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Gestor de ações com melhor retorno dribla cenário macro
Sobreviver a crises é uma arte para gestores de ações no Brasil. Num país em que juros de dois dígitos são recorrentes, ganhar dinheiro mesmo quando a bolsa vai mal é para poucos. Mas há um grupo de assets que tem conseguido provar o valor do tempo nos investimentos em renda variável. IP Participações, Dynamo, Velt, ARX, Bahia Asset, Bogari e Squadra são alguns nomes que têm uma janela de pelo menos uma década no azul e retornos expressivos de 2009 para cá, com ganhos acumulados de até quatro dígitos – entre 700% e 1100% ante 179% do Ibovespa e de 237% do CDI no período.
O levantamento toma como ponto de partida a quebra do banco americano Lehman Brothers, no fim de 2008 – que disparou uma crise financeira com sequelas para todos os lados. Os dados foram compilados pela IP usando informações disponíveis na da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O Valor Data adicionou referenciais de mercado para o intervalo de 13 anos, além dos resultados deste início de 2022.
Por trás da matemática da boa performance, o que dá para depreender das conversas com os gestores é que há muita disciplina, alinhamento societário e processo de investimento disseminados ao longo de gerações.
Vivendo crises desde 1997, Rogério Poppe, CEO da ARX, considera que a quebra do Lehman Brothers acabou sendo um dos momentos mais dramáticos na sua trajetória de gestão, porque ainda não havia o manual de estímulos definidos naquele momento, e que seriam rapidamente aplicados quando eclodiu a pandemia, em 2020.
À frente de uma das carteiras mais bem sucedidas de ações, com ganhos de 1.121% desde 2009, com 11 anos de retorno positivo, Poppe afirma que busca combinar a análise micro, das empresas que considera promissoras, com os sinais do ambiente econômico, como câmbio, taxa de juros e atividade. “É preciso saber mudar o tamanho da exposição a determinados setores porque o Brasil, como qualquer emergente, tem mais volatilidade nas variáveis macro”, diz.
O exercício, continua, é ser mais conservador nos momentos de euforia, se preparar para eventuais reversões de cenário, e aproveitar os tempos de maior depreciação para aumentar as posições nos ativos de que gosta. Olhando adiante, o gestor afirma que, mesmo com sucessão eleitoral e aperto monetário no Brasil e nos EUA, os próximos meses devem ser uma temporada frutífera para caçar as oportunidades. “Longe de ser trivial porque o mundo está saindo de um período de muita liquidez para uma fase de restrição maior.”
A Dynamo não teve dificuldades de levantar o R$ 1,1 bilhão que pretendia no Cougar, o seu fundo principal, na segunda reabertura para novos aportes em uma década, anunciada no fim de janeiro. A demanda superou em dez vezes a oferta e o encerramento da captação ocorreu no começo de fevereiro, antes da data prevista, no dia 16. O desempenho de longo prazo justifica a procura, com retorno positivo por 12 anos consecutivos, inclusive no primeiro ano da pandemia, com valorização de 26,2%. O investidor que entrou na reabertura de março de 2020 ainda está empatado com o Ibovespa, mas essa janela de curto prazo diz pouco da trajetória da gestão. Entre 2009 e 2021, o Cougar acumulava ganhos de 923%.
“É um momento de muita volatilidade no Brasil e lá fora, mas para o investimento de longo prazo, cinco, dez anos para frente, o preço nos parece num nível interessante para quem estiver disposto a tolerar um pouco de instabilidade”, afirma um dos gestores da Dynamo, que pediu para não ser identificado pela política da casa de não personificar um trabalho que é de equipe.
Foi justamente o raro desempenho negativo, com as empresas da carteira sofrendo bastante, que levou a gestora a buscar dinheiro novo, sob a expectativa de que os fundamentos acabarão prevalecendo nos próximos trimestres, ou seja, haverá uma oportunidade para alocar capital. No ano passado, o Courgar teve desvalorização 17,5%.
Desde o início, em 1993, o processo de investimentos da gestora fundada por Luiz Orenstein, Bruno Rudge, Pedro Damasceno (falecido em 2017) e Bruno Rocha (atualmente em Londres), é colegiado, não está concentrado na figura de uma ou duas pessoas. A rotação de sócios é relativamente baixa, o que explica parte da consistência ao longo do tempo, além de haver uma cultura de formar profissionais, atrair talentos e retê-los.
