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Quando a gestão gera resultados no futebol
O esporte proporciona histórias de superação, lições de vida que ficam marcadas na memória de todos. Geralmente associadas ao esporte olímpico, na maior parte das vezes em provas individuais.
De tempos em tempos essa magia que o esporte traz chega ao futebol, talvez o esporte coletivo que mais possibilita a reprodução da lenda de Davi contra Golias.
Falarei então sobre o Luton Town.
O que é o Luton Town
Muita gente deve ter visto a história do clube da cidade de Luton, que com seus pouco mais de 200 mil habitantes e cuja economia gira em torno da indústria chapeleira e automobilística, chegou à desejada Premier League, a primeira divisão inglesa e competição mais rica do mundo.
Nessa coluna vamos tratar de como o Luton Town atravessou 4 divisões até chegar à elite do futebol.
Na temporada 2012/2013 o Luton Town atuava na 5ª divisão inglesa, uma competição semi-profissional disputada em nível regional.
No ano seguinte o clube conseguiu o acesso à League Two, que é a primeira liga com caráter mais profissional no país, mas ainda assim a 4ª divisão. Que é justamente a divisão onde se encontra atualmente o Wrexham, clube do ator Ryan Reynolds e que é a estrela de uma série de streaming.
A equipe que atua no estádio de Kenilworth Road, com capacidade para 4.600 torcedores, levou 4 temporadas até chegar à League One, ou 3ª divisão inglesa.
O acesso à EFL Championship foi rápido, em dois anos chegou à divisão mais selvagem do futebol mundial, em termos financeiros. E aqui começa uma parte importante da história do Luton Town: responsabilidade financeira e eficiência na formação do elenco.
A EFL Championship é considerada o purgatório do futebol. Os clubes estão a um passo da Premier League, onde podem disputar partidas contra alguns dos maiores clubes do mundo e fazer perto de € 120 milhões em receitas.
Na League One a receita média é da ordem de € 10milhões e na EFL fica perto dos € 20 milhões. Por isso, a EFL é uma das ligas onde os clubes mais dependem de aporte de recursos de seus acionistas, pois costumam gastar o dobro das suas receitas para tentarem alcançar o Olimpo do futebol, e também uma das que mais vê clubes seguirem para o caminho da falência, pois os donos não conseguem manter as estruturas.
Gestão austera
O Luton Town optou por seguir uma estratégia diferente: austeridade, gastos dentro de suas possibilidades e gestão esportiva eficiente, baseada em análise de dados e desempenho dos atletas. Contratar bem e barato, e lucrar com a descoberta de talentos faz parte do modelo de negócios do clube.
Para se ter uma ideia de como funciona na prática, veja o saldo entre receitas com negociações de atletas e investimentos em contratações nas últimas 5 temporadas:
ANO | LIGA | VALOR |
2018/19 | League One | Zero |
2019/20 | EFL | € 9,3 milhões |
2020/21 | EFL | Zero |
2021/22 | EFL | € 500 mil |
2022/23 | EFL | (€ 1,2 milhão) |
Comparando com rival
A maior contratação nos últimos 10 anos foi Carlton Morris, por € 2 milhões, e a maior venda foi James Justin, por € 6,7 milhões.
Vamos aos números que mostram um pouco a diferença de realidade entre o Luton Town e um dos rivais da EFL que possuem história no futebol inglês: o Blackburn Rovers.
Na temporada 2021/22 da EFL o Luton Town terminou a competição em 6º lugar, classificando-se para os playoffs de acesso, enquanto o Backburn terminou na 8ª posição, sem chance de disputar o acesso.
Luton Town | Blackburn Rovers | |
Receitas | € 20,7 milhões | € 24,9 milhões |
Custos e Despesas | (€ 25 milhões) | (€ 33,9 milhões) |
EBITDA | (€ 4,3 milhões) | (€ 9 milhões) |
Dívida Líquida | € 2,5 milhões | € 32 milhões |
Dívida com Acionista | € 2 milhões | € 140,8 milhões |
Custos om despesas menores
Para receitas relativamente próximas, os custos e despesas do Luton Town são menores, mas essencialmente nota-se que o clube carrega um histórico de poucas dívidas e aportes dos acionistas para fechar suas contas.
Metade das dívidas do Luton Town são com a EFL, referentes a empréstimos feitos pela liga durante a pandemia.
O impacto financeiro de chegar à Premier League é enorme. A expectativa é de que apenas com direitos de transmissão para a temporada 23/24 o clube recebe € 100 milhões.
Mas, ainda que o clube seja rebaixado na sequência, receberá outros € 90 milhões referentes ao que se chama “receita paraquedas”, que é uma forma de compensar os clubes que investiram para disputar a Premier League.
Ou seja, em um ano, o clube terá acesso a € 166 milhões de receitas adicionais.
Trata-se de valores que ficam livres para o clube, dado que opera quase sem dívidas. Na comparação com o Blackburn Rovers, esse adicional praticamente empata o valor já aportado pelos acionistas no clube, enquanto para o Luton Town é lucro.
Claro que não é tudo, porque o clube investirá em reforços para a temporada. Entretanto, considerando o perfil da gestão, os investimentos serão dentro das possibilidades e buscando a maior eficiência possível.
Segredo do negócio
Falar assim parece fácil: “Vamos usar tecnologia, scouting, análise de desempenho e tudo dará certo”. Não é assim. A base de dados pode ser a mesma para todos, mas a qualidade de quem observa, a experiência de quem avalia, e essencialmente a capacidade em imprimir um DNA esportivo que extraia o melhor de cada atleta é o segredo do negócio.
Outros clubes fazem isso muito bem, como a Atalanta, o Sassuolo, o Lille, o Brighton e o Brentford, por exemplo.
E daí vem o segundo segredo do processo: expectativa correta. Todos sonham em ser campeões nacionais, mas nenhum tem como meta essa possibilidade. Todos lutam para permanecer nas primeiras divisões, depois se consolidarem nelas, passarem a disputar vagas nas competições continentais, e talvez, depois de um longo percurso, pensarão realmente em conquistarem títulos maiores.
O Lille já derrotou o PSG recentemente, sendo campeão da Ligue 1. A Atalanta já incomodou e segue incomodando. O Brighton subiu alguns degraus nessa temporada.
Onde estará o Luton Town em 10 anos? Ninguém sabe. Mas é mais um clube que mostra que o dinheiro é fundamental, mas a gestão é o toque que faz diferença no futebol.
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