Ibovespa tem volatilidade menor que a do S&P 500; entenda os motivos

Incerteza sobre inflação nos EUA leva índice local a posição inédita

O Ibovespa apresenta, pela primeira vez na história, níveis de volatilidade anual inferiores aos do S&P 500, principal referencial acionário dos Estados Unidos.

Mesmo com a proximidade das eleições, neste momento há mais clareza sobre o mercado local do que sobre o americano, segundo analistas. Isso porque a batalha do Federal Reserve (Fed, banco central americano) contra a inflação nos Estados Unidos aumenta sensivelmente a incerteza e reduz o apetite de investidores por ativos de risco.

Enquanto o Ibovespa se manteve, no último ano, entre 19 e 21 pontos de volatilidade, o referencial americano, que chegou a ficar abaixo dos 12 pontos em novembro, agora se aproxima dos 22, mostra levantamento do TradeMap obtido pelo Valor. Desde 2002, a volatilidade média do Ibovespa é de 26,83 pontos, e a do S&P 500, de 17,55 pontos.

Além do ineditismo, o movimento surpreende porque o mercado brasileiro – como outros emergentes – historicamente amplifica as oscilações negativas das bolsas americanas. Em 2009, em plena crise do “subprime”, quando a economia e o sistema bancário dos Estados Unidos foram severamente afetados, a volatilidade do índice doméstico atingiu 53 pontos, enquanto a do S&P não passou de 45 pontos.

Essa inversão, que se deu de julho para cá, ocorre num momento em que o Fed acelera o aperto monetário para combater a pior inflação nos EUA em 40 anos. O mercado financeiro tem demonstrado dificuldades para determinar os efeitos da política restritiva na economia e na performance dos ativos de risco. No Brasil, por outro lado, o cenário macroeconômico dá certa resiliência aos ativos, e ao mesmo tempo a bolsa vem sendo considerada barata. No ano, o Ibovespa sobe 4,25%, enquanto o S&P 500 cai 18,73%.

Para Aline de Souza Cardoso, estrategista institucional de ações para Brasil do Santander, o estágio do aperto monetário no país é o principal impulsionador dessa dinâmica. Enquanto o Comitê de Política Monetária (Copom) sinaliza que a taxa Selic está em seu patamar terminal, o Comitê de Mercado Aberto (Fomc, da sigla em inglês) do Fed ainda precisa avançar sensivelmente no processo de elevação dos juros.

“As incertezas em relação ao ciclo de aperto nos EUA são enormes, como mostram a própria volatilidade do mercado americano e a discrepância nos discursos dos participantes do mercado. Enquanto os Treasuries [títulos do Tesouro americano] precificam que as taxas devem chegar a 4,3% no início do ano que vem, gestores como Ray Dalio [fundador da Bridgewater] entendem que o Fed precisará levar o juro até 6% para controlar a dinâmica inflacionária existente”, afirma Cardoso.

Tiago Cunha, gestor de renda variável da ACE Capital, afirma que, com o ciclo de aperto mais avançado por aqui, as perspectivas de investimento também começam a mudar. Segundo o executivo, agentes passam a analisar, ainda que precocemente, possíveis cortes nas taxas de juros e, por tabela, ganham uma visão mais construtiva em relação aos ativos de risco locais.

“O Banco Central agiu primeiro porque a inflação local já estava alta e o juro ficou em um patamar muito baixo, então o mérito foi antecipar um problema que é recorrente por aqui. Até sofremos por conta disso, porque houve descasamento no ‘timing’ dos ciclos de aperto e o Brasil elevou suas taxas sem que a economia global estivesse desacelerando, o que impôs dificuldades adicionais”, afirma. “Agora, já existe uma visão mais construtiva para os ativos locais, o que dá certa estabilidade. Lá fora, ainda é preciso embutir esse avanço das taxas nas contas das empresas, o que pode provocar ainda mais variação nos preços.”

Na visão de Mauro Oliveira, chefe de ações para a América Latina do Credit Suisse, a dinâmica macroeconômica local, que surpreende positivamente em 2022, também tem dado suporte ao Ibovespa, apesar de o mercado doméstico não conseguir se descolar totalmente da dinâmica internacional.

Segundo o gestor, o Brasil está se comportando melhor do que a média porque a dinâmica do PIB tem surpreendido, o mercado de trabalho tem se mostrado forte e tende a crescer mais no fim do ano com a sazonalidade, a relação dívida/PIB não piorou muito mesmo com a pandemia e a inflação começou a convergir para a meta.

Oliveira também enxerga um componente técnico importante para a bolsa. Ele lembra que houve uma retirada maciça de recursos da renda variável brasileira a partir de meados de 2021, o que reduziu a liquidez e provocou reprecificação de vários ativos. Assim, com posicionamento técnico mais “leve”, as oscilações também tendem a ficar um pouco mais contidas. “Esse movimento foi mais visível no mercado interno, mas as volatilidades estão minimamente comportadas no mundo inteiro. O nível de caixa dos investidores institucionais é muito grande neste momento, justamente por conta das incertezas inflacionárias. O mercado está paralisado.”

Para 2023, Oliveira vislumbra uma entrada importante de recursos internacionais no mercado local, com o pós-eleição trazendo alívio para os investidores. Ele aponta, como condicionantes, a repactuação fiscal do país e a própria dinâmica inflacionária global. No cenário do gestor, os EUA conseguirão controlar a inflação sem maiores impactos na economia, o que pode dar fôlego para as ações.

Cardoso, do Santander, também espera movimento positivo do Ibovespa após a eleição e pelo menos durante o primeiro semestre de 2023. Para ela, os ativos ligados à economia doméstica devem estender sua recuperação e as empresas ligadas às commodities metálicas, surfar em um possível movimento de recuperação da economia chinesa.

Cardoso indica, por outro lado, que o processo lento de revisão de estimativas de lucro das empresas americanas pode ter impacto no ambiente de negócios. “A economia americana ainda não desacelerou, o que pode fazer com que o Fed avance mais com os juros e o impacto sobre as empresas seja maior. Além disso, o S&P 500 precifica um juro real americano a zero, mas a taxa já se encontra em níveis superiores a 1%, o que por si só poderia indicar uma queda superior a 10% para o índice, recuando ao patamar de 3.300 pontos”, diz.

Cunha, da ACE, mostra mais preocupação em relação ao cenário doméstico. Ele entende que, com outras economias encerrando seus ciclos de aperto monetário em 2023, o mercado ficará mais igualado, o que fará com que as atenções se voltem aos prêmios de risco. “Precisamos ver como será a dinâmica fiscal, a montagem da equipe econômica do novo governo. Se fugir muito do esperado, a curva de juros vai abrir e voltar a penalizar o mercado local.”

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