- Home
- Mercado financeiro
- Jorge Lucki: Como conceber um ícone no mercado de vinhos
Jorge Lucki: Como conceber um ícone no mercado de vinhos
Para se distinguir no concorrido mercado vinícola internacional não basta ter só bons vinhos. Se é certo que o vinho tem que ter incontestáveis virtudes – não adianta blá-blá-blá, a verdade está no copo -, é fundamental fazer com que essa mensagem chegue ao consumidor e ele acredite nisso. Como convencer o comprador de que o produto é bom? No mínimo tem que dar a cara para bater.
Foi o que fez o chileno Eduardo Chadwick, que comanda desde o início da década de 1990 a Errázuriz, vinícola familiar fundada em 1870, situada no Vale do Aconcágua, região distante cerca de 100 km ao norte de Santiago. O acaso e a determinação colaboraram para seu sucesso daí em diante. O primeiro ocorreu em 1991, quando ele se ofereceu para servir de motorista ao renomado Robert Mondavi, que queria conhecer os vinhedos chilenos, depois de passar uma semana de férias no sul do país.
Desse encontro nasceria quatro anos mais tarde o projeto Seña, sociedade entre ambos nos moldes do que Mondavi havia feito com o lendário Barão Philippe de Rothschild, na Califórnia, o Opus One, cerca de 15 anos antes. O Seña estreou em 1995, inaugurando a categoria “ultra premium” no Chile, à qual se incorporariam Almaviva, Santa Rita Casa Real, Montes M e Clos Apalta.
As primeiras safras do Seña foram produzidas a partir de uma seleção dos melhores lotes de vinhas da região de Aconcágua, levando majoritariamente cabernet sauvignon. E assim foi sendo enquanto procuravam o local ideal para implantar o vinhedo definitivo, o que só ocorreu em 1999, numa área privilegiada situada a 40 km do Pacífico, suficientemente perto do mar para se beneficiar da influência marítima, mas adequadamente protegida das brisas frias dele por uma formação montanhosa. A partir de 2003, começaram a utilizar uvas da propriedade, proporção que foi sendo aos poucos aumentada, até alcançar 100% em poucos anos.
Embora o Seña se valesse do prestígio de Mondavi para atingir diferentes mercados externos – só conseguia bons resultados nos EUA -, o vinho começou a ganhar reconhecimento internacional quando Chadwick, em função da quebra do grupo Mondavi, comprou a participação do americano e partiu sozinho para divulgá-lo. Inspirado na célebre degustação “O Julgamento de Paris”, realizada por Steven Spurrier em 1976, em que vinhos californianos chegaram à frente de congêneres franceses, Chadwick se dispôs a encarar o desafio e colocou o Seña para duelar contra rótulos famosos da Europa em degustação às cegas.
O primeiro, a “Cata de Berlin”, foi realizado na cidade alemã em janeiro de 2004 e reuniu 40 especialistas europeus, entre jornalistas de expressão no setor e compradores profissionais. Seus dois vinhos, Viñedo Chadwick 2000 e Seña 2001, ficaram no topo do ranking, à frente do Château Lafite 2000 e do Château Margaux 2001, entre outros. Chadwick não poderia esperar resultado melhor, o que lhe permitiu abrir mercados e chamar a atenção de críticos influentes, caso de Robert Parker, que passou a incluir o Chile em seu “The Wine Advocate” – os vinhos chilenos debutaram na edição 171, de junho de 2007.
O fato de não haver mais dúvidas quanto à qualidade do Seña não fez Chadwick descansar. Ele iniciou uma empreitada para demonstrar que seu vinho tinha potencial de guarda, requisito dos rótulos renomados. Para tanto, começou a organizar degustações em capitais importantes, colocando safras antigas para provar sua capacidade de envelhecimento. Não só isso.
Em complemento, nada melhor do que uma degustação abrangendo várias safras – a degustação “vertical” – para analisar seu comportamento diante das variações climáticas ano a ano. No caso de um vinho com um histórico relativamente curto – duas décadas é pouco quando se trata de vinho -, uma “vertical” é importante por permitir traçar um perfil dele, entender as características de seu terroir e, em especial, independentemente dos humores do clima, verificar sua consistência. Com efeito, nenhum vinho pode aspirar a ser grande se não tiver consistência.
A mais recente “vertical” de Seña foi realizada em São Paulo na semana passada para celebrar o lançamento da 25ª safra desse ícone do Chile, a 2019. Ninguém mais gabaritado para comandá-la do que Francisco Baettig, seu enólogo responsável desde 2005, o primeiro ano em que foram utilizadas apenas uvas próprias em sua elaboração e o vinho começava a ganhar um estilo mais definido, com um blend formado por em torno de 55% de cabernet sauvignon e 20% de carmenère.
Além das variações climáticas, que favorecem mais ou menos determinadas uvas e implicam diferenças na composição do vinho, o Seña foi ganhando aprimoramentos com o tempo, caso da nova adega da Errázuriz, inaugurada em 2010, onde passou a ser vinificado, e da adoção de preceitos biodinâmicos (um centro para desenvolver o composto foi construído em 2012).
As vinhas existentes ficaram mais equilibradas com o passar dos anos e outras uvas foram sendo incorporadas com o aumento da área plantada – parcelas definidas em função do aprofundado estudo de solos executado por uma especialista da Borgonha.
Na coluna da semana que vem, um apanhado sobre as dez safras de Seña provadas e os comentários precisos de Baettig.
Jorge Lucki escreve neste espaço semanalmente
Leia a seguir