Guerra coloca fusões em ‘banho-maria’ e redefine preços

Brasil mantém atratividade, mas investidores e empresas querem ter mais clareza sobre cenário e impacto sobre commodities

Daniel Wainstein, da Seneca Evercore: investidor está em modo de espera — Foto: Divulgação
Daniel Wainstein, da Seneca Evercore: investidor está em modo de espera — Foto: Divulgação

A guerra da Rússia contra Ucrânia já começa a ter reflexos nas operações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) no país, segundo bancos de investimentos e butiques especializadas ouvidas pelo Valor. Nesses primeiros 20 dias de conflito, não houve transações canceladas, mas já há discussões sobre reavaliação dos preços de ativos à venda, sobretudo nas áreas de óleo, gás e commodities agrícolas, por conta das incertezas.

Com a alta do petróleo, o mercado está tentando entender qual será o novo patamar de preço da matéria-prima. Essa é a pergunta que precisa ser respondida para se definir os preços dos ativos, diz Gustavo Miranda, responsável pela área de banco de investimentos do Santander. “Estamos observando os desdobramentos para definir os próximos passos.”

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Também há uma discussão sobre como o Brasil poderá ser afetado com o conflito. “Há hoje um entendimento de que os países latino-americanos devem ser menos atingidos porque estão distantes da área de guerra e também porque são importantes produtores de commodities”, afirma.

“Não estou vendo ninguém adiar transações e o interesse por ativos brasileiros continua firme”, afirma Ricardo Lacerda, sócio-presidente do banco de investimento BR Partners. “Mas já observamos disrupção de preços, sobretudo de ativos de energia. Ninguém quer correr o risco de precificar errado.”

No fim de janeiro, quando a guerra ainda era uma tensão geopolítica, a Petrobras e a Eneva comunicaram o encerramento das negociações para a venda do Polo Urucu – pertencente à estatal, na Bacia de Solimões, no Amazonas. Em nota, a Eneva disse que, apesar dos esforços entre as partes, não foi possível convergir para um acordo. Já a Petrobras informou que decidiu encerrar o processo competitivo e avaliar as melhores alternativas para o polo.

A alta do petróleo foi determinante para o fim das conversas. Quando a Eneva começou a negociar, em fevereiro de 2021, os preços do barril do Brent estavam em US$ 40. No fim de janeiro, chegaram a US$ 90. Ontem, o barril encerrou a quase US$ 107, mas na semana passada bateu em US$ 130.

Investidores russos que vinham olhando negócios no país também podem ter de rever suas estratégias. No início de fevereiro, por exemplo, a companhia russa Acron anunciou acordo com a Petrobras para compra de uma unidade de fertilizantes em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul. Fontes de mercado aguardam o desfecho das negociações.

Companhias russas podem ter maior dificuldade para criar liquidez e fazer a tramitação de pagamentos entre bancos internacionais, afirma uma fonte.

Ativos de gás também devem passar por reavaliação de preços, segundo especialistas em M&A. Já valorizados antes da guerra, os projetos de energia renovável também vão continuar atraindo investidores, sobretudo estrangeiros. “Veremos muitos negócios em de energia solar e eólica, além de créditos de carbono”, diz Lacerda.

Segundo um banqueiro de investimento, dois clientes com mandatos para venda de ativos – um de energia e outro de varejo – queriam fechar negócio ainda no primeiro semestre para evitar a volatilidade de preços e prazos com a aproximação das eleições. Agora, adicionado o conflito, ambos pediram para alongar o processo, mesmo que fique para 2023.

Para Daniel Wainstein, sócio da butique financeira Seneca Evercore, é importante observar que o cenário antes da guerra era de inflação de demanda, taxa de juros subindo e perspectivas de crescimento baixo. “Agora tem mais pressão inflacionária pela oferta e perspectivas de juros e inflação subindo no Brasil e no mundo.”

“Estamos num momento em que o investidor está em modo ‘wait and see’ [esperar para ver], sem muita pressa, na expectativa no que vai acontecer nas próximas semanas”, diz. A Seneca fechou neste ano quatro transações. “O apetite para Brasil não reduziu. Com a guerra, ficamos em compasso de espera.”

Wainstein concorda com a visão de que o Brasil está entre os países que serão beneficiados pelo conflito. “A B3 em relação a outras bolsas no mundo teve baixo impacto porque boa parte das empresas do índice opera com commodities.”

A guerra tem significado especial para Wainstein. Os avôs maternos do executivo eram ucranianos. “Meu avô era um bolchevique e lutou na revolução russa. Ele fugiu de lá quando [Josef] Stalin começou a perseguir os judeus”, lembra.

No mercado de capitais, o cenário é incerto. “O ambiente é de volatilidade aqui e no exterior. Não conseguiremos ver operações de abertura de capital no curto prazo. Também está desafiador para ofertas subsequentes de ações [‘follow-on’]”, diz Miranda, do Santander, lembrando que essa tendência já existia por conta do ano eleitoral.

Para Bernardo Parnes, sócio da One Partners, as atividades de mercado de capitais ficam mais afetadas que o ritmo de aquisições, principalmente olhando para o ano cheio. “O M&A adapta prazo, muda preço, resolve com cláusulas como MAC [para cenários adversos] ou com conta garantia. Mas acontece de um jeito ou de outro.”

Procurada, a Eneva mantém a posição do comunicado do dia 28 de janeiro. A Petrobras não comentou o assunto. A Acron não retornou os pedidos de entrevista.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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