Na tomada de decisões, já há a participação de quatro gerações e a casa usa o escritório de Londres como um chamariz para quem quer vivenciar um período da carreira no mercado internacional. “A gente tem uma cultura clara de pensar no longo prazo, mas precisa tomar cuidado para que essa longevidade, com pouco ‘turnover’ e sem uma crise societária, para que as pessoas não se acomodem. Sempre estamos mesclando a experiência dos mais antigos com a energia dos mais novos”, afirma o sócio da Dynamo.
A equipe de análise, com 13 profissionais, é dividida em duplas ou trios e aqueles que identificam alguma oportunidade levam o caso para o grupo de gestão. O aprofundamento setorial é usado em prol do coletivo, com o mapeamento do cliente, fornecedores, ambiente competitivo. Já o cenário macroeconômico acaba ficando em segundo plano. Em vez de incluir ativos globais no portfólio do Cougar, a decisão foi criar uma carteira global para que o investidor faça esse mix.
Com R$ 17 bilhões sob administração, a avaliação entre os gestores da Dynamo é a de que, apesar do tamanho relativamente grande para uma gestora de ações no Brasil, a asset consegue entrar e sair das posições sem grandes transtornos e que a performance dos fundos traduz essa capacidade de se movimentar.
A Bogari nasceu em junho de 2008, no meio da confusão das hipotecas de alto risco americanas que culminaria na derrocada do Lehman Brothers meses depois. Nesse intervalo, contabilizou 11 anos positivos e um retorno de 926%, com um conceito que parece bastante simples, que o “preço das ações reflete os fundamentos da empresa no longo prazo”, diz o gestor Érico Argolo. “Vai ter oscilações de curto prazo, de acordo com o humor do mercado, a volatilidade acontece, mas em janelas mais longas, se a companhia melhorar, crescer e gerar mais caixa, o ativo vai acompanhar isso.”
O gestor diz acreditar que o fato de alguns sócios terem experiência em consultorias, no mundo real, conhecendo as empresas por dentro, ajuda na consistência. Quando compra um papel, o fundo mira ficar no investimento por três a cinco anos – tem empresa na carteira desde 2010. “Pode variar o tamanho, mas a gente quer aproveitar o desenvolvimento das companhias ao longo dos anos, ter o tempo a favor”, afirma Argolo, com a ressalva de que é sempre preciso comprar no preço adequado. “Não quero adivinhar qual companhia vai subir no próximo trimestre, semestre, ano, se o resultado veio melhor do que o mercado espera num trimestre ou outro. Quero comprar empresas que vão se valorizar, não sei quando, mas o mercado vai reconhecer isso.” A gestão também evita concentração excessiva, daí todo ano tem algum ativo trazendo resultados para o portfólio.
Num Brasil de desafios constantes, e de altos e baixos na economia, não é trivial seguir esse receituário à risca. “Houve períodos bem complicados, como a recessão de 2015, 2016, mas todo ano tem oportunidades, independentemente do macro. No micro, sempre tem alguma empresa fazendo algo diferente”, afirma Argolo.
É claro que não tem milagre. Quando a bolsa vai mal, o fundo acaba sofrendo, mas tende a se segurar melhor nos momentos de queda. O segundo semestre do ano passado foi um dos mais críticos para a gestão porque houve uma virada brusca de expecativas conjugada com os saques nos fundos de ações. Mesmo sem ter sido alvo de resgates significativos, a classe como um todo foi afetada com a migração do investidor para a renda fixa, determinando depreciação adicional para as ações.
Desde o Plano Real, em 1994, o fundo de ações mais antigo da IP teve apenas três anos no vermelho, acumulando ganhos de 23.000%. Do colapso do Lehman Brothers para cá, emplacou 13 anos positivos graças à decisão de privilegiar a exposição no mercado internacional, não se restringindo aos solavancos de Brasil. Neste ano, até o dia 10, tinha desvalorização de 5%.
“É importante que o cliente não tenha a falsa sensação de segurança porque esse negócio de renda variável sacode mesmo. Que bom que [o fundo] entregou retorno positivo, mas poderia cair 15%, 20%, faz parte do jogo”, diz o gestor Gabriel Raoni. Ele acrescenta que são nos períodos de crise que a gestão está plantando as futuras valorizações.
