JP Morgan: Turbulência assustou investidores estrangeiros e retorno ao Brasil deve demorar

Segundo o JP Morgan, a turbulência de dezembro afugentou investidores estrangeiros, e a recuperação de ativos já atingiu seu pico. O retorno desses investidores depende da solução do problema fiscal brasileiro.

Imagem do J.P. Morgan. Foto: Romain Doucelin/Hans Lucas/Reuters
Imagem do J.P. Morgan. Foto: Romain Doucelin/Hans Lucas/Reuters

O movimento de recuperação dos ativos domésticos em 2025 tem pouco espaço para continuar, e a participação do investidor estrangeiro na dinâmica teve um caráter mais tático do que estrutural, segundo o diretor de estratégia de renda fixa para mercados emergentes do JP Morgan, Saad Siddiqui.

Ainda que a turbulência observada nos mercados locais em dezembro não seja uma novidade ao se examinar o universo dos emergentes, o mau desempenho exibido na ocasião pelo Brasil — que era uma aposta de consenso de investidores globais — deve seguir na memória dos estrangeiros por algum tempo, tornando-os mais cautelosos em retomar posições no país.

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Valor: A turbulência no mercado brasileiro em dezembro surpreendeu?

Saad Siddiqui: O comportamento do mercado em dezembro não é algo novo quando se trata de emergentes. De tempos em tempos, vemos mercados entrando em ciclos de retroalimentação negativa.

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No caso do Brasil, o ciclo negativo começou com preocupações sobre a trajetória fiscal. Isso gerava expectativas de inflação mais altas.

Expectativas mais altas pressionavam as taxas de juros para cima e, como o Brasil tem um dos maiores encargos de juros sobre dívida no mundo, taxas de juros mais altas faziam com que a preocupação original — a política fiscal — se tornasse ainda mais exacerbada.

Valor: Como isso foi monitorado do ponto de vista de mercado?

Siddiqui: O que descobrimos nos mercados emergentes é que esses espirais negativos podem fazer com que os preços dos ativos reajam de forma desproporcional aos fundamentos.

Mas, como se trata de um espiral negativo, no início não há um mecanismo de correção, e os ativos acabam entrando em uma dinâmica de “overshooting” (excesso de valorização ou desvalorização).

Muitas das análises que realizamos no passado sugerem que os preços dos ativos nessas circunstâncias não encontram um ponto de ancoragem, a menos que haja uma resposta da política econômica que atue como um “circuit breaker” (disjuntor).

Valor: O que interrompeu a piora acentuada dos ativos?

Siddiqui: A resposta de política econômica que rompeu essa dinâmica em dezembro, no caso do Brasil, foi a grande quantidade de vendas de moeda pelo Banco Central, além de uma retórica mais “hawkish” (rígida) e uma sinalização mais forte sobre a trajetória dos juros.

Esses dois fatores, juntos, conseguiram quebrar esse ciclo vicioso e impulsionar a recuperação que vimos nos preços dos ativos.

Valor: Como agiram, em termos de estratégia?

Siddiqui: Ao analisarmos mercados emergentes que passaram por situações semelhantes, descobrimos que as curvas de juros tendem a achatar.

Somente quando a parte curta da curva está suficientemente alta é possível esperar que as taxas de juros sejam mais baixas no futuro.

Nossa visão era de que o ponto final desse episódio seria quando a curva se tornasse bem mais plana.

A curva acabou se invertendo na parte curta algumas semanas atrás, e então encerramos nossa posição de achatamento.

Valor: Onde estamos, do ponto de vista dessa recuperação?

Siddiqui: Ainda há um prêmio de risco embutido nas taxas de juros no momento, talvez mais do que no câmbio.

Ainda há um pouco de espaço para recuperação dos ativos brasileiros, mas eu diria que a maior parte dela já aconteceu.

O que acontecerá a partir de agora dependerá do cenário externo, como o dólar americano e as taxas de juros globais.

A questão fiscal também não desapareceu e será um fator importante na orientação dos ativos nos próximos meses.

