- Home
- Mercado financeiro
- IPOs: Por que as empresas pararam de abrir capital?
IPOs: Por que as empresas pararam de abrir capital?
As empresas reduziram consideravelmente a busca por capital na bolsa de valores desde o início de 2022. Isso levando em conta tanto IPOs quanto follow-on (aumento de capital).
Do começo de 2023 até aqui, a B3 registrou apenas dois follow-on (oferta subsequente de ações). A expectativa até o final do ano, segundo Flávio Souza, CEO do Itaú BBA, é de a B3 registrar de 25 a 30 operações de IPO e follow on. “O Brasil tem potencial para mais atividade”, disse Souza em entrevista à IF, veja no vídeo.
Em 2022, foram 17 operações do tipo, sendo o da Eletrobras responsável por 60% do valor movimentado no ano, com R$ 33 bilhões dos cerca de R$ 55 bilhões, segundo levantamento da Kroll, empresa especializada em valuation e finanças corporativas.
Paralisação total de IPOs
Quando o assunto é abertura de capital, a paralisação foi total. Não houve IPO na bolsa desde o começo do ano passado.
O congelamento total das operações veio depois do superaquecimento de 2021, quando o cenário, de alta liquidez e taxa de juros menores, possibilitou um recorde de operações de IPO e follow-on. As movimentações chegaram em R$ 121 bilhões. No período, foram realizadas 75 operações, sendo 49 de IPO e 26 de follow-on.
Em dezembro de 2021, a B3 tinha 20 empresas em lista de espera para abrir capital, mas nenhum IPO foi concretizado. A CVM chegou a informar que havia uma fila de 55 empresas para fazer o IPO em 2022, mas houve uma queda progressiva no número de interessados.
Isso aconteceu porque, já no final daquele ano, a bolsa entrou em uma espiral negativa, principalmente, por conta do avanço da taxa de juros.
“O mercado estava caindo, as ações ficaram baratas. As empresas costumam fazer IPO quando o mercado está caro. Como esse não é o cenário desde então, faz mais um de um ano que a oferta caiu bastante”, diz Fernando Siqueira, head de Research da Guide Investimentos.
Queda depois da abertura de capital
A onda de IPOs entre a segunda metade de 2020 e o final de 2021 causou uma má impressão nos investidores por conta dos resultados ruins que as companhias apresentaram nos meses seguintes à abertura de capital. “Empresas que fizeram IPO não tiveram uma performance boa na bolsa”, diz Siqueira.
Ele ressalta também que muitas empresas entraram na onda dos IPOs para aproveitar a supervalorização que a bolsa experimentou de 2019 a 2020.
Em 2019, o Ibovespa subiu 31,58%, a 115 mil pontos. Ao final de 2020, o principal índice da bolsa tinha subido mais um pouco: 2,92%, para 119 mil pontos.
“Muitas empresas acabaram vindo para a bolsa na fase do oba-oba. As pessoas estavam investindo muito dinheiro em ações e os gestores estavam demandando novos IPOs, pagando qualquer preço. Assim, vieram muitas empresas ruins ou empresas boas, mas a preços muito altos”, detalha Siqueira.
Já em 2021, o Ibovespa fechou o ano em 104 mil pontos, com perda de quase 12%, interrompendo cinco anos seguidos de alta.
Com os preços das empresas listadas bastante abaixo de suas médias históricas, seria necessário lançar ofertas baratas, “o que não é interessante para os acionistas vendedores e faz com que a maioria das empresas decida postergar o movimento”, explica Ivan Barboza, sócio-gestor do Ártica.
Migração em massa para a renda fixa
A partir de 2021, exatamente o ano em que houve uma explosão de aberturas de capital, o investidor acabou migrando em massa para o mercado de juros e de crédito privado. Em 2023, estamos vendo um movimento de abandono das posições por conta de empresas entrando em default, como Americanas e Light.
“As condições de mercado mudaram totalmente a partir de 2021. Foram de uma absoluta liquidez e custo baixo de dinheiro, aumentando o apetite a risco, para um cenário de menor liquidez. Ou seja, há menos dinheiro, e ele está custando muito mais caro”, diz o diretor de finanças corporativas da Kroll no Brasil, Alexandre Pierantoni.
Tanto no cenário global quanto no nacional, os investidores viram um empilhamento de motivos para uma mudança total na direção do dinheiro.
A alta global dos juros reduziu a capacidade de endividamento das empresas e desacelerou os investimentos, principalmente em setores com alta demanda de capital, como tecnologia.
Além disso, a pandemia iniciou um processo de ruptura das cadeias de fornecimento que foi complementado pela guerra no leste europeu, entre Rússia e Ucrânia. As políticas rigorosas de contenção da covid na China também esfriaram bastante a economia global.
Todos esses fatores tornaram o ambiente econômico turvo e resultou no adiamento de grandes decisões. “Essa falta de previsibilidade no Brasil e no mundo há mais ou menos três anos mudou tudo em relação a IPOs e fusões e aquisições”, arremata Pierantoni.
Esfriamento das operações pelo mundo
Os dados compilados pela Kroll apontam uma redução global não só nos movimentos de abertura de capital, mas também em fusões e aquisições. No primeiro trimestre de 2023, o número de transações desse tipo no Brasil foi 16% menor que no mesmo período de 2022.
No mundo todo, a queda foi de 14%. A situação na América Latina se apresentou ainda mais delicada: a queda no número de operações de fusões e aquisições foi de 34%.
O tombo está relacionado também ao nível registrado anteriormente, muito acima da média histórica. Em 2022, foram quase 41.810 mil transações de fusões e aquisições, segundo números do Mergermarket, próximo do patamar recorde, de 43 mil operações.
No Brasil, foram 1.345 transações no ano passado, muito próximo do recorde histórico, que era 1.600 M&As (fusões e aquisições, na sigla em inglês).
Retomada dos IPOs
Mesmo com a persistência de desafios globais, o pior entrave para a retomada de aberturas de capital está na alta taxa de juros que o Brasil pratica, diz Pierantoni. “Isso tem sido consenso entre economistas e investidores”, afirma o executivo.
“Arcabouço Fiscal e déficit em contas correntes são temas extremamente importantes, mas de alguma forma, isso são coisas que nós vivemos sempre. Agora, para movimentar o mercado de capitais e torná-lo mais atraente, a taxa de juros é importante”, completa.
O retorno do apetite do investidor, que deve impulsionar o número de IPOs, virá apenas com uma redução importante na taxa de juros. A mera sinalização não deve causar grandes efeitos, diz o especialista. “Com uma queda discreta, ainda continuará valendo a pena colocar o dinheiro no CDI”, diz.
“A sinalização é extremamente importante, mas a redução é mais importante ainda. Acho que a gente começa a ver uma perspectiva melhor de IPOs e follow-nos a partir do final do ano”, completa o executivo da Kroll.
Novo perfil de IPOs
Para Pierantoni, a retomada virá com um perfil diferente de IPOs do que os registrados no boom de 2021. Os tíquetes médios devem se manter num patamar mais alto e IPOs com valores até 150 milhões de dólares devem ser cada vez mais improváveis.
“Cases menores, mesmo suportados por private equity, hoje não têm mais atratividade, e o investidor não está olhando”, diz Pierantoni. “A precificação está totalmente diferente”, completa.
No novo cenário, os investidores devem optar por empresas mais resilientes, ainda que os retornos venham apenas a longo prazo. Por isso, os destaques ficam com empresas de energia, especialmente as voltadas para fontes renováveis, além de setores relacionados a infraestrutura, transporte e logística. Por outro lado, o varejo deve seguir sofrendo, sem grande atratividade para o investidor.
Leia a seguir