Gestores de multimercados se defendem com operações de curto prazo

Há carteiras que superam o CDI com retorno extra acima de 1 ponto até mais de 3 pontos percentuais

Num período de alta tensão para a gestão de multimercados que montam suas estratégias com base na leitura de cenários macroeconômicos, o que deu certo para os fundos que têm se destacado neste primeiro tempo de 2023? Há carteiras que superam o CDI com retorno extra acima de 1 ponto até mais de 3 pontos percentuais.

Navegar na volatilidade das taxas de juros locais tem sido a principal fonte de resultados da Neo Investimentos, segundo o sócio-gestor Mario Schalc. No fim do ano passado, quando o mercado corrigiu as taxas futuras para cima, a percepção era que o prêmio extra não fazia sentido. No primeiro trimestre, o mercado consumiu aquele excedente e passou a incorporar cortes meio forçados. “A Selic é alta, mas o Banco Central tem todos os incentivos do mundo para ser muito conservador”, diz. O gestor até considera haver espaço para o juro brasileiro cair cerca de 300 pontos-base, mas o “BC não deve começar tão cedo”.

Lá fora, enquanto os investidores digeriam os eventos com o setor bancário, a Neo viu oportunidades na renda fixa global. Não estava exposta à classe quando o caso SVB estourou porque tinha a visão de que duas forças iriam brigar, com um processo de desinflação em curso, mas insuficiente para dar conforto aos bancos centrais para cortarem juros.

A gestão do XP Macro conseguiu capturar ganhos com projeções de altas de juros nos EUA no início do ano, mas zerou quando Jerome Powell, o presidente do Federal Reserve (Fed), indicou a necessidade de ampliar a dose. “Foi um misto de disciplina e sorte, de diminuir a posição à medida que as taxas iam subindo”, diz Julio Fernandes, co-gestor da estratégia. “Quando a crise bancária jogou as taxas para baixo, já não tinha exposição.” Escapou desse lado, mas sofreu com a fatia vendida em bolsa americana.

No Brasil, o multimercado da XP ganhou com a desvalorização do Ibovespa, posição zerada três semanas atrás. A aposta em alta de juros nominais no início do ano deu lugar a posições pró-queda das taxas reais embutidas nas NTN-B com vencimento entre três a cinco anos. É um ativo que pode dar frutos tanto com uma eventual antecipação de corte da Selic quanto com os ruídos envolvendo as mudanças na diretoria do BC até a saída de Roberto Campos Neto da presidência, no fim de 2024.

O multimercado da Sterna Capital teve em fevereiro um dos seus melhores resultados mensais. Segundo o sócio-gestor Bruno Magalhães, mais da metade da performance veio de ações no Brasil, com posições vendidas em nomes específicos no varejo, após a recuperação judicial da Americanas. Com o anúncio do novo plano fiscal, o gestor ficou vendido no Ibovespa e começou a comprar ações de exportadoras. Em juros, a parcela que incorporava altas das taxas de curto prazo foi trocada por vencimentos mais longos.

A gestão dos multimercados da Ventor se fiou na tese de que os juros globais tinham feito o seu pico, com as taxas futuras atingido um nível suficientemente restritivo, afirma o gestor Flavio Fucs. A parcela aplicada em juros e as posições que refletem um dólar mais fraco deram certo. Foi assim que o fundo escapou do evento SVB.

No Brasil, Fucs diz ter um posicionamento mais neutro, com compra de real, mas protegendo a carteira com uma parcela do risco vendida em bolsa. “O real vinha performando bem porque nos Estados Unidos o processo de aumento de juros está perto do fim, e aqui o mercado tem se beneficiado de um fluxo comercial forte.” No geral, a Ventor tem se beneficiado de um fluxo comercial forte.” No geral, a Ventor tem privilegiado posições mais táticas de valor relativo, evitando ficar direcional.

É a mesma dinâmica que se vê na ACE Capital. O fundo ficou pró-real, mas vendido na bolsa. Com o Ibovespa caindo e o real valorizado no primeiro trimestre, as duas pontas funcionaram. “Tem um ambiente mais inóspito para a bolsa com os juros mais altos e um ajuste fiscal caminhando mais para o lado da receita do que da despesa”, diz Ricardo Denadai, CEO e economista-chefe da gestora. “A tendência é ter um ambiente tributário mais hostil, com mais gastos, inflação e juros altos por mais tempo.” Outra estratégia que floresceu foi eleger um conjunto de ações que poderia performar bem contra o Ibovespa, a exemplo da Sigma Lithium, listada na Nasdaq, mas que tem a sua operação no Brasil.

O episódio do SVB atrapalhou o fundo, que acabou devolvendo os ganhos que tinha com a renda fixa americana. Adiante, Denadai diz ser cético com os preços de mercado, que não só deixaram de embutir novas altas de juros como passaram a refletir sucessivas baixas. “Precisa de alguma dor [na economia] para ter mais convicção de que a inflação se resolveu e caminha para a meta de 2% nos EUA.”

No Brasil, a ACE passou a ter posições ligeiramente otimistas, ficando mais direcional na moeda brasileira. Um dólar mais fraco, casado com a avaliação de que o real vai se beneficiar do embarque recorde da safra nos próximos meses, explica o posicionamento. O executivo diz que a gestão começa a ver a renda fixa brasileira como atrativa. Se antes vinha travando a NTN-B com uma posição contrária em prefixados, passou a ficar comprada nos títulos indexados à inflação. “Não que esteja projetando, é uma referência, mas, se o dólar for para R$ 4,80, o mercado tira prêmio da curva de juros.”

À frente, “o melhor cavalo” entre os ativos brasileiros pode ser o real, diz Alfredo Menezes, sócio da Armor. Com emissões no mercado internacional pelo Tesouro Nacional, Banco do Brasil e BNDES, “um caminho a ser seguido por esse governo é buscar capital externo, via endividamento, para ajudar o crescimento”.

Para o gestor, os indicadores do mercado de crédito e as demonstrações financeiras dos bancos já apontam a deterioração da economia. Por ora, salvo uma fatia relevante em NTN-B, o posicionamento em ativos locais é pequeno, em meio ao suspense sobre que formato terá o novo marco fiscal após o crivo do Legislativo.

A Genoa tem buscado nuances de curto prazo para se posicionar. Quando o presidente do Fed sinalizou que poderia acelerar o passo da política monetária, a casa tirou o pé da posição pró-alta de juros porque considerou que a assimetria estava para o outro lado. Com o evento do SVB, ganhou com a parcela aplicada (apostando na queda) das taxas, descreve Rodrigo Noel, sócio-responsável por operações da asset.

No Brasil, a leitura é que os preços já incorporam um quadro tão negativo que a gestão começa a ver valor em posições mais otimistas. A principal aposta, por ora, é em juros decrescentes. “Nos números atuais, não se vê ainda uma desaceleração violenta, mas o mercado de capitais já está mais difícil para as empresas e a inadimplência começa a aumentar mesmo antes de uma piora no desemprego.”

A avaliação agora é que não há muitas alternativas de risco/retorno interessantes. “Está chato, a gente zerou em tudo porque gosta de acertar os sinais de longo prazo, mas fica muito preocupado com o caminho.”

Por Adriana Cotias, do Valor Econômico

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