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Home office, híbrido ou presencial: como deve ser a nova jornada de trabalho, segundo CEOs e pesquisas
Desde que a pandemia de covid-19 exigiu que parte da população ativa fosse para o home office, surgiu um novo debate no mundo do trabalho. A discussão hoje se dá em torno do desejo de parte dos trabalhadores de atuar de qualquer lugar quando possível – mesmo em situações menos adversas – e da visão de alguns gestores, que sentem a necessidade de sustentar as relações interpessoais, com troca de ideias, nas jornadas presenciais.
Segundo CEOs de grandes organizações e especialistas em recursos humanos entrevistados pelo Valor, o que está em jogo agora, mais de dois anos depois que novos tipos de expedientes nasceram, é uma trinca de ativos de que nenhuma firma quer abrir mão: a cultura corporativa – que faz os funcionários vestirem a camisa da empresa -, a capacidade de atrair currículos qualificados e a curva de produtividade ao fim do mês.
“Todos os CEOs com quem converso sabem da importância da adaptação ao modelo híbrido”, afirma Ricardo Basaglia, CEO do PageGroup Brasil, multinacional britânica da área de recrutamento. “Mas o mercado está mudando, exige adaptação e tem questões geracionais.”
Na opinião do headhunter, que neste ano lançou o livro “Lugar de potência – Lições de carreira e liderança de mais de 10 mil entrevistas, cafés e reuniões” (Alta Books), o ambiente de trabalho que boa parte dos gestores de empresas conhecem – e onde foram “criados” – era presencial “puro-sangue”. “Naturalmente, há uma preocupação diante de um novo modelo de produção, ainda não totalmente validado, que requer experimentação e escuta ativa”, afirma. “À medida que avançamos na flexibilidade [dos expedientes], será muito difícil voltar atrás.”
Uma evidência desse fenômeno aparece nos números da pesquisa “Modelos de trabalho pós-pandemia”, do PageGroup, PwC Brasil e com apoio técnico do professor de estratégia e liderança Paul Ferreira, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Realizado em janeiro de 2022 com 922 profissionais, sendo 289 em cargos de liderança, o estudo revela que 67% dos funcionários preferem o regime integral de home office ou a opção híbrida, com uma ou duas idas ao escritório na semana. Entre as chefias do C-level, essa preferência cai para 58%.
Já a parcela de profissionais que gostariam de ir três ou mais vezes ao escritório ou escolhem uma alternativa totalmente presencial chega aos 23%. Nas diretorias, esse percentual sobe 12 pontos, para 35%. O relatório também revela o grupo menos afeito aos regimes remotos: a geração “baby boomer”, com nascidos entre os anos de 1943 a 1960.
“A maioria dos CEOs tem a necessidade de ter os empregados à vista não por causa do padrão de trabalho, mas por um passo anterior [à pandemia], de como lidam com a questão da confiança”, explica Basaglia. “Ainda há visões antigas de gestão, como olhar a hora em que o funcionário chega ou sai da mesa.”
Para o consultor, o cenário que hoje abriga a expectativa dos líderes sobre uma possível perda de produtividade, com departamentos inteiros em home office, e a visão dos profissionais parcialmente remotos, que entendem que tudo está funcionando, ainda vai perdurar por muito tempo. “O desafio é saber que parâmetros utilizar para avaliar o que será mais eficiente para a empresa e como isso deve funcionar, em termos de maleabilidade, para a força de trabalho.”
Na XP Inc., com 6,3 mil empregados, tudo indica que o caminho do híbrido não terá volta. Do conjunto, cerca de 90% trabalham em um sistema que a companhia chama de “XPdeQualquerLugar” – ou sem a obrigatoriedade de estar no escritório. “Atualmente, 50% dos funcionários moram fora da Grande São Paulo [sede do grupo]”, diz o CEO Thiago Maffra.
O executivo percebe que, mesmo assim, as equipes estão cada vez mais integradas e eficientes. Uma pesquisa trimestral finalizada em junho, com 80% de adesão do quadro, sobre a liberdade de definir o tipo de jornada, com escolha de horários e local de trabalho, atingiu uma nota de 8,9, sendo 10 a máxima. “O melhor é que agora temos equipes mais diversas e não há fronteiras para contratar”, diz. Sete por cento da folha da XP estão nas regiões Norte e Nordeste. “É claro que são necessários ajustes. E temos feito isso, inclusive a partir de observações diárias sobre o que vai bem ou não.”
Maffra diz que a área de RH da empresa tem estudado alternativas para a produção remota. “Estamos rodando um piloto de três meses a fim de avaliar o interesse dos times em frequentar coworkings fora do estado de São Paulo”, afirma. “Se for bem-sucedido, devemos oferecer como um benefício.”
