Gestoras se reorganizam com fuga para a renda fixa

Ambiente fica mais difícil para captar com Selic alta

Foto: Silvia Zamboni/Valor
Foto: Silvia Zamboni/Valor

Após o segmento de gestão de recursos de terceiros inflar nos anos de juros decrescentes no Brasil, agora parece bater um vento contra. Com a taxa Selic de volta aos dois dígitos, inflação em alta e a saída do investidor de estratégias mais voláteis para a renda fixa, o que se vê são novos movimentos de consolidação. Se antes eram principalmente os grandes distribuidores que vinham demarcando o território com a aquisição de fatias minoritárias ou investindo por meio de veículos específicos, o ciclo atual tem mais cara de reorganização do setor.

A Sterna Capital, de Bruno Magalhães, vai receber aporte de Robert Gibbins, cofundador da Autonomy Capital, com quem o gestor trabalhou entre 2013 e 2021, quando era responsável pelas áreas de juros e moedas no Brasil do fundo hedge da casa. A Atmos, tradicional casa de ações que praticamente não teve mudanças societárias desde que foi fundada, em 2009, está apoiando a criação de um novo fundo de dois sócios minoritários e que terá vida independente adiante. A gestora quantitativa Avantgarde, de Luciano França e Mario Avelar, já foi sondada por meia dúzia de instituições entre gestoras e distribuidores e avalia ceder parte do seu capital para encurtar o crescimento.

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Entre os lances recentes, vale citar a associação da Canvas com a Quadra Capital, após a saída do time de crédito liderado por Rafael Fritsch para tocar as estratégias na Root. A Jive fechou a aquisição da Mauá, depois que a asset do ex-BC Luiz Fernando Figueiredo encerrou o multimercado macro e transferiu a carteira de ações para a Suno. A Absolut vendeu fatia para o BTG Pactual, a fim de avançar em novas áreas sob o diagnóstico de que o mercado de assets vai se consolidar em grandes nomes.

Essas transações coincidem com resgates líquidos de R$ 61,8 bilhões dos multimercados neste ano, até junho, e de R$ 49,5 bilhões em fundos de ações. Em contrapartida, as carteiras de renda fixa atraíram R$ 88,8 bilhões no período, segundo a Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos. Ao todo, o setor de fundos captou só R$ 8 bilhões na primeira metade do ano, ante R$ 272,5 bilhões na comparação com o mesmo período de 2021.

Pelo número de assets que entraram na base da Anbima, há ainda crescimento, com 60 novatas em 2022, até o fim de maio, e 25 exclusões. O total chegava a 859, de 824 em dezembro passado e de 710 no ano anterior. Em 2020 e 2021 completos, a entidade tinha contabilizado 104 e 155 novas gestoras, respectivamente, com 44 e 41 encerrando as suas atividades.

A mudança que se pensava estrutural, com taxas de juros baixas e a migração do investidor para classes alternativas, incentivou gestores de grandes bancos e de tesourarias a criarem seus negócios. Contaram com o empurrão das plataformas de investimentos que democratizaram o acesso a produtos antes restritos ao público mais endinheirado. Mas a cena mudou quando os estímulos de Bancos Centrais e governos durante a pandemia começaram a cobrar a conta na forma de inflação. No Brasil, isso se traduziu numa Selic que saiu de 2% em janeiro de 2021 a 13,25% anuais.

“O grande concorrente dos produtos de investimentos e da indústria de fundos é o CDI, a chance de você ter taxas de juros a 13%, 14% como oportunidade de poupança naquela combinação tradicional no Brasil de liquidez, rentabilidade e baixo risco”, resume o sócio de uma gestora da velha guarda, atento observador dessa indústria. “Foram várias transações de companhias se reorganizando, somando esforços e equipes, e se reposicionando porque o ambiente ficou mais desafiador, em particular por causa do aumento dos juros, que tem impacto importante em atividades de mercado de capitais.”

A Atmos, que recentemente reabriu seu fundo de ações para captação e atraiu cerca de R$ 2,6 bilhões neste ano, após encolher na pandemia, está incubando um fundo com viés global. Segundo o sócio-fundador da asset Bruno Levacov, trata-se de um arranjo “no estilo Tiger Cubs”, em que dois sócios minoritários estão desenvolvendo internamente o fundo. “Vai ser iniciado na Atmos, mas depois separado com controle societário e de gestão totalmente deles”, disse, em resposta por e-mail. A Atmos terá participação minoritária, sem interferir no dia a dia.

Na Canvas, a saída de três gestores de crédito levou o sócio-fundador Antonio Quintella rapidamente a se aproximar da Quadra Capital, de Nilto Calixto, seu contemporâneo quando estava no comando do Credit Suisse no Brasil, entre 2005 e 2013. Como há pouca gente especializada em gestão de ilíquidos relacionados a créditos corporativos, ativos estressados ou litígios, o movimento foi recompor competências ao lado de uma gestora que considera já consolidada, com cerca de R$ 6 bilhões e um histórico de seis anos no mercado.

Com ativos da ordem de R$ 5 bilhões sob gestão, cerca de 40% são referentes às estratégias de crédito que eram lideradas por Fritsch. Uma parte disso vai para a Root, conforme aprovado em assembleias de cotistas.

No conjunto de fundos líquidos de créditos “high grade” e “high yield”, na base da Morningstar aparecem quatro carteiras sob gestão da Root, duas vindas da Canvas, com um total de R$ 383,7 milhões. Em estruturado, só o Bullseye, de direitos creditórios (FIDC), tem mais de R$ 440 milhões, segundo Felipe Niemeyer, sócio-responsável por relações com investidores. E há outro R$ 1,7 bilhão em capital comprometido, que pode ser chamado para alocar se a gestão encontrar alguma oportunidade para a carteira, diz Fritsch.

A Canvas nasceu dedicada a um multimercado macro, tendo o Credit Suisse como sócio minoritário, mas foi buscar algum grau de diversificação para trazer estabilidade para o negócio. A transação com a Quadra vai se concretizar por meio de troca de participação minoritária, com as atividades de investimentos mantidas separadamente. Como parte do acordo, a advogada Isabela Ramires se desligou da sociedade da Quadra, plugando-se ao time de crédito da Canvas, e como gestor de portfólio e executivo-chefe de investimentos da vertical assumiu Ricardo Nunes, vindo da Itaú Asset.

Com sua trajetória ligada à gestão de créditos estressados, na operação de fundos imobiliários e de infraestrutura da Mauá, a Jive viu complementariedade para áreas que pretendia crescer no universo dos alternativos, diz o sócio Alexandre Cruz. “O Brasil tende a passar por processo parecido com o que se viu nos mercados centrais, de 10, 15 anos antes, com as ‘Apollos’ e ‘Blackstones’ liderando movimentos de consolidação, com as gestoras menores fazendo parte das maiores.”

A venda de fatia minoritária da Jive para a XP, acompanhada por um grupo de investidores do Credit Suisse, por sua vez, teve o objetivo de buscar a capitalização para diversificar estratégias e de passivos, e aportar recursos proprietários nos novos veículos. Além disso, foi uma forma de se aproximar do investidor qualificado e do varejo, já que o acesso antes era do público profissional, com investimentos a partir de R$ 10 milhões.

Em vez de começar do zero, a ideia é encontrar “gestoras ‘best in class’, alinhadas com nossa cultura e que não ganharam tanta tração. Em alguns casos, a gente pode fazer fusões e aquisições ou parcerias estratégicas”, continua Cruz. A união com a Mauá ocorre num momento em que os fundos imobiliários foram bastante machucados na bolsa, por conta da alta da Selic, com muitas cotas sendo negociadas abaixo do valor patrimonial das carteiras. É um período para se garimpar oportunidades no secundário. Um outro segmento que pretende avançar em algum momento é o de “private equity”.

Ao fazer uma leitura da transição do setor, o executivo afirma que nos últimos dois anos, muita gente saiu de banco para montar assets e algumas delas não conseguiram captar porque a Selic acelerou. “Ninguém previu guerra, problema em cadeias de produção, e o Brasil foi muito rápido na alta de juros. Gestoras com equipes muito boas não tiveram tempo para executar os seus planos.”

Do ponto de vista de avaliação das assets, Cruz cita que as métricas econômicas, as premissas de fluxo de caixa também viram outra coisa quando se tem num cenário de juros a 2% e pouco mais de um ano depois a 13%. “Sem discutir se o mercado está inflado ou não, com projeções menores, aumenta naturalmente o caminho para a consolidação para plataformas mais completas, com mais estrutura, solidez de caixa, mas também diversidade. Negócios capitalizados passam melhor pelo inverno.”

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