Um dos mantras dentro da IP é “não cair em tentação” porque nessa atividade o gestor é “continuamente tentado a fazer besteira”, e que “evitar a estupidez é tão importante quanto tomar decisões inteligentes”, afirma Raoni. Não é porque uma ação caiu 40% que está barata, ou seja, não há uma percepção de que exista um preço para tudo. “Alguns negócios são estruturalmente piores, que caíram tanto, são negociados a uma cotação próxima ao do caixa, sei que estão baratos, mas não se provaram ainda como geradores de valor ao longo do tempo”, diz. “A gente não quer só capturar a distorção de preço e valor, quer participar do crescimento da geração de valor.”
Uma pergunta que ajuda a se livrar das enrascadas, prossegue Raoni, é se a gestão teria 100% daquele negócio. “Na dúvida, a gente prefere perder oportunidades a perder dinheiro.”
Esse conservadorismo tem feito a IP quase não entrar em ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) e evitar estatais e foi também o que levou a casa a compor a alocação mais estruturalmente no exterior, “antes de virar modinha”, diz o gestor – o que despertou críticas quando o mercado andava em lua de mel com a onda liberal na transição do governo de Michel Temer para o de Jair Bolsonaro, entre 2018 e 2019. “O Brasil é mais traiçoeiro, exige mais retorno. Ter a visão sem fronteiras, sem modismo é o certo para nosso dinheiro”, afirma, acrescentando que os sócios têm 50% do patrimônio investido no fundo, uma maneira de ter alinhamento com o cliente.
Comprar companhias de qualidade, no Brasil ou no exterior, torna a carteira menos suscetível a choques de curto prazo, acrescenta o sócio-responsável por operações Rodolfo Marinho. “São negócios diversos e sempre procurando a tendência intrínseca de crescimento das empresas, um motor próprio e que por isso vão sofrer naturalmente menos, há um efeito amortecimento.” Há também o cuidado com o tamanho do fundo para não ter que ceder a preços e ficando em companhias com certo grau de liquidez. Atualmente, o patrimônio chega a R$ 5,6 bilhões.
Também afiada na cartilha fundamentalista, a equipe da Velt (antiga M.Square Brasil) estuda no detalhe as companhias e os setores, as pessoas por trás dos negócios, a capacidade de adaptação a diversos cenários e como se posicionam no jogo competitivo, descreve o gestor Daniel Rodrigues. “Entender a forma como o comando toma decisões ajuda a construir a convicção de longo prazo, de quais companhias têm boas perspectivas de trazer valor empresarial para o negócio delas. Não ficamos pensando no macro, na visão política, mas sempre num horizonte mais longo, de três a cinco anos, a avaliação é mais focada no micro”, diz.
Setores que estão passando por transformações, como energia, comércio eletrônico ou saúde, são alguns que oferecem várias oportunidades no Brasil, independentemente do ambiente macroeconômico, afirma o gestor. Mas, como há uma preocupação grande com controle dos riscos, isso significa privilegiar companhias sólidas, com nível de endividamento saudável e não expostas ao risco cambial. O objetivo, afirma Roberto Rocha, outro sócio da casa, não é bater o Ibovespa todos os anos, mas tornar-se de fato “sócio das companhias por um longo período de tempo. A performance do fundo vai ser mais consequência da geração de valor desses negócios do que das movimentações de mercado.”
Com metade dos cotistas formada por estrangeiros, entre “endowments” (fundos patrimoniais), fundos soberanos e famílias endinheiradas, a Velt não voltou a reabrir o fundo de ações neste ano como tinha feito no início da pandemia. “Nosso objetivo sempre foi criar uma base de longo prazo, não ter o maior volume sob gestão, as aberturas que fez não foram para operar ‘timing’ do mercado”, diz Rocha. “Nessa forma de trabalhar, temos trazido um capital muito paciente.”
A gestora reúne cerca de R$ 10 bilhões, contabilizando ganhos de mais de 700% para as carteiras de ações que registram 12 anos positivos de 13. Um dos grandes testes de fogo, diz Rocha, foi mesmo a pandemia de covid-19. “A nossa estratégia nos colocou na posição privilegiada de estarmos investidos nas empresas que nesse tipo de ambiente tendem a prevalecer, são líderes e vice-líderes em seus setores, com vantagens competitivas sólidas e que são geradoras de caixa”, afirma. “Foi um cenário de estresse que nunca tínhamos feito, de ficarem sem receitas por quatro meses, um cenário de guerra mesmo.”
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