”, afirma. “A alocação baixa em risco faz sentido, mas causa depressão e reprecificação dos ativos de maior risco, mas o retorno [potencial] começa a chamar a atenção.”
Com foco em carteiras de menor volatilidade, a Bradesco Asset conseguiu manejar o crédito nos fundos e atrair dinheiro novo no primeiro trimestre, diz o executivo. “A gente não tinha aqueles ativos que sofreram muita volatilidade e isso manteve nossos produtos competitivos. Houve reprecificação, com fundos DI pouco abaixo do CDI, mas a rentabilidade nominal já é relevante.”
Superado o episódio da remarcação de títulos de dívida de maneira geral, na esteira de casos como Americanas e renegociações de Light e outros nomes, Biolchini diz que já tem fundo de renda fixa com liquidez diária rendendo quase 1,2% ao mês, convidativo para qualquer perfil, mas penoso para a atividade. “Espero que acabe logo para a economia entrar numa trajetória mais sustentável, mas neste momento é difícil combater isso”, afirma. “Só para quem tem visão de mercado de longo prazo e convicção para ativos de risco, quem tem paciência e desprendimento é que vai fazer sentido.”
O executivo diz ver o investidor se animar com aplicações em bolsas internacionais, por um efeito retrovisor que começa a se formar, dada a performance recente. “Faz parte da carteira balanceada ter o investimento externo mesmo quando a precificação não é tão interessante, porque tem ativos que não se consegue replicar no Brasil. Mas a atração do CDI é grande, é difícil contestar.”
Essa inclinação para olhar para fora também é percebida no Itaú, diz Calábria. Ele afirma que o cliente está efetivamente fechando o câmbio e mandando recursos para o exterior, talvez com a mesma leitura de que as aplicações em dólar podem ser um porto seguro.
Nas plataformas de investimentos, a migração de recursos de fundos considerados de maior risco para títulos bancários se repete, caso do BTG Pactual. Segundo Marcelo Flora, o sócio responsável por canais digitais, a preferência tem sido as letras e certificados de crédito, bem como a Letra Imobiliária Garantida (LIG). O executivo diz não ver uma aversão relevante a ativos de crédito corporativo e que boas emissões têm encontrado seus compradores, agora com taxas mais convidativas. “O investidor está mais cauteloso em relação à qualidade desses créditos”, diz.
Embora o mercado tenha reagido positivamente ao anúncio do arcabouço fiscal pretendido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a efetiva melhora e impacto no fluxo de investimentos ocorrerá apenas quando a Selic começar a cair. “Em princípio, não tem muita alteração de cenário enquanto os juros estão nesse patamar”, diz Flora.
Ele diz que o quadro mais promissor – para a economia e para um banco de investimentos – é ter taxas nem tão baixas como foi ver a Selic a 2%, 3%, porque isso “acaba virando alegria de curto prazo”, nem tão altos como nos níveis atuais, porque os planos são postergados. “O melhor ambiente para nós e para o desenvolvimento do país, com investimentos em infraestrutura, seria a 7%, 8,5%, desde que relativamente estável por um período razoável. O Brasil ainda não experimentou isso”, afirma Flora.
Para o executivo, o recente ingresso de recursos estrangeiros para as ações brasileiras, e a consequente valorização do real, demonstra a boa vontade do capital externo com qualquer melhora de fundamentos. “Se houver percepção de que o fluxo de entrada segue, o investidor local volta para a bolsa. Os ativos estão baratos, há boas oportunidades, mas não tem jeito, a Selic precisa cair. A 13,75%, o CDI voltou a ser um maratonista incansável.”
Dentro do BTG não há recomendação agressiva para ativos estrangeiros, porque não é hora de abrir mão do “retorno fantástico do CDI”. E se o real se valorizar, o investidor perde dinheiro duas vezes, pondera Flora. “Com o câmbio a R$ 5, eventualmente abaixo, vai começar a coçar a mão para mandar dinheiro para fora.”
Na base de investidores da XP não parece ainda haver sinais de reversão da tendência de tirar risco das carteiras, diz Rodrigo Sgavioli, chefe de alocação e fundos. Embora a procura por títulos de crédito e de fundos com esses papéis tenha se normalizado, o receio de uma crise mais aguda no exterior, com os problemas em bancos americanos e no Credit Suisse, faz o cliente procurar papéis considerados mais seguros, os de emissão bancária, LIG e títulos públicos de maneira geral.
“Não dá para enxergar perspectivas de curto prazo mais positiva para as classes de maior risco, mas se houver um arcabouço fiscal crível, a reforma tributária e, minimamente, a percepção melhor de risco Brasil e enxergar que os juros podem cair, não na marra, mas por motivos mais técnicos, vamos ver a chave virar para as classes de maior risco.”
Ele diz que este é um ótimo momento para deixar a reserva de emergência mais gorda, para aproveitar as oportunidades que podem se abrir adiante. Nos momentos de estresse, a receita é comprar barato. “Não é desfavorável ficar no ‘CDIzão’, só não pode imaginar que vai ficar lá e sua vida vai ser boa para sempre.”
Por Adriana Cotias, do Valor Econômico
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