Segundo o CEO, de forma geral, mesmo operando remotamente desde o início da pandemia, a produtividade não caiu. “Entregamos o maior resultado da nossa história”, diz. O grupo encerrou 2021 com um lucro líquido ajustado de R$ 4 bilhões, 76% maior do que o verificado em 2020 e quase quatro vezes o montante registrado em 2019, ano do IPO da companhia, quando atingiu um lucro de R$ 1,1 bilhão.
“Trabalhar a partir de qualquer lugar nos deixou mais próximos do que quando íamos todos os dias para o mesmo ponto”, afirma. Para isso continuar acontecendo, a corporação investe em “encontros” remotos mensais, com todo o quadro, além de reuniões a distância com os líderes, convidados por Maffra ou pelo fundador da XP, Guilherme Benchimol.
Por outro lado, Eduardo Lucena, CEO da THB Brasil, corretora global de seguros com 300 funcionários no país e mais de mil em todo o mundo, vai quatro dias por semana ao escritório, mesma rotina praticada por todo o contingente. “Prefiro estar 100% do tempo na companhia”, ressalta o executivo. “Há ganhos de agilidade nas entregas e no engajamento com o time.”
Mesmo cético em relação aos benefícios do home office, Lucena observa que, depois dos impactos da crise sanitária, algumas das vantagens do hábito remoto são incontestáveis. “O período causou uma aceleração na transformação digital dos negócios, e vimos que respeitar as características de cada funcionário gera aumento de performance”, afirma o CEO, baseado em São Paulo, mas com subordinados diretos no Rio de Janeiro e Ceará, em departamentos como jurídico e financeiro. A THB Brasil, que teve aumento da receita em 24% no primeiro semestre de 2022 ante o período anterior, deve contratar 80 pessoas ainda em 2022, sendo 27% para cadeiras de comando.
Para Larissa Diniz, gerente-geral da produtora de chocolates Hershey na América Latina, que coordena as operações da fabricante em 20 países, acompanhar equipes a distância nunca foi um problema. “Desde 2015, faço a gestão de times internacionais com plataformas virtuais”, diz a executiva, que cumpre jornadas presenciais duas vezes por semana. “A ida ao escritório ganhou um novo propósito, de criatividade e cocriação. Já o trabalho em casa favorece atividades que pedem mais concentração ou uma agenda de reuniões virtuais, sem perder tempo com deslocamentos.”
Diniz explica que mesmo com a “oficialização” da cartilha híbrida, neste ano, na Hershey, com mais de 650 empregados no Brasil, a direção não indica os dias em que os executivos precisam estar “fisicamente” no batente. “Eles vão quando entendem que há necessidade.”
Desde junho, como sinal de que o destino híbrido ganha tração, o escritório central da fornecedora no país passou a funcionar em uma unidade da WeWork, rede global de espaços de trabalho, no bairro paulistano da Vila Madalena. “Acredito na liberdade de escolha dos funcionários”, diz.
O trabalho remoto tem proporcionado uma mentalidade diferente, de como “olhar” para as pessoas, avalia Arthur Diniz, CEO e fundador da consultoria Crescimentum, especializada em programas de liderança, cultura organizacional e coaching. “Não existe mais a cobrança de ‘eu preciso ver o seu trabalho e saber o que você está fazendo’”, afirma. “A conversa agora é falar sobre como os resultados serão atingidos e de que maneira os líderes podem ajudar as equipes a alcançar o seu melhor.”
Marco Stefanini, fundador e CEO global do Grupo Stefanini, multinacional brasileira de soluções digitais presente em 41 países, também tem aplicado o “livre arbítrio” no organograma. “Vimos que pode dar certo”, diz. Até a pandemia, apenas 120 funcionários da companhia, com 17 mil empregados no Brasil e cerca de 30 mil no exterior, atuavam em home office. Hoje, mais de 90% estão no híbrido, sendo que até 70% dessa fatia operam predominantemente de casa.
“Com o confinamento obrigatório, colocamos em prática um projeto que estava sendo pensado e foi acelerado”, diz. “A ideia é incentivar a contratação de talentos em qualquer lugar, mesmo que não haja um escritório nosso na cidade do candidato.” Stefanini explica que a facilidade ajuda a atrair currículos, especialmente entre as novas gerações. O trabalho híbrido atende a uma demanda da geração Z (nascidos a partir de 2001), diz.
“Mas os encontros presenciais, uma ou duas vezes por semana, são importantes”, afirma. “Não há nada que substitua um encontro que, muitas vezes, não acontece com a mesma fluidez de uma reunião virtual. Gosto muito do ‘olho no olho’.”
Jorge Kraljevic, sócio da Signium, consultoria de recrutamento para o alto escalão, alerta que mostrar opções múltiplas de “endereços” de trabalho já virou cartada decisiva para fisgar um profissional qualificado. “Grande parte dos executivos que avaliamos para projetos no C-level, do fim do ano passado até agora, trabalhava no regime híbrido ou em home office. Permanecer assim tornou-se uma premissa para que aceitem concorrer a uma vaga”, afirma. “Além de não estarem integralmente disponíveis para projetos 100% presenciais, todos queriam entender qual seria a periodicidade dos dias no escritório – se duas, três ou quatro vezes na semana.”
Segundo o consultor, ainda que os profissionais tenham se mostrado eficientes no modo a distância, é fato que quando se juntam nas sedes, a produtividade escala. “É no papo do corredor que é possível resolver dúvidas que surgem na discussão de um projeto”, afirma. “Os profissionais entenderam que existe a necessidade de se encontrarem em um local, porém não mais como antes, por cinco dias.”
A troca de ideias, na hora do almoço ou no café, permite ir além dos assuntos profissionais e estabelece uma conexão pessoal importante, concorda Edson Franco, CEO da seguradora Zurich, com 1,4 mil funcionários no Brasil. “Trata-se de construir um capital social que só existe com a interação”, afirma. “A qualidade dos resultados corporativos tem uma alta relação com os relacionamentos que somos capazes de desenvolver.”
Franco, que procura bater ponto no escritório, no bairro do Brooklin Novo, em São Paulo, pelo menos três ou quatro vezes na semana, acredita que o momento é de observação, aprendizagem e ajustes. Desde abril, a maior parte da companhia ou 71% do quadro adota a regra híbrida, com apenas dois dias no presencial.
“As relações profissionais se transformaram, e para continuar a atrair e reter talentos, precisamos promover mudanças também.” Nessa linha, o “híbrido” da Zurich funciona com mais dois padrões, além da opção de dois dias na empresa: totalmente presencial para equipes de 27 unidades comerciais do Brasil, que abrangem 12% dos funcionários, e 100% remoto para os operadores do call center, que não é terceirizado, e somam 17% do quadro.
“De modo geral, tem dado muito certo, mas com a necessidade de adequações, como observar se as equipes se reúnem presencialmente pelo menos uma vez ao mês, e garantir que, quando os funcionários estão juntos, que incluam também os colegas remotos”, diz Franco. “São ações que proporcionam engajamento e fortalecem a cultura da empresa.”
Pesquisa realizada pela Zurich entre janeiro e fevereiro de 2022 com 232 funcionários (25% do total) elegíveis ao trabalho híbrido, sinaliza que somente 4% escolheriam a norma presencial, ante 96% que se identificam com a opção mista. Sobre os aspectos fortes e fracos do expediente remoto, 83% mencionaram a economia de tempo, por conta do fim dos trajetos no trânsito, como o maior destaque, e 52% apontaram a falta de contato físico como a principal fraqueza.
No mundo pós-pandemia, o antigo princípio de “comando e controle” dos funcionários perde espaço e prevalece a confiança entre líderes e liderados, afirma Franco. “Dar autonomia é fundamental.” Entre 2020 e 2021, no pico da crise da pandemia de covid-19, a Zurich acusou um incremento de 17,9% em prêmios emitidos via corretores. Em março deste ano, fechou parceria com o Banco Carrefour para ampliar as vendas. “Praticamente todas as negociações aconteceram por videoconferência”, diz.
Na avaliação de Luiz Valente, CEO da holding de recrutamento e seleção de executivos Talenses Group, está claro para a maioria das diretorias que a produtividade e os níveis de satisfação dos clientes cresceram na pandemia. “Sob a ótica da performance financeira, há pouco espaço para questionar a eficiência do home office ou do híbrido”, pondera. “Acontece que as corporações não são construídas mirando apenas um curto período ou o resultado do ano fiscal. Companhias longevas traçam planos de longo alcance.”
Para isso, de acordo com Valente, fatores como rituais de gestão, entre eles reuniões de acompanhamento de projetos, e o treinamento dos executivos precisam ser trabalhados diariamente. “É nesse contexto que a discussão ‘remoto-presencial-híbrido’ vai ganhar corpo e visões diferentes.”
O especialista afirma que a maior parte dos líderes com quem debate o tema compreende que há uma transformação profunda e, possivelmente, irreversível, na forma como as pessoas estão se relacionando com o trabalho. Também já sabemos que o distanciamento físico completo do empregador promove, a médio prazo, perdas críticas, de engajamento ou na sinergia das equipes, ressalta.
“O que estamos observando é um ‘ajuste do pêndulo’: nem o expediente sempre remoto, nem aquele totalmente presencial”, diz. “A jornada híbrida, com um plano de ação que oferece momentos de integração e mentorias, parece ser a mais equilibrada e eficiente para os dias atuais.”
Para Kraljevic, da consultoria Signium, não há uma fórmula pronta ou a receita ideal de montar expedientes. “Cada empresa constrói, de forma colaborativa, um padrão para tocar o dia a dia, implementar estratégias e disseminar a sua cultura”, avalia. “O híbrido de alguns anos atrás é diferente de hoje, que vai ser diverso do que teremos nos próximos anos. O que não dá mais é simplesmente exigir o ‘presencial’ como era antes.”
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