Valor: A melhora do Brasil em 2025 foi um movimento tático dos investidores estrangeiros?

Siddiqui: Em momentos de pânico, há um certo distanciamento dos fundamentos. No auge do estresse, a taxa de juros precificada pelo mercado chegou a quase 17%.

Chegamos a níveis irreais e, normalmente, três meses após esses episódios, vemos fortes recuperações.

Mas, se olharmos para a raiz do problema — que desencadeou o pânico em dezembro —, os motivos permanecem.

A narrativa fundamental ainda não virou a página. Os ativos estavam exageradamente desvalorizados e a recuperação reflete uma normalização.

Valor: Havia uma confiança maior do estrangeiro em relação ao Brasil em comparação ao investidor local. A que isso se deve?

Siddiqui: Sempre houve uma diferença entre as opiniões dos investidores locais e estrangeiros. Os locais sempre foram mais céticos em relação à trajetória da política fiscal, enquanto os estrangeiros estavam mais dispostos a dar o benefício da dúvida.

Em parte, para os estrangeiros, as contas externas são mais importantes.

O Brasil é um país que não tem um grande déficit em conta corrente e possui um alto nível de reservas cambiais — fatores-chave para os não residentes.

No entanto, a questão é que o Brasil tem um mercado doméstico muito grande e próspero, e os investidores locais têm mais peso no mercado do que os estrangeiros.

Se não houver uma âncora de confiança dos locais, os estrangeiros também terão dificuldades em manter uma confiança elevada no Brasil.

Valor: Sinais de que o crescimento está desacelerando contribuíram recentemente para uma queda nos juros futuros. Qual a sua avaliação?

Siddiqui: Estamos neutros. Embora eu ache que ainda há um prêmio na curva de juros, é difícil ser muito otimista enquanto as expectativas de inflação e os números do boletim Focus continuarem subindo.

Isso limitará a intensidade do rali. O que estamos vendo, na minha opinião, é mais uma compressão dos prêmios de risco.

Valor: Como o Brasil se compara aos pares emergentes?

Siddiqui: Estamos em um mundo em que investidores estão analisando países de forma muito mais profunda.

O Brasil, em termos do nível de taxas de juros e de “valuations”, parece melhor do que outros emergentes do universo “high yield”.

Também parece melhor do que os pares em termos de sua exposição comercial aos EUA, como o México, por exemplo.

Mas, no lado fiscal, é claramente onde ele se destaca negativamente. O fiscal é o calcanhar de Aquiles do Brasil.

Valor: O problema fiscal do Brasil é antigo. Mas, no episódio de dezembro, parece que locais e estrangeiros perderam a confiança no país. É uma avaliação justa?

Siddiqui: A falta de confiança que os investidores locais demonstraram nos ativos brasileiros tornou os investidores estrangeiros um pouco cautelosos.

No ano passado, o Brasil era um mercado de consenso nas carteiras globais e um preferidos dos estrangeiros.

E vale destacar que todos os pontos fortes que o Brasil tem hoje, ele também tinha no ano passado: taxas de juros reais altas, ausência de problemas de conta corrente, alto nível de reservas cambiais.

E, ainda assim, performou muito mal no segundo semestre de 2024.

Essa experiência recente significa que os estrangeiros ficarão mais hesitantes, especialmente com o ambiente global mais incerto, em voltar a investir no Brasil.

Valor: Será preciso tratar do problema fiscal para trazer o estrangeiro de volta?

Siddiqui: No médio prazo, é preciso haver uma sensação de que o Brasil está em uma trajetória sólida de declínio da relação dívida/PIB.

Se isso acontecer, o Brasil receberá muitos fluxos de investimento, porque o país é um dos maiores mercados dentro dos emergentes, é um mercado líquido e o nível de juro é alto.

A solução do problema fiscal atrairia uma grande quantidade de fluxos estrangeiros.

Se esse não for o caso, acho que haverá uma entrada muito tímida de recursos, na melhor das hipóteses.

*Com informações do Valor Econômico

